Jean-Paul Sartre: as faces do existencialismo e a solidão |
Por Diogo Ramos Coelho (Diplomata)
Saí de casa aos 18 anos.
Desde então, encontro em mim mesmo a principal companhia para compartilhar
dores, amores, aflições e angústias. Estar solto, só, independente, livre,
andarilho compõe um antigo sonho de autonomia, tão nutrido na adolescência, tão
almejado e fantasiado. Mas esse sonho, já pude ver, descontrói-se também numa
busca forçada pelo autoconhecimento. Andar sozinho pela vida requer conviver
consigo – e, para o terrível temor de muitos, com a solidão.
Meus amigos, livros e alguns filmes ressaltavam que o melhor
que eu poderia conquistar seria a independência. Após a primeira dentição,
comecei a nutrir essa certeza. Saí logo de casa e fui estudar nos desertos do
Planalto Central. Percorri outras paisagens. Viajei. E aquela certeza acabou por
se reverter de dúvidas. Em distintos momentos, veio o medo: do desespero, do
isolamento, da decepção. E receios: de não conseguir compartilhar a rotina; de
ter que viver uma vida apenas introspectiva. Veio esse medo de eu ser a única
referência para a minha felicidade. Será que eu serei suficiente para mim
mesmo?, perguntava. E será que esse sonho de autonomia significa, afinal,
renunciar a muito mais do que eu estaria disposto?
Como bom solitário, fui procurar respostas – e alívio – em
algumas leituras. Me deparei, primeiro, com uma ode à solidão. Para André
Comte-Sponville, filósofo francês, a solidão não pode ser traduzida por
isolamento, por falta de relações, amigos, amores – o que seria um estado
anormal para o homem e que resultaria quase sempre em sofrimento e dor. A
solidão seria, sim, o estado natural – sendo a condição ou “o preço” por ser si
mesmo. A co-presença revelaria que o ser humano, ao procurar o outro, busca a
si mesmo, pois o que se quer é o espelho, o reflexo.
Michel de Montaigne, lá pelo século 16, considerava a solidão
um refúgio para alcançar o descanso, a saúde, a alegria – enfim, a liberdade. O
apego à vida pública, ao outro – pessoa ou coisa – não poderia significar uma
submissão tal que cause sofrimento no momento em que se faça necessário o
desprendimento, tendo em vista que “a maior coisa do mundo é saber pertencer a
si mesmo”.
Homens e mulheres deveriam, por esses motivos, buscar
alcançar a solidão libertadora. Só com ela estaríamos aptos a alcançar também a
autossuficiência. Montaigne diz que “temos uma alma que pode se recurvar em si
mesma; ela pode se fazer companhia; tem como atacar e como defender, como
receber e como dar; não tenhamos receio de que nessa solidão nos estagnemos em
tediosa ociosidade”.
A verdadeira liberdade seria, enfim, um ato puramente
interior: deveríamos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar
sozinhos até no meio da multidão. A solidão seria o destino da liberdade?
Talvez. Da perspectiva de quem já a experimentou com intensidade, deixo
registrado: a solidão mostra o original, a beleza ousada e surpreendente, a
poesia. E mostra também o avesso, o desproporcionado, o absurdo e o ilícito. É
a beleza e a angústia de conhecer a si – e de mergulhar em pensamentos e sentimentos,
dos mais ousados aos mais obscuros.
Mas cabe perguntar: qual seria o seu oposto? O que é o mundo
examinado, praticado e vivido a partir de dois e não de um? O que é o mundo
examinado, praticado e vivido a partir da diferença e não a partir da própria
identidade? Penso que é o amor. Mas o amor que extrapola o amor por si – e que
mergulha no outro e o integra completamente à sua vida. Quando o amor por outra
pessoa surge, nós perdemos uma identidade e ganhamos outra. Saímos do casulo
escuro do ego e renunciamos à independência. Para entender realmente o amor,
não podemos apenas descrevê-lo como um estado de excitação física, mas sim como
algo completamente diferente: como uma atitude exigente e um compromisso com o
outro ante a si mesmo.
Entre todas as breves leituras sobre o assunto – que me
acompanharam por algumas noites solitárias em terras estrangeiras –, acho que
quem melhor resumiu essa bifurcação entre solidão e amor foi Vinícius – o de
Moraes:
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a
dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a
participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo,
no absoluto de si mesmo,
o
que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O
maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da
mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo
reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete.
Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio
de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua
fria e desolada torre.
Para aqueles que sonham com uma vida andarilha e autônoma,
deixo meus votos para que a solidão os sirva de companhia. Que tenham a coragem
de se enfrentar. Que saibam ficar com o nada
e, mesmo assim, sentirem-se
como se estivessem plenos de tudo. O amor é também composto,
afinal, pela capacidade de dar de presente ao outro a própria solidão. Pois é a
coisa mais última que se pode dar de si.
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Fonte: http://caiobraz.com.br/
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