Por Vladimir Safatle
(Departamento de Filosofia
da USP)
Nunca na história da
República o Congresso Nacional votou uma lei tão
contrária aos interesses da maioria do povo brasileiro de forma tão sorrateira.
A terceirização irrestrita aprovada nesta semana cria uma situação geral de
achatamento dos salários e intensificação dos regimes de trabalho, isto em um
horizonte no qual, apenas neste ano, 3,6 milhões de pessoas voltarão à pobreza.
Estudos sobre o mercado de trabalho demonstram como
trabalhadores terceirizados ganham, em média, 24% menos do que trabalhadores
formais, mesmo trabalhando, em média, três horas a mais do que os últimos. Este
é o mundo que os políticos brasileiros desejam a seus eleitores.
Nenhum deputado, ao fazer campanha pela sua própria
eleição em 2014, defendeu reforma parecida. Ninguém prometeu a seus eleitores
que os levariam ao paraíso da flexibilização absoluta, onde as empresas poderão
usar trabalhadores de forma sazonal, sem nenhuma obrigatoriedade de contratação
por até 180 dias. Ou seja, esta lei é um puro e simples estelionato eleitoral
feito só em condições de sociedade autoritária como a brasileira atual.
Da lei aprovada nesta semana desaparece até mesmo a obrigação
da empresa contratante de trabalho terceirizado fiscalizar se a contratada está
cumprindo obrigações trabalhistas e previdenciárias. Em um país no qual
explodem casos de trabalho escravo, este é um convite aberto à intensificação
da espoliação e à insegurança econômica.
Ao menos, ninguém pode dizer que não entendeu a lógica da
ação. Em uma situação na qual a economia brasileira está em queda livre,
retirar direitos trabalhistas e diminuir os salários é usar a crise como
chantagem para fortalecer o patronato e seu processo de acumulação. Isto não
tem nada a ver com ações que visem o crescimento da economia. Como é possível
uma economia crescer se a população está a empobrecer e a limitar seu consumo?
Na verdade, a função desta lei é acabar com a sociedade
do emprego. Um fim do emprego feito não por meio do fortalecimento de laços
associativos de trabalhadores detentores de sua própria produção, objetivo
maior dos que procuram uma sociedade emancipada. Um fim do emprego por meio da
precarização absoluta dos trabalhos em um ambiente no qual não há mais
garantias estatais de defesa mínima das condições de vida. O Brasil será um
país no qual ninguém conseguirá se aposentar integralmente, ninguém será
contratado, ninguém irá tirar férias. O engraçado é lembrar que a isto alguns
chamam "modernização".
De fato, há sempre aqueles dispostos à velha
identificação com o agressor. Sempre há uma claque a aplaudir as decisões mais
absurdas, ainda mais quando falamos de uma parcela da classe média que agora
flerta abertamente com o fascismo. Eles dirão que a flexibilização irrestrita
aumentará a competitividade, que as pessoas precisarão ser realmente boas no
que fazem, que os inovadores e competentes terão seu lugar ao sol. Em suma, que
tudo ficará lindo se deixarmos livre a divina mão invisível do mercado.
O detalhe é que, no mundo dessas sumidades, não existe
monopólio, não existe cartel, não existem empresas que constroem monopólios
para depois te fazer consumir carne adulterada e cerveja de milho, não existe
concentração de renda, rentismo, pessoas que nunca precisarão de fato trabalhar
por saberem que receberão herança e patrimônio, aumento da desigualdade. Ou
seja, o mundo destas pessoas é uma peça de ficção sem nenhuma relação com a
realidade.
Mas nada seria possível se setores da imprensa não
tivesse, de vez, abandonado toda ideia elementar de jornalismo.
Por exemplo, na semana passada o Brasil foi sacudido por
enormes manifestações contra a reforma da previdência. Em qualquer país do
mundo, não haveria veículo de mídia, por mais conservador que fosse, a não dar
destaque a centenas de milhares de pessoas nas ruas contra o governo. A não ser
no Brasil, onde não foram poucos os jornais e televisões que simplesmente
agiram como se nada, absolutamente nada, houvesse acontecido. No que eles
repetem uma prática de que se serviram nos idos de 1984, quando escondiam as
mobilizações populares por Diretas Já!. O que é uma forma muito clara de
demonstrar claramente de que lado sempre estiveram. Certamente, não estão do
lado do jornalismo.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle. Título original: 'O Fim do Emprego'.