A última operação da Polícia Federal, denominada Carne Fraca, despoletou uma divisão entre os analistas sociais independentes. Por um lado, os que enxergam na ação a influência de setores externos para desmantelar ainda mais a economia brasileira; por outro lado, os que 'dão de ombros' e se perguntam se agora têm que defender grandes empresas que ofertam carne imprópria ao consumo. A questão não pode ser posta nos termos dessa dicotomia. O texto aí abaixo, do Luis Nassif, penso, coloca o assunto em outro patamar, evidenciando uma variável que não tem sido referida no debate: a desinteligência, que, para além desse caso específico, tem permeado os "shows jurídico-policiais" no país nos últimos tempos. Uma questão de cérebro, como já tem dito o sociólogo Jessé de Souza. Nassif é mais hard, e o que aqui estou designando de desinteligência, ele chama de imbecilidade mesmo. Quando ficamos a reboque de fenômenos dessa "esfera", a situação torna-se muito preocupante. A propósito, a postagem é encerrada com um curto vídeo do linguista Noam Chamoky (em linha de continuidade com a postagem anterior) a respeito dos perigos e estragos da desinteligência na esfera pública/institucional nos Estados Unidos. Aplica-se inteiramente ao 'Brasil em transe' destes tempos que estamos a viver.
Por Luis
Nassif
A
Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, traz uma comprovação básica: o nível
de emburrecimento nacional é invencível. O senso comum definitivamente se impôs
nas discussões públicas. E não se trata apenas da atoarda que vem do Twitter e
das redes sociais. O assustador é que órgãos centrais da República – como o
Ministério Público, a Polícia Federal, o Judiciário – tornaram-se reféns do
primarismo analítico.
Como
é possível que concursos disputadíssimos tenham resultado em corporações tão
obtusamente desinformadas, a ponto de não ter a menor sensibilidade para o
chamado interesse nacional. Não estou julgando individualmente delegados ou
procuradores. Conheço alguns de alto nível. Me refiro ao comportamento dessas
forças enquanto corporação. Tome-se
o caso da Operação Carne Fraca.
A
denúncia chegou há dois anos na ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). O
delator informou que a Secretaria de Vigilância Sanitária no Paraná tinha sido
loteada para o PMDB. Levantaram-se provas de ilícitos em alguns frigoríficos.
Por
outro lado, há uma guerra fitossanitária em nível global, em torno das
exportações de alimentos. Se os delegados da Carne Fraca não fossem tão obtusos,
avaliariam as consequências desse bate-bumbo e tratariam de atuar
reservadamente, desmantelando a quadrilha, prendendo os culpados.
Mas,
não. O bate-bumbo criou uma enorme vulnerabilidade para toda a carne exportada
pelo país. Os anos de esforços gerais para livrar o país da aftosa, conquistar
novos mercados, abrir espaço para as exportações ficaram comprometidos pelo
exibicionismo irresponsável desse pessoal.
Ou
seja, havia duas formas de se atingir os mesmos resultados:
1.
Uma investigação rápida, discreta e sigilosa.
2.
O bate-bumbo de criar a maior operação da história, afim de satisfazer os jogos
de poder interno da PF.
As
duas levariam ao mesmo resultado e a primeira impediria o país de ter prejuízos
gigantescos, que pudessem afetar a vida de milhares de fornecedores, o emprego
de milhares de trabalhadores, a receita fiscal dos impostos que deixarão de ser
pagos pela redução das vendas – e que garantem o salário do Brasil improdutivo,
de procuradores e delegados.
Qual
das duas estratégias seria mais benéfica para o país? A primeira,
evidentemente.
No
entanto, o pensamento monofásico que acomete o país, não apenas entre
palpiteiros de rede social, mas entre delegados de polícia, procuradores da
República, jornalistas imbecilizados é resumido na frase-padrão de Twitter: se
você está criticando a Carne Fraca, então você é a favor de vender carne podre.
Podre
se tornou a inteligência nacional quando perdeu o controle de duas corporações
de Estado – MPF e PF – permitindo que fossem subjugadas pelo senso comum mais
comezinho. E criou uma geração pusilânime de donos de veículos de mídia, incapazes
de trazer um mínimo de racionalidade a essa barafunda, permitindo o desmonte do
país pela incapacidade de afrontar o senso comum de seus leitores.
Veja
bem, não se está falando de capacidade analítica de entender os jogos
internacionais de poder, a geopolítica, o interesse nacional, as sutilezas dos
sistemas de apoio às empresas nacionais. A questão em jogo é muito mais
simples: é saber discernir entre uma operação discreta e outra que afeta a
imagem do Brasil no comércio mundial.
No
entanto, essa imbecilidade, de que a destruição das empresas brasileiras
contaminadas pela corrupção, permitirá que viceje uma economia mais saudável, é
recorrente nesse reino dos imbecis. E se descobre que a estultice da massa é
compartilhada até por altos funcionários públicos, regiamente remunerados, que
se vangloriam de cursos e mais cursos aqui e no exterior. O sujeito diz
asneiras desse naipe com ar de sábio, reflexivo. E é saudado por um zurrar
unânime da mídia.
Discuti
muito com uma antiga amiga, quando mostrava os impactos dessas ações nos
chamados interesses nacionais e via mão externa, e ela rebatia com conhecimento
de causa: não são conspiradores, são primários.
Imbecil
é o país que se desarma completamente, Judiciário, mídia, organizações que se
jactam de ter Escolas de Magistratura, de Ministério Público, de Polícia
Federal, permitindo mergulhar na mais completa ignorância institucional.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/a-carne-fraca-e-o-reino-dos-imbecis. Título original: 'A Carne é Fraca e o Reino dos Imbecis'.