Por Martha Rosenberg
Muito antes da internet e da publicidade direta ao
consumidor, a profissão médica tentava tranquilizar as pessoas sobre suas
preocupações de saúde. Claro, fadiga e dores de cabeça poderiam ser sintomas de
um tumor cerebral; certo, tosse poderia ser um sintoma de câncer de pulmão. Mas
a maioria dos médicos tentava atenuar o medo – ao invés de semeá-lo. Lembra-se
do “tome duas aspirinas e me ligue pela manhã?”.
Projetemos isso para os “guias de sintomas” online
de hoje, testes para ver se você tem uma determinada doença e exortações para
que vá a seu médico, mesmo que se sinta bem. Desde que a indústria farmacêutica
descobriu que medo de doenças e até a hipocondria vendem drogas, as novas
doenças, sintomas e riscos com que as pessoas precisam se preocupar parecem não
ter fim.
Vender sintomas para pessoas sugestionáveis tem
sido uma mina de ouro para as grandes transnacionais farmacêuticas desde que
começaram a fazer propaganda diretamente ao consumidor, no final dos anos 1990.
Graças a tal marketing, que na verdade “vende” doenças para construir a
demanda, milhões de pessoas que já estiveram muito bem têm agora alergias de
estação, Gerd (Doença do refluxo gastresofágico), distúrbio de atenção,
distúrbio de dor e outras “doenças”.
Não se trata de ignorar sofrimento legítimo. Mas
para muita gente, a relação com os medicamentos prescritos é melhor expressa na
camiseta que diz “Tomo aspirina para a dor de cabeça causada pelo Zyrtec, que
uso contra a rinite alérgica que adquiri com o Relenza para a dor de estômago
da Ritalina que eu tomo para o déficit de atenção causado pelo Scopoderm, que
uso para o enjôo que me dá o Lomotil, que tomo para a diarréia causada pelo
Xenical que tomo para perder o peso ganho com o Paxil que tomo para a ansiedade
que me dá o Zocor, que uso para o colesterol alto, porque praticar exercício,
boa dieta e tratamento quiroprático regularmente dão muito trabalho” (uma
camiseta que nem pode ser vestida por gente que usa números pequenos…)
Eis algumas das estratégias que a indústria
farmacêutica usa para manter o público comprando drogas.
Medo de envelhecer e perder o apetite
sexual – As terapias de de reposição hormonal (TRH), que
milhões de mulheres fizeram até cerca de dez anos atrás, eram oficialmente
vendidas para acabar com as ondas de calor e manter os ossos fortes. Mas,
extraoficialmente, eram difundidas como um modo de manter-se jovem e sexy.
Anúncios publicitários de terapia de reposição hormonal precoce diziam às
mulheres que elas tinham “sobrevivido aos seus ovários” e não se mantinham à
altura de seus maridos, que queriam mulheres com aparência mais jovem. Quando
se descobriu que TRH aumentava o risco de ataque do coração e câncer (“sentimos
muito por isso”), as drogas para fortalecer os ossos assumiram o papel de
portadoras de mensagem da indústria farmacêutica (“não fique velha!”) para as
mulheres. Agora a indústria está dizendo aos homens que eles também necessitam
de terapia de reposição hormonal para sua “baixa testosterona” e para manter
sua potência sexual. A TRH masculina não parece mais segura que a feminina.
Medo de sintomas que parecem benignos
– Antigamente, pessoas com azia tomavam Eno, Alka
Seltzer ou Sonrisal e juravam não comer muito. Não se preocupavam se tinham
refluxo gastresofágico (Gerd), estavam a caminho de um câncer do esôfago; nem
tomavam inibidores de bomba de prótons para o resto de suas vidas. Da mesma
forma, embora a depressão possa causar um sofrimento inimaginável, é também
verdade que a tristeza ocasional – a dor causada por problemas no casamento, na
família, no trabalho, pela situação financeira ou mesmo a perda de alguém amado
– faz parte da vida. Mas o marketing das grandes farmacêuticas
sugere que você deveria ir correndo ao médico, no instante que sentir-se mal; e
se pendurar em “pílulas da felicidade” por uma década ou mais. Claro que o
grande sucesso da indústria ao produzir medo em torno de sintomas benignos está
convencendo pais e professores de que crianças saudáveis e muito ativas estão
sofrendo de ADHD (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).
Medo de novas doenças – Quem se lembra da Síndrome do Atraso das Fases do Sono, ou da Síndrome
das 24 Horas em dormir, diagnosticadas para pessoas que provavelmente não
dormiam suficientemente? Doenças obscuras sobre as quais a indústria
farmacêutica “aumenta o alerta” não são inventadas – mas elas são tão raras que
não seriam jamais tratadas em publicidade, a menos que a indústria estivesse
tentando criar “demanda” para medicamentos caros – inclusive porque não há
exame de sangue ou de laboratório confirmando um diagnóstico. Há pouco, a
AbbVie, uma empresa farmacêutica norte-americana, lançou duas campanhas,
promovendo drogas de alto custo, para convencer pessoas com dor nas costas que
eles tinham espondilite anquilosante; as pessoas com diarreia de que tinham
insuficiência pancreática exócrina, replete de sites ajudando-as a discernir que
têm a doença por seus sintomas. Será que as pessoas com sintomas ou doenças
realmente precisam que a indústria farmacêutica lhes diga quando ir ao médico e
o que elas têm?
Medo de que seus filhos não sejam
normais – O ADHD (“transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade”) não é a única receita da indústria farmacêutica para
medicamentar e monetizar a infância. As birras são agora chamadas “Transtornos
de Humor”. Graças à “psicofarmacologia pediátrica”, as crianças estão cada vez
mais diagnosticadas com transtorno desafiador opositivo (DDO), manias mistas,
fobias sociais, distúrbios bipolares, transtornos de conduta, depressão e
transtornos do “espectro”. Por que a indústria gosta de crianças? Crianças são
pacientes submissos que farão o que seus pais, professores e médicos mandarem,
diz o ex-promotor de vendas da indústria farmacêutica Gwen Olsen, autor de Confessions of
an Rx Drug Pusher [“Confissões de um Vendedor de Drogas”].
Eles são os “tipos de paciente ideal porque representam prescrição contínua,
obediente e longeva. “Em outras palavras, eles vão ser pacientes ao longo da
vida e renovar o estoque de clientes para a indústria. Não é exagero. Além
disso, além de consumirem drogas pesadas e desnecessárias, muitas crianças
apresentarão reações que exigirão mais drogas, para tratar dos efeitos
colaterais.
Medo de que sua droga deixe de
produzir efeitos – Desde que as grandes
indústrias farmacêuticas descobriram que era fácil acrescentar mais drogas a
uma droga original — seja para crianças ou pessoas com doenças mentais –,
começou a era das drogas “agregadas” e das condições “resistentes a
tratamento”. Seu remédio pode não funcionar, dizem novas campanhas do Alility
ou Seroquel, porque você precisa de uma segunda droga para ativar a primeira e
torná-la mais efetiva. A redefinição da depressão, para vender medicamentos,
foi particularmente furtiva. Médicos financiados pela indústria reclassificaram
a doença como uma condição para a vida toda, que requer uso permanente de
drogas. E há mais! Quase sem evidência médica alguma, a depressão foi
considerada “progressiva” — o que, é claro, ampliou seu potencial de produzir
medo. “À medida que o número de grandes episódios depressivos aumenta, o risco
de episódios subsequentes é previsível”, alertava um artigo denominado “Neurobiology
of Depression: Major Depressive Disorder as a Progressive Illness”
[“Neurobiologia da Depressão: o Grande Distúrbio Depressivo como Doença
Progressiva”], publicado no site médico Medscape, e ladeado por anúncios do
antidepressivo Pristiq.
Medo de doenças silenciosas – E se você não apresentar sintomas e estiver se sentindo bem? Isso não
significa que você não sofre de condições silenciosas, que podem estar
ameaçando sua saída sem que você saiba. Nenhuma pílula, na história, foi tão
bem sucedida como a estatina Lipitor, com sua campanha de TV “Know Your
Numbers” [“Conheça seus Números”] e o medo crescente de ataques cardíacos
relacionados ao colesterol. Milhões de pessoas usam estatinas para proteger
contra o medo de doenças cardíacas silenciosas, embora recentemente, em alguns
estudos, o colesterol tenha sido excluído,
como risco central de doença cardíaca (ainda bem que a patente do Lipitor
expirou…). Também as campanhas da indústria farmacêutica que amedrontam as
mulheres sobre perda silenciosa de ossos venderam drogas anti-oesteosporose
como Fosamax, Boniva e Prolia, ao convencerem mulheres que algum dia, sem
nenhum aviso, seus ossos em processo de enfraquecimento irão se partir. A
previsão era verdadeira, com um pequeno detalhe: algumas das mulheres cujos ossos estalaram estavam
usando drogas anti-osteosporose, cujos efeitos colaterais passaram a incluir
fraturas!
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Fonte: http://outraspalavras.net/blog/
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