Um periódico de divulgação científica pede-me um pequeno artigo recenseando estudos que fazem previsões sobre tsunamis no Nordeste do Brasil, em decorrência de uma erupção do vulcão Cumbre Vieja, localizado nas Ilhas Canárias. Para tanto, beneficie-me sobremaneira dos dados e informações dos trabalhos de Simon Day e Steven Ward, a exemplo dos textos 'Recent
structural evolution of the Cumbre Vieja volcano, La Palma, Canary Islands:
volcanic rift zone reconfiguration as a precursor to volcano flank instability?' (Journal of Volcanology and Geothermal Research, 94, 1999,
135–167) e 'Cumbre Vieja Volcano; potential collapse and tsunami at La
Palma, Canary Islands' (Geophys. Res. Lett. 28-17, 3397-3400). De resto, por uma questão de registro e de reconhecimento acadêmico, mas também (e principalmente) de honestidade intelectual, cabe referir que, na Paraíba, foi o Professor da UFPB Paulo Rosas (in memoriam) o pioneiro nos alertas sobre a possibilidade de eventuais tsunamis atingirem o litoral do estado, não estando então 'João Pessoa em berço esplêndido'. O artigo chega por aqui primeiro, e segue aí abaixo.
Por Ivonaldo Leite
Registra
a história dos estudos ambientais que quando, na década de 1990, pesquisadores
como Simon Day (University of California) e Steven Ward (University College
London) publicaram seus papers alertando
para a possibilidade de uma catástrofe futura decorrente da erupção do furação Cumbre Vieja, localizado nas espanholas
Ilhas Canárias, foram muitos os que, mesmo na comunidade científica, desvalorizaram os resultados realçados por seus trabalhos.
Day
e Ward sinalizavam um cenário de proporções internacionais, no mínimo,
preocupante. Formularam a hipótese
segundo a qual uma futura erupção do Cubre
Vieja fará com que a sua metade ocidental (em torno de 500 km³, com uma massa de cerca de 1,5 x
1015 kg) colapse catastroficamente em um grande deslizamento gravitacional,
adentrando no Oceano Atlântico, e gerando uma megatsunami. Os destroços continuariam a viajar como um fluxo de
detritos ao longo do leito do oceano.
A modelagem computacional permitiu inferir que
daí resultaria uma onda inicial que poderia atingir uma amplitude local
(altura) acima dos 600 metros, viajando a cerca de 1000 km por hora (velocidade
aproximada de um avião a jato), inundando o litoral da África Ocidental em
torno de uma hora depois, o litoral sul do Reino Unido em 3,5 horas e chegando
ao continente americano entre seis e oito horas. A hipótese de Day e Ward
sugere que, em princípio, até 25 km do interior dos continentes seriam tomados
pela água. Tratar-se-ia, portanto, de uma megatsunami global, ceifando vidas e
causando destruição numa escala inimaginável.
Estudos posteriores estimaram que eventos de colapso
lateral em estratovulcões, similar à ameaça representada pelo flanco ocidental
do Cumbre Vieja, poderiam aumentar em
decorrência dos efeitos físicos do aquecimento global sobre a terra, aumentando
também a frequência das erupções. Esse aspecto, na medida em que se afigure
como fático, evidentemente faz com que os riscos em torno das “manifestações”
do Cumbre Vieja deixem de ser atribuídos à inerência da própria natureza. A precipitação
de eventos deverá então ser correlacionada a uma variável externa, isto é, à
ação humana.
Na época (década de 1990), a reação dos críticos
a perspectivas como as sustentadas pelos trabalhos de Simon Day e Stven Ward
pode ser referida, parece, como inconsistente, e provavelmente continuam a
sê-lo. Afirma-se, por exemplo, que os resultados dos trabalhos dos dois pesquisadores
eram apenas ‘simulações de computador’, desconsiderando-se, contudo, o acerto
dessas simulações em casos como o ciclone que atingiu a costa sul do Brasil em
2004, causando grande destruição no estado de Santa Catarina com ventos de
cerca de 180 km.
Seja como for, mais recentemente, o geofísico Nazli
Ismail (Departamento de Física da Universidade Syiah Kuala, de Banda
Aceh, Indonésia) não só reiterou os resultados dos papers de Day e Ward como chamou a atenção para a possibilidade de
tsunami atingir o litoral do Nordeste brasileiro, com forte incidência em
estados como a Paraíba.
Parece
ser despropositado ignorar por completo o significado de tais alertas, que não
são meras simulações de computador, mas sim resultados de pesquisa com forte
base empírica. A exemplo de cidades como Valparíso, no Chile, que convivem com
a ameaça de tsunamis, era de se esperar que cidades nordestinas, como João
Pessoa, tivessem um forte sistema de monitoramento e planos de emergência para
uma eventual necessidade de evacuação da população, além de desenvolverem um consistente programa de educação ambiental para manter a população devidamente consciente da situação. Um programa cientificamente orientado, que não seja tão-somente uma seleção de informações superficiais, tal qual ocorre em determinadas atividades ditas de 'sensibilização ambiental'. Afinal, o caso pessoense é
paradigmático: na ocorrência de um evento da referida magnitude, a cidade tem, no básico, apenas uma via de saída, que é a BR 230, já que
a 101 margeia o Atlântico.
Tratar
desse tema com a racionalidade devida é uma condição imprescindível para evitar
a disseminação de falsas informações e, em última instância, a propagação do
pânico. Isso não significa, contudo, ignorar a dimensão dos riscos.
Do
filme ‘O Impossível’, baseado na história real de uma família que é apanhada
pela tsunami de 2004 na Tailândia - enquanto lá passava férias -, pode-se tirar uma
ilação que deveria servir de axioma em face da crise ambiental que ameaça o
planeta: a vida humana é quase nada diante da “fúria” da natureza.