segunda-feira, 13 de abril de 2015

As manifestações, a sombra do vento e o labirinto do 'Estado Ampliado'




Por Ivonaldo Leite 

As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar (José Saramago) 

Livro do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón, ‘ A Sombra do Vento’ é uma narrativa que, em Barcelona, parte da tristeza de Daniel Sempere – está completando onze anos e já não mais lembra do rosto da falecida mãe. Como presente, seu pai lhe leva a um misterioso lugar no centro histórico da cidade, o assim chamado Cemitério dos Livros Esquecidos – uma biblioteca labiríntica de obras abandonadas, onde Sempere tem acesso a um exemplar de ‘A Sombra do Vento’, livro desconhecido que, inexplicavelmente, vem tendo exemplares seus queimados. Trata-se de um livro arrebatador sobre o poder da cultura e a tragédia do esquecimento.
Pois bem, a lembrança da obra de Zafón me vem à mente ao ver/avaliar as manifestações de ontem (12/04), bem como ao ver as notícias hoje (13/04) a respeito das mesmas, assim como determinadas análises. Falta-me tempo para desenvolver uma abordagem detalhada, conforme algumas mensagens me pedem. De modo que deixo minha a apreciação em forma de notas, nos seguintes termos:

1) O que ficou à vista: foram manifestações claramente com menor participação do que as do dia 15 de março – apesar do apoio da grande mídia. Diante do fato, esta lança mão de outros artifícios retóricos para revalorizar os protestos e mantê-los na ordem do dia. Novamente, chamou a atenção em São Paulo a dificuldade da polícia militar com a matemática: registrou a participação no protesto na casa de quase 300 mil pessoas. O Datafolha apontou duas vezes menos: cerca de 100 mil.

2) A redução do número de participantes nas manifestações, contudo, está longe de ser uma vitória para o governo. Um alívio momentâneo, talvez. Continua no canto do ringue.

3) De toda forma, com o cenário de ontem, parece ter-se iniciado uma tendência de refluxo nas manifestações antigoverno. O que, por outro lado, significa dizer que a propensão é que fique mais na ativa o bloco orgânico claramente de direita, com os seus diversos segmentos: defensores da volta da ditadura militar, da ruptura da constitucionalidade/impeachment e posições fascistas. E assim manifestações, em menor ou maior escala, continuarão a acontecer, porque, nesse caso, o que esse bloco pretende, no médio e longo prazos, é golpear o próprio ideário de Esquerda. Não é resultado da casualidade, por exemplo, que, em face da ameaça de um retrocesso histórico para os trabalhadores, com o Projeto de Lei da Terceirização, as manifestações de ontem tenham se mantido em silêncio sobre o tema. 

4) Por fim, um equívoco de abordagem de alguns analistas, aqui na Paraíba inclusive – apesar de se colocarem sob uma perspectiva de análise pertinente e acertando em outras questões centrais. Diz respeito ao modo como o conceito de Estado Ampliado (assim como o de ‘autonomia relativa do político’)  é inserido na discussão, ao se enxergar uma ‘abertura de espaço para crescimento da Esquerda’. Um dos equívocos básicos: sociologicamente, apanha sob o mesmo patamar questões que têm estatutos teóricos diferentes, muito referentes, repiso. Ora, a não ser que se fique numa dialética das abstrações, dois fatos não podem ser negligenciados: a) complexidade da formação social brasileira, onde os esquemas teórico-analíticos, pensados à europeia, nem sempre se adéquam; 2) não tem nada a ver nivelar a valorização de uma pauta econômica de mobilização, centrada no trabalho (como no caso da terceirização), com uma disjuntiva em relação à ampliação do Estado ou à autonomia relativa do político.
Ao que parece, a sombra do vento, no caso da Direita, leva ao 'esquecimento delituoso', como a ocultação de crimes cometidos por ditaduras; em relação a determinadas análises situadas no campo da Esquerda, pode levar ao encurtamento de entendimento. Então tomba-se no "labirinto" da análise do Estado.





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