Por Tiago Eurico de Lacerda (PUC-PR)
A recente obra de Jelson Oliveira, A solidão como virtude moral em Nietzsche, nos apresenta uma ousada perspectiva de
leitura do filósofo alemão. O próprio Nietzsche adverte que “quem sabe respirar
o ar de meus escritos sabe que é um ar da altitude, um ar forte” (EH, Prólogo
3, grifo do autor). Por isso é preciso um
preparo, perspicácia para adentrar na essência de suas obras e compreender de
que água ele bebe – o que Oliveira fez com maestria e clareza ao tratar o tema
da solidão como uma virtude, algo que
em nossa sociedade não se encontra nos mesmos parâmetros. O livro está estruturado em três capítulos
que tratam da temática da solidão como uma virtude a partir do pensamento de
Nietzsche. A leitura atenta e lenta de cada capítulo da obra leva-nos a compreender
a análoga forma de apresentar o que é socialmente aceito e valorizado
e o que realmente é um valor que leva o homem à altura, à liberdade e, por isso,
à necessidade da solidão para se purificar de conceitos errôneos que distanciam
o homem de sua própria natureza. Podemos extrair essas ideias já da introdução
do livro, em que o autor apresenta as interpretações engendradas pelo filósofo
alemão, o qual percebe a história do Ocidente como mergulhada numa experiência
niilista, cuja exigência última seria a criação de novas bases para a moral,
entendida como o caminho para a afirmação do homem. É em meio a essa problemática
que se insere o tema da solidão como uma crítica ao processo de rebaixamento do
homem ocidental e caminho para a elevação do humano a novos patamares morais.
No primeiro capítulo do livro, intitulado “A solidão como
desengajamento moral”, o autor explicita a diferença entre a solidão que acentua
a distância física das outras pessoas e aquela que ele chama de “desengajamento
moral”. Nessa visão, percebe-se uma rara capacidade de aprofundamento em si
mesmo, para perceber os males da vida gregária que não dá espaço para a
singularidade, mas massifica o humano, anulando-o e privando-o daquilo que faz
parte de sua própria natureza.
As relações sociais produzem uma “contaminação”, por não darem
oportunidade para cada indivíduo experimentar a si mesmo, reproduzindo o que
lhe é exigido à custa de coerções.
Em meio às multidões gregárias, a moral toma o homem como um objeto que
precisa ser melhorado, cuja emersão se deu a partir de um erro da razão que viu
essa necessidade no humano. O resultado da negação da solidão é a exigência do
adestramento. Adestrado, aquilo que o homem via como o seu próprio passou a ser tido como indigno, levando-o a
enojar-se de si mesmo e mergulhar cada vez mais na moral para buscar um
melhoramento – que não acontece e, com isso, somente prolonga-se a doença.
Por isso Oliveira, com o título desse capítulo, pretende mostrar o
desengajamento, a libertação do humano das garras dessa moral que leva à
massificação do rebanho. A solidão é a chave para a afirmação de si. Ela rompe
com a idealização provocada pela moral para dar espaço aos impulsos vitais e
fazer o humano retomar em si o pensar, o sentir e o querer, que a moral havia apagado em nome da implantação
de um processo de negação do “eu”.
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Fonte: Extratos da recensão publicada em Estudos Nietzsche, Curitiba, v. 1, n. 2, jul./dez. de 2010