Por Ivonaldo Leite
As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar (José Saramago)
As coisas que parecem ter passado são as que nunca acabam de passar (José Saramago)
Livro
do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón, ‘ A Sombra do Vento’ é uma narrativa que,
em Barcelona, parte da tristeza de Daniel Sempere – está completando onze anos
e já não mais lembra do rosto da falecida mãe. Como presente, seu pai lhe leva
a um misterioso lugar no centro histórico da cidade, o assim chamado Cemitério dos Livros Esquecidos – uma biblioteca
labiríntica de obras abandonadas, onde Sempere tem acesso a um exemplar de ‘A Sombra do Vento’, livro desconhecido que, inexplicavelmente, vem tendo exemplares seus queimados. Trata-se de
um livro arrebatador sobre o poder da cultura e a tragédia do esquecimento.
Pois
bem, a lembrança da obra de Zafón me vem à mente ao ver/avaliar as
manifestações de ontem (12/04), bem como ao ver as notícias hoje (13/04) a
respeito das mesmas, assim como determinadas análises. Falta-me tempo para desenvolver uma abordagem detalhada, conforme algumas mensagens me pedem. De modo que
deixo minha a apreciação em forma de notas, nos seguintes termos:
1) O
que ficou à vista: foram manifestações claramente com menor participação do que
as do dia 15 de março – apesar do apoio da grande mídia. Diante do fato, esta
lança mão de outros artifícios retóricos para revalorizar os protestos e
mantê-los na ordem do dia. Novamente, chamou a atenção em São Paulo a
dificuldade da polícia militar com a matemática: registrou a participação no
protesto na casa de quase 300 mil pessoas. O Datafolha apontou duas vezes
menos: cerca de 100 mil.
2) A
redução do número de participantes nas manifestações, contudo, está longe de ser
uma vitória para o governo. Um alívio momentâneo, talvez. Continua no canto do
ringue.
3)
De toda forma, com o cenário de ontem, parece ter-se iniciado uma tendência de
refluxo nas manifestações antigoverno. O que, por outro lado, significa dizer
que a propensão é que fique mais na ativa o bloco orgânico claramente de
direita, com os seus diversos segmentos: defensores da volta da ditadura
militar, da ruptura da constitucionalidade/impeachment e posições fascistas. E
assim manifestações, em menor ou maior escala, continuarão a acontecer, porque,
nesse caso, o que esse bloco pretende, no médio e longo prazos, é golpear o próprio ideário de Esquerda. Não é resultado da casualidade, por exemplo, que, em
face da ameaça de um retrocesso histórico para os trabalhadores, com o Projeto
de Lei da Terceirização, as manifestações de ontem tenham se mantido em
silêncio sobre o tema.
4)
Por fim, um equívoco de abordagem de alguns analistas, aqui na Paraíba
inclusive – apesar de se colocarem sob uma perspectiva de análise pertinente e
acertando em outras questões centrais. Diz respeito ao modo como o conceito de
Estado Ampliado (assim como o de ‘autonomia relativa do político’) é inserido na discussão, ao se enxergar uma ‘abertura
de espaço para crescimento da Esquerda’. Um dos equívocos básicos:
sociologicamente, apanha sob o mesmo patamar questões que têm estatutos
teóricos diferentes, muito referentes, repiso. Ora, a não ser que se fique numa
dialética das abstrações, dois fatos não podem ser negligenciados: a)
complexidade da formação social brasileira, onde os esquemas
teórico-analíticos, pensados à europeia, nem sempre se adéquam; 2) não tem nada
a ver nivelar a valorização de uma pauta econômica de mobilização, centrada no
trabalho (como no caso da terceirização), com uma disjuntiva em relação à
ampliação do Estado ou à autonomia relativa do político.
Ao
que parece, a sombra do vento, no
caso da Direita, leva ao 'esquecimento delituoso', como a ocultação de crimes cometidos por ditaduras; em relação a determinadas análises situadas
no campo da Esquerda, pode levar ao encurtamento de entendimento. Então
tomba-se no "labirinto" da análise do Estado.
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