sexta-feira, 17 de abril de 2015

Operação Lava Jato: entre investigação e espetáculo


Comecemos com Shakespeare, em Hamlet: 'Há algo de podre no Reino da Dinamarca'. Ou melhor, nos corredores dos poderes executivo, legislativo e judiciário, e que vai além da corrupção investigada pela Operação Lava Jato. Com a cumplicidade da grande mídia, tem a ver com a dinâmica da própria investigação. Anote aí o seguinte: 

1) Toma-se conhecimento agora que existe uma disputa por protagonismo no comando da Operação, entre procuradores e delgados da polícia federal,  o que levou a suspensão de depoimentos que estavam agendados. A disputa por protagonismo implica, por exemplo, na decisão sobre quem aparece mais na televisão e concede entrevista.  A coisa nivela-se então a show, espetáculo. 

2) Também aparecem incautos comparando a Operação Lava Jato com a Operação Mãos Limpas, na Itália. Para dizer tamanha asneira, é provável que na vida nunca tenham lido, por completo, uns três livros, e muito menos sobre a vida política italiana. 

3) A banalização da 'Delação Premiada'. Que "peculiar" situação, não? Virou moda: o grande criminoso é apanhado no delito, faz um acordo, devolve um produto do butim e (talvez até para limpar a sua barra) começa a apontar o dedo a outros supostos infratores. Não recebe a pena que, a rigor, deveria lhe ser aplicada, e sai 'livre, leve e solto'. 

4) Foi uma coincidência e tanto a prisão de João Vacari Neto ter sido efetuada exatamente no mesmo dia em que estavam programados protestos contro o Projeto da Terceirização, protestos que - por sua matriz político-ideológica - se diferenciam das manifestações do último dia 12. Isso, sabe-se agora, apesar do fato de a solicitação da prisão de Vacari já ter sido feita há alguns dias. Com a detenção ocorrendo no dia 15, os protestos foram deslocados da pauta da mídia e não tiveram a repercussão proporcional ao quantitativo de pessoas que foram às ruas. 

5) Causa, no mínimo, estranheza que o escândalo das contas do HSBC/Suíça e do CARF/Receita Federal (somando valores superiores ao do caso Petrobras), envolvendo grandes grupos econômicos, empresas de comunicação e personalidades da mídia, estejam fora de foco. 

Que a corrupção deve ser combatida impiedosamente, doa em que doer, é um imperativo do qual não se pode abrir mão. Mas isso é muito diferente de transformar as instâncias da justiça em palco para espetáculos e desfile de vaidades individuais. Ou instrumentalizar as suas ações em função de propósitos políticos. D resto, temos de ouvir/assistir o brado dos novos "vestais da ética" defendendo a "moralização" política da democracia brasileira; dentre eles, José Agripino (acusado de receber propina no RN) e Ronaldo Caiado (também acusado de ser beneficiário do esquema de Carlos Cachoeira em Goiás). Durma-se com o barulho dessa turma! Aí abaixo, um texto do jornalista Miguel Rosário na mesma perspectiva que estou a realçar. 


Por Miguel do Rosário

Agora entendo porque os procuradores da Lava Jato e o juiz Sergio Moro “pediram à mídia” para pressionar as instâncias superiores do Judiciário.
O espetáculo não pode parar. E tem de ser rápido, para confundir a opinião pública, produzindo um clima de caos.
A mídia sempre gostou de coisas rápidas e confusas, que ela controla em função das enormes equipes que só ela consegue mobilizar para manter o controle sobre esse tipo de narrativa.
As redes sociais, apesar de grandes e múltiplas (e justamente por serem tão múltiplas), e a sociedade civil, reagem atônitas e lentamente a esse tipo de escândalo. Não tendo um comando centralizado, precisam digerir as acusações, tentando separar o que é sério, o que é exagerado, o que é falso, o que é misturado indevidamente.
Depois de paralisarem as construtoras e firmas de engenharia que prestam serviços a Petrobrás, a “força-tarefa” formada por mídia, Moro e procuradores agora avançam sobre as maiores produtoras de vídeo do país.
E aí vazam, sem critério nenhum, planilhas de pagamentos, sigilos bancários, fiscais e telefônicos.
Moro mandou quebrar o sigilo de todos, mandou prender um monte de gente provisoriamente.
No Estadão, destaca-se o pagamento de R$ 200 mil da JBS à uma empresa dos irmãos Vargas. Uma coisa que não tem nada a ver com a Lava Jato.
Escondida no último parágrafo da matéria, encontramos a informação da JBS, afirmando que o depósito se deu por serviços prestados e a declaração do próprio juiz, que admite não ser “possível afirmar por ora que [os depósitos] eram destituídos de causa lícita”.
Não interessa. O espetáculo está dado.
Culpado ou não culpado, a condenação já está feita na mídia.
Mais uma vez, vemos um julgamento se dar inteiramente na imprensa.
Juiz comenta casos na mídia, sem respeitar minimamente a discrição que deveria guardar sobre o caso, e age notoriamente ao lado da acusação, sem demonstrar a mínima preocupação em salvaguardar direitos.
Quebrando sigilos indiscriminadamente, claro que o juiz e os procuradores encontrarão irregularidades.
Descobrirão mil tretas, muitas sem nenhuma ligação entre si.
Tretas que, ao invés de serem investigadas separadamente, são usadas para formar a teoria política que interessa à mídia naquele momento.
Os valores de notas fiscais e serviços prestados (ou não) são lançados na mídia com estardalhaço, ao lado de teses de acusação ainda sem nenhuma base concreta.
Empresários conhecidos na praça, que nunca demonstraram qualquer contrariedade em prestar depoimentos, recebem mandados de “condução coercitiva” para depor na PF. Isso quando não são presos sumariamente, sem ao menos acesso às acusações que se lhes fazem.
E tudo feito sob os holofotes histéricos da mesma imprensa que passou a convocar “manifestações de rua”.


Em outro momento, e por muito menos, quando a mídia não tinha domínio da narrativa, e, sobretudo, quando as operações não eram conduzidas por um juiz “premiado pela Globo”, ergueu-se na imprensa um grande clamor contra o Estado Policial.

Gilmar Mendes, ministro do STF, dava entrevistas diárias contra isso, e até hoje não se explica o “grampo sem áudio”, uma acusação feita por Mendes e Demóstenes Torres que serviu de base para demitir o então diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda.
Hoje a mídia assumiu o controle. O procurador que chefia a força-tarefa da Lava Jato vai almoçar na Folha. Outro afirma que a mídia precisa pressionar o Judiciário a julgar a toque de caixa.
Qual o preço dessa irresponsável promiscuidade entre Ministério Público e mídia?
Qual o objetivo?

Montar conspiratas políticas e espetáculo midiáticos?
Subsidiar uma narrativa cuja sinopse já foi previamente escrita?
A luta contra a corrupção, naturalmente, é essencial, mas o que dizer de operações anticorrupção manipuladas politicamente, feitas sem critério, investigando indiscriminadamente, quebrando sigilos de maneira generalizada, prendendo indivíduos muito antes de qualquer condenação?
Pior, prendendo gente que não representa nenhum perigo à sociedade, nem oferece qualquer obstáculo às investigações, apenas para oferecer um sacrifício humano à malta excitada?
Enquanto isso, na Operação Zelotes, o mesmo Judiciário nega sistematicamente todos pedidos de prisão temporária. Não se prende ninguém sequer por um dia. Já na Lava Jato, prisões “temporárias” duram seis meses.
Na força-tarefa criada pelo Ministério Público, para cuidar da operação Zelotes, os procuradores não podem se dedicar com exclusividade.
O juiz da Zelotes não ganha prêmio da Globo.
Sergio Moro já escreveu que admira a Operações Mãos Limpas, que resultou numa Itália destruída politicamente, com partidos criminalizados, um país entregue à extrema-dreita de Berlusconi, que controlava a mídia e, portanto, conseguiu se manter incólume das acusações.

Uma Itália que emergiu ainda mais corrupta do que antes
Entretanto, ninguém lembra do mais importante: os traumas provocados pelos desmandos da Mãos Limpas fizeram a Itália debater e aprovar uma lei que responsabiliza juízes e promotores que extrapolam suas funções.
O Conjur, site especializado em debates jurídicos, também alertou, recentemente, para o perigo dessas delações premiadas.
A entrega do prêmio Faz Diferença, da Globo, ao juiz Sergio Moro, já indicou que o caminho a seguir deve ser o mesmo das Mãos Limpas.
Não deveríamos ao menos aprender com os erros cometidos pelos italianos, debatendo o que eles fazem hoje para se salvaguardarem contra histerias judiciais?
Afinal, quem vigia os vigias?
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Fonte: http://www.ocafezinho.com/



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