Por Wagner Moura
(Ator; protagonista de 'Trompa de Elite'; indicado ao Globo de Ouro pela Série 'Narcos' - Netflix)
Artistas são seres
políticos. Pergunte aos gregos, a Shakespeare, a Brecht, a Ibsen, a Shaw e
companhia -todos lhe dirão para não estranhar a participação de artistas na
política.
A natureza da arte é política pura. Numa democracia
saudável, artistas são parte fundamental de qualquer debate. No Brasil de
Michel Temer, são considerados vagabundos, vendidos, hipócritas, desprezíveis
ladrões da Lei Rouanet.
Diante de tamanha estupidez, fico pensando: por que esses
caras têm tanto medo de artistas, a ponto de ainda precisarem desqualificá-los
dessa maneira?
Faz um tempo, dei muita risada ao ver uma dessas pessoas,
que se referia com agressividade a um texto meu, dizer que todo bom ator é
sempre burro, pois sendo muito consciente de si próprio ele não conseguiria
"entrar no personagem".
Talvez essa extraordinária tese se aplicasse bem a Ronald
Reagan, rematado canastrão e deus maior da direita "let's make it great
again". De minha parte, digo que algumas das pessoas mais brilhantes que
conheci são artistas.
Esse medo manifestado pelo status quo já fez com que, ao
longo da história, artistas fossem censurados, torturados e assassinados. Os
gulags de Stálin estavam cheios de artistas; o macarthismo em Hollywood também
destruiu a vida de muitos outros. A galera incomoda.
Uma apresentadora de TV fez recentemente sua própria
lista de atores a serem proscritos. Usou uma frase atribuída a Kevin Spacey,
possivelmente dita no contexto de seu papel de presidente dos EUA na série
"House of Cards".
A frase era a seguinte: "a opinião de um artista não
vale merda nenhuma". Certo. Vale a opinião de quem mesmo? Invariavelmente
essas pessoas utilizam o chamado argumento "ad hominem" para
desqualificar os que discordam de suas opiniões.
É a clássica falácia sofista: eu não consigo destruir o
que você pensa, portanto tento destruir você pessoalmente. Um estratagema
ignóbil, mas muito eficaz, de fácil impacto retórico. Mais triste ainda tem
sido ver a criminalização da cultura e de seus mecanismos de fomento, cruciais
para o desenvolvimento do país.
Aliás, todos os projetos sérios de Brasil partiram de uma
perspectiva histórico-cultural, como os de Darcy Ribeiro, Caio Prado Jr.,
Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.
Ver o ministro da Cultura dando um ataque diante do
discurso de Raduan Nassar só faz pensar que há algo mesmo de podre no castelo
do conde Drácula. Mesmo acostumado a esse tipo de hostilidade, causou-me
espanto saber que o ataque, na semana passada, partiu de uma peça publicitária
oficial da Republica Federativa do Brasil.
Sempre estive em sintonia com a causa do MTST (Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto); fiz com eles um vídeo que tentava explicitar o
absurdo dessa proposta de reforma da Previdência.
O governo ficou incomodado e lançou outro vídeo, feito
com dinheiro público, no qual me chama de mentiroso e diz que eu fui
"contratado" - ou seja, que recebi dinheiro dos sem-teto brasileiros
para dar minha opinião.
O vídeo é tão sem noção que acabou suspenso, assim como toda a campanha
publicitária do governo em defesa da reforma da Previdência, pela Justiça do
Rio Grande do Sul.
Um governo atacar com mentiras um artista, em propaganda
oficial, é, até onde sei, inédito na história, considerando inclusive o período
da ditadura militar.
Mas o melhor é o seguinte: o vídeo do presidente não
conseguiu desmontar nenhum dos pontos levantados pelo MTST.
O ex-senador José Aníbal (PSDB) escreveu artigo em que me chama de fanfarrão e diz que a reforma só quer "combater privilégios". Devo entender, então, que o senhor e demais políticos serão também atingidos pela reforma e abrirão mão de seus muitos privilégios em prol desse combate? E o fanfarrão ainda sou eu?
Se o governo enfrentasse a sonegação das empresas, as isenções tributárias descabidas e não fosse vassalo dos credores da dívida pública, poderíamos discutir melhor o que alardeiam como rombo da Previdência.
Mas eles não querem discutir nada, nem mesmo as mudanças demográficas, um debate válido. O governo quer é votar logo a reforma, acalmar os credores, passar a conta para o trabalhador e partir para a reforma trabalhista antes que o povo se dê conta.
Tenho uma má notícia: no último dia 15, havia mais de um milhão de pessoas nas ruas do país. Parece que não é só dos artistas que eles deverão ter medo.
O ex-senador José Aníbal (PSDB) escreveu artigo em que me chama de fanfarrão e diz que a reforma só quer "combater privilégios". Devo entender, então, que o senhor e demais políticos serão também atingidos pela reforma e abrirão mão de seus muitos privilégios em prol desse combate? E o fanfarrão ainda sou eu?
Se o governo enfrentasse a sonegação das empresas, as isenções tributárias descabidas e não fosse vassalo dos credores da dívida pública, poderíamos discutir melhor o que alardeiam como rombo da Previdência.
Mas eles não querem discutir nada, nem mesmo as mudanças demográficas, um debate válido. O governo quer é votar logo a reforma, acalmar os credores, passar a conta para o trabalhador e partir para a reforma trabalhista antes que o povo se dê conta.
Tenho uma má notícia: no último dia 15, havia mais de um milhão de pessoas nas ruas do país. Parece que não é só dos artistas que eles deverão ter medo.
-------------------------------------
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/03/1868241-medo-de-artista.shtml. Título original: 'Quem tem medo de artista?'