"Mas quando, depois de
acariciar os rafeiros no pátio, desembocávamos da alameda de plátanos, e diante
de nós se dividiam matutinamente, mais brancos entre o verde matutino, os
caminhos coleantes da quinta [fazenda], toda a sua pressa findava, e penetrava
na Natureza com a reverente lentidão de quem penetra num templo. E
repetidamente sustentava ser ‘contrário à Estética, à Filosofia, e à Religião
andar depressa através dos campos’. De resto, com aquela sutil sensibilidade que
nele se desenvolvera, e incessantemente se afinava, qualquer breve beleza, do
ar ou da terra, lhe bastava para um longo encanto. Ditosamente poderia ele
entreter toda uma manhã, caminhar por entre um pinheiral, de tronco a tronco,
calado, embebido no silêncio, na frescura, no resinoso aroma, empurrando com o
pé as agulhas e as pinhas secas. Qualquer água corrente o retinha, enternecido
naquela serviçal atividade, que se apressa, cantando, para o torrão que tem
sede, e nele se some, e se perde. E recordo ainda quando me reteve meio domingo,
junto a um velho curral desmantelado, sob uma grande árvore - só porque em
torno havia quietação, doce aragem, um fino piar de ave na ramaria, um murmúrio
de regato entre canas verdes, e por sobre a sebe, ao lado, um perfume, muito
fino e muito fresco, de flores escondidas.”
(Eça de Queirós, in A cidade e as serras. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006)
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