Laura
Carvalho
(Faculdade
de Economia – USP)
A aprovação da PEC do
"teto de gastos" pode ter levado o governo a um erro de avaliação.
A grande mobilização desta quarta (15) em todo o país
revela que a população não está disposta a engolir a seco a reforma da
Previdência proposta, desmentindo a afirmação de Temer de que "quem
reclama é quem ganha mais".
Segundo estudo de 2015 do Ministério do Trabalho e da
Previdência Social, os benefícios previdenciários sozinhos são responsáveis por
reduzir o percentual de pobres no Brasil de 37,8% para 24,2% da população.
Defender que a diminuição drástica na cobertura e no valor das aposentadorias
não ampliará nossas desigualdades é passar longe da realidade das famílias
brasileiras.
É verdade que ajustes no sistema previdenciário sempre
serão necessários quando há melhora na expectativa de vida da população. E
sempre serão impopulares. Talvez por isso, muitos países tenham criado
mecanismos automáticos que vinculam as regras de aposentadoria à expectativa de
vida projetada. Mas há formas e formas de fazê-lo.
Além de não levar em conta nossas desigualdades
profundas, a reforma de Temer concentra todas as mudanças no lado das despesas,
sem nenhuma preocupação com a base de arrecadação do sistema.
A PEC do "teto de gastos" plantou a armadilha:
com o total de despesas federais congelado e a expectativa de vida crescente,
as despesas previdenciárias ocuparão parcela cada vez maior no Orçamento.
Como há piso para gastos com saúde e educação, as demais
rubricas (e.g. Bolsa Família, Cultura, Infraestrutura) tenderão a zero se não
houver uma redução dramática na cobertura previdenciária e no valor dos
benefícios. Agora virem-se, brasileiras, para escolher o cenário menos pior.
O problema é que, mesmo se reformado sucessivas vezes
para incorporar mudanças demográficas, um regime público de Previdência só será
sustentável se a razão entre ativos e inativos se mantiver elevada, o que
depende também do baixo desemprego e do alto grau de formalização do mercado de
trabalho.
Dado o quadro permanente de estagnação em que jogamos o
país, não surpreende que tais pressupostos não estejam no centro do modelo de
projeção atuarial do governo —sobre o qual quase nada sabemos.
Quanto aos efeitos da reforma proposta, seu impacto é
mesmo maior sobre quem começou a trabalhar mais cedo e nas piores condições.
Afinal, nos centros urbanos, a aposentadoria por idade já é de 63,1 anos em média,
um patamar próximo ao dos países desenvolvidos.
Entender a idade mínima exigida como uma simples
convergência para o padrão de países da OCDE é ignorar que na França, por
exemplo, onde a idade de aposentadoria já é de 65 anos, a expectativa de vida da
população supera os 82. No Brasil, a expectativa média é de 75 anos, e, nas
áreas rurais, muito menos.
Além disso, a expectativa de vida saudável no país é de
apenas 64 anos. Exigir 49 anos de contribuição para recebimento da
aposentadoria integral nada mais é do que uma forma de reduzir dramaticamente
valor real dos benefícios para a grande parcela da população que terá de
aposentar-se mais cedo.
Como se não bastasse, a reforma prevê também o aumento da
idade de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) de 65 para 70 anos e
desvincula o seu valor do salário mínimo, golpeando idosos e portadores de
deficiência cuja renda familiar per capita é inferior a um quarto de salário
mínimo.
Em vez de preparar-nos para o futuro, essa reforma parece
mesmo mirar o velho Brasil, campeão das desigualdades.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho. Título original: 'Reforma da Previdência mira o passado, não o futuro'.