Moiras: na mitologia grega, três irmãs que teciam e interrompiam o fio da vida |
Por Susan Wolf
(Professora de Filosofia na University of North Carolina at Chapel Hill; texto
publicado em Routledge
Encyclopedia of Philosophy, ed. by
Edward Craig, Londres: Routledge, 1998)
1. O que significa “o sentido da vida”?
A
pergunta “qual é o sentido da vida?” é provavelmente a que causa, ao mesmo
tempo, mais desprezo e mais respeito entre os pensadores. Por um lado, é uma
pergunta notoriamente vaga e deu azo a muitos disparates pomposos. Por outro, a
necessidade de compreender o sentido da nossa existência é profunda e
universal, apontando qualidades da mente que são possivelmente centrais para a
existência humana.
Uma
dificuldade significativa que rodeia este tópico é a falta de clareza do
próprio tema, e as comparações que podemos fazer com outros contextos nos quais
procuramos encontrar um sentido tendem a aumentar a confusão. Quando procuramos
o sentido de palavras ou frases, tentamos averiguar a forma como normalmente
são usadas para comunicar. Porém, a vida não é um elemento num sistema de
comunicação. Nada indica que seja usada ou que sirva para representar alguma
coisa para além de si própria. Em certas circunstâncias, também falamos sobre o
sentido de elementos não-linguísticos: as pegadas indicam a presença de alguém;
as pintas vermelhas na pele de uma criança significam que tem sarampo. No
entanto, as analogias com estes usos da palavra “sentido” não nos ajudam a
responder à nossa pergunta.
As
preocupações centrais que subjazem a este tópico incluem questões sobre a
existência de um objectivo para a vida, sobre o valor da vida e sobre a
existência de uma razão para viver, independentemente das circunstâncias e
interesses individuais. Qualquer destas questões pode ser aplicada à vida,
normalmente à vida humana, mas também às vidas individuais, particularmente às
nossas próprias vidas. Podemos procurar motivações, razões e valores aceitáveis
a partir de pontos de vista que nos são exteriores, ou podemos restringir a
nossa atenção ao campo dos desejos e objectivos das nossas psiques ou das
nossas comunidades, indiferentes a possíveis perspectivas que possam existir
além da esfera humana. Embora a expressão “o sentido da vida” pareça pressupor
apenas um sentido para a vida, podemos ser levados a rejeitar este pressuposto
sem ser preciso concluirmos que a vida não tem sentido. Muitas vezes o próprio
objecto da pergunta vai-se transformando ao longo do próprio processo de lhe
dar uma resposta.
Portanto,
indagar sobre o sentido da vida é como envolvermo-nos numa busca em que só
estamos certos daquilo que procuramos quando o encontramos. Qualquer tentativa
de arranjar uma paráfrase inequívoca para a expressão “o sentido da vida” está
sujeita, tal como a própria expressão, a excluir certas opções e suprimir
caminhos de questionamento que não deveriam ser abandonados de antemão.
2. A relevância da morte
O
sentimento de que estamos perante um problema quando pomos a questão do sentido
da vida é frequentemente induzido pela contemplação da morte. Na verdade,
muitas vezes pensa-se — como Schopenhauer (1851) e Tolstoi (1886) — que a
questão emerge precisamente do facto de as nossas vidas acabarem com a morte.
No entanto, como alguns filósofos observaram, a ligação entre a nossa finitude
e o sentido da vida é desconcertante. Se o pressuposto de que todos morremos
faz a vida parecer sem sentido, de que maneira o pressuposto contrário — de que
viveremos eternamente — melhora a situação?
Uma
possível explicação para a ligação entre o pensamento da morte e o medo de que
a vida não tenha sentido é que quando enfrentamos a nossa própria mortalidade
destruímos os nossos ideais de felicidade. Se a felicidade plena fosse verossímil,
ou mesmo possível, poderíamos não sentir a necessidade de encontrar um sentido
— não precisamos de ter uma razão para viver enquanto a vida é agradável, e o
objectivo de atingir a felicidade plena, se esta fosse atingível, já seria
suficiente. No entanto, para alguns, a ideia de que um dia morrerão torna a
felicidade impossível. De uma maneira algo diferente, o reconhecimento da
inevitabilidade da morte da nossa cultura e da nossa espécie, tal como de nós
próprios, pode dar agora a ideia de que os interesses e os objectivos que
tínhamos são destituídos de valor ou vãos.
A
crença num Deus pode aliviar estas preocupações. A promessa de uma vida após a
morte, na qual pelo menos alguns atingem a felicidade eterna, renova a
possibilidade de procurar obter a felicidade plena. Por si só, a existência de
um ser eterno e superior que cuida de nós e através do qual pautamos as nossas
vidas alivia a preocupação com a insignificância dos nossos objectivos e da
nossa conduta.
3. Absurdo
Albert
Camus concentrou-se sobre o conflito entre a nossa exigência de que o mundo
seja razoável, ordeiro e atento a nós, e a realidade do mundo, isto é, o facto
de o mundo ser mudo, inexpressivo e indiferente. Thomas Nagel acentua a
discrepância entre a insignificância objectiva das nossas vidas e dos nossos
projectos e a seriedade e a energia que lhes dedicamos. Como devemos então
reagir?
Uma
vez que o reconhecimento da indiferença do universo pode ser uma experiência
aniquiladora, a ideia do suicídio emerge naturalmente. Se todos os nossos
objectivos forem baseados no pressuposto de que a nossa existência ou as nossas
acções dizem respeito a uma entidade ou processo mais abrangentes e menos
necessitados de validação do que nós próprios, então a descoberta da
inexistência de uma tal entidade deixa-nos sem qualquer direcção a seguir. E se,
além disso, pensarmos que qualquer direcção que tomarmos reintroduzirá
necessariamente o pressuposto que agora sabemos ser falso, então nessa altura
poderá parecer-nos que a única opção que evita a contradição é o suicídio. No
entanto, Camus (1955) pensava que há um modo de vida que não é contraditório.
Descreveu o “homem absurdo” como aquele que vive “sem apelo”, desafiando a
indiferença que o mundo lhe oferece. Uma pessoa assim abraça a vida o mais
plenamente possível, mas sem nunca esquecer ou negar a ausência de algum
fundamento racional para a mesma.
Nagel
dá-nos uma resposta mais suave (1971): o reconhecimento da nossa
insignificância é uma função da capacidade distintamente humana de adoptarmos
uma perspectiva externa sobre nós próprios; como tal, não há qualquer razão
para tentar negá-la ou para dela fugir. Ao mesmo tempo, se as nossas vidas são
cosmicamente insignificantes, também o é a maneira como respondemos a este
facto. À luz deste argumento, sugere Nagel, a atitude de desafio parece
excessivamente exagerada e dramática, sendo a ironia mais apropriada.
Richard
Taylor (1970) retira uma moral diferente do silêncio do universo: o
reconhecimento de que a vida seria, por assim dizer, objectivamente desprovida
de sentido, deveria convencer-nos a deslocar a nossa procura de sentido para o
interior. O tipo de sentido da vida que importa ter em consideração é um
sentido para nós. A vida tem sentido se pudermos ocupar-nos de actividades que
achamos serem significativas; de outro modo, não.
Todos
estes filósofos partilham a ideia de que se não há nada mais vasto e mais
intrinsecamente válido do que nós próprios, algo a que nos possamos ligar de
uma forma positiva, então a vida não tem sentido pelo menos numa acepção
importante. Nisto concordam com quem tem uma ideia positiva do sentido da vida
baseada na existência de um Deus benevolente. Uma vez que também acreditam que
a condição para o sentido não pode ser encontrada, e que ainda assim devemos
viver como se a vida tivesse sentido, concluem que a vida humana é absurda. No
entanto, e tal como Joel Feinberg (1992) assinala, há uma diferença entre uma
situação absurda e uma pessoa absurda. Ao tomarmos uma atitude face ao nosso
dilema, quer desafiante quer irónica, ou uma qualquer terceira alternativa,
pelo menos podemos livrar-nos de ser ridículos.
Porém,
em termos racionais, não é claro que tenhamos que fazer até esta concessão
relativamente não pessimista ao pensamento de que a vida humana é absurda. Tal
como vimos, esta concepção assenta na ideia de que há um conflito inelutável
entre o que exigimos ou que inevitavelmente pressupomos acerca do nosso lugar
no universo e a realidade da nossa situação. Todavia, a tendência para desejar
ou insistir na nossa importância cósmica pode ser menos profunda e inevitável
do que estes filósofos pensam. Enfrentar as dificuldades da vida e tentar
realizar projectos com energia e dedicação são práticas que não precisam de ser
baseadas numa megalomania. Não é pelo menos óbvio que, quando o atleta olímpico
se esforça até ao limite na tentativa de atingir um recorde mundial, ou quando
uma mãe põe de lado o seu sono e o seu conforto para alimentar a sua criança, o
façam com base na crença de que estes feitos terão um significado cósmico.
4. Sentido subjectivo e objectivo
Embora
as discussões sobre o sentido da vida estejam muitas vezes associadas a
considerações sobre o nosso lugar no universo, também há contextos em que a
inteligibilidade do contraste entre vidas com sentido e vidas sem sentido
parece ser totalmente independente da questão cósmica.
Já
mencionámos antes a ideia de que o tipo de sentido que importa ter em
consideração é o sentido objectivo. Alguns filósofos, como David Wiggins
(1976), pensam que uma explicação totalmente subjectiva sobre o sentido não
pode fazer justiça ao uso corrente do termo. Como Wiggins assinala, a ideia de
uma distinção entre uma vida com sentido e uma vida sem sentido não é
equivalente à diferença mais óbvia e incontroversa entre uma vida que é
subjectivamente satisfatória ou enriquecedora e outra que não o é. Quando
perguntamos se as nossas vidas têm sentido não estamos a fazer algo totalmente
introspectivo, e quando procuramos uma forma de dar sentido às nossas vidas,
não estamos à procura do comprimido da felicidade. A vida de Sísifo,
perpetuamente condenado a carregar um pedregulho por um monte acima que depois
caía outra vez, tem sido caracterizada, pelo menos desde os escritos de Camus,
como um paradigma da ausência de sentido. Se imaginarmos que Sísifo encontrava
uma perversa satisfação nesta actividade repetitiva e inútil, então não é claro
se pensamos que nesse caso a sua vida tem mais sentido, ou, se pelo contrário,
é mais miserável.
Todavia,
as explicações sobre o sentido da vida não têm de ser reduzidas a alternativas
puramente subjectivas e puramente objectivas. Os paradigmas mais naturais de
vidas com sentido são tanto subjectivamente bastante enriquecedores como dignos
de admiração e válidos se julgados de pontos de vista externos aos próprios
agentes. O tipo de vida que é mais confortavelmente descrita como tendo sentido
parece ser uma vida em que há uma ligação feliz entre os interesses reais de
uma pessoa e o conjunto de coisas que são dignas de interesse. O sentido parece
emergir quando a atracção subjectiva se interliga ao que é objectivamente
atraente.
Se
este tipo de existência de sentido está relacionado com a preocupação que mais
naturalmente parece requerer uma ligação a algum desígnio divino ou cósmico, e
como, são questões de difícil determinação. Além disso, a noção de algo
“objectivamente atraente” (ou de valia ou valor objectivo), à qual esta
concepção de existência de sentido faz referência, é notoriamente controversa.
Se, no limite, esta noção é inteligível, particularmente na ausência de uma
metafísica religiosa, é algo que constitui em si uma importante questão
filosófica. No entanto, não é surpreendente que a questão do sentido da vida
derive para outras questões filosóficas importantes e a elas se ligue. Trata-se,
afinal, de um dos tópicos mais profundos e fundamentais de todo o pensamento
humano.