Se você, de quando em quando, dar uma vista de olhos no Jornal da Cultura, possivelmente já se deparou com algum comentário de Luiz Felipe Pondé. Pernambucano de ascendência judaica, tendo estudado medicina e depois migrado para filosofia, realizando os seus últimos estudos na Universidade de Tel Aviv/Israel, Pondé é portador de um pensamento controverso e um intelectual, como se diz na 'terra dos altos coqueiros', sem 'papas na língua'. Ao mesmo tempo, a meu ver, um exemplo de como uma determinada indolência intelectual e infantilismo político (de direita e de esquerda) precisam ler, estudar mais, para entender as facetas do que vem a ser o termo conservador. Em geral, no Brasil, já dizia Sérgio Buarque de Holanda, existem mais atrasados, não conservadores, no sentido programático-ideológico (pergunte a alguns desses que andam por aí aos brados contra Marx se leram Edmund Burke). Para comprovar que o que existe mesmo é atraso, basta que se olhe as composições das alianças políticas ou se analise, a fundo, a relação dos autoproclamados "conservadores" com o Estado. Pois bem, Pondé, que se situa numa matriz conservadora, publicou na edição de hoje (20/04/2015) da Folha de São Paulo um texto que é de fazer o 'obscurantismo religioso' ranger os dentes. Gira em torno da existência, da natureza das coisas, da liberdade, do prazer e da relação homem/mulher (com uma peculiar observação ao sexo masculino). Reproduzo-o a seguir.
Por Luiz Feipe Pondé
Em nosso mundo, não há natureza das coisas,
entende-se que tudo seja uma construção social.
Delírio puro. Prefiro
os antigos, justamente por perceberem que são os limites que nos humanizam, e
não o desejo sem limites.
Os inteligentinhos
dirão coisas como "conservador!". Mas a vida segue, o mundo se
acabará um dia, e os inteligentinhos dirão, em seu último grito de agonia,
"opressão!".
Mas não quero falar
de política, que trato apenas como quem lida com uma ferida para que ela não se
infeccione em demasia.
Quero falar de
epicurismo. Não a ideia banal de epicurista como alguém que vai muito ao
shopping ou come todas as gostosas do mundo (o sonho de qualquer cara normal).
Falo do epicurismo antigo, do filósofo grego Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.). De
Lucrécio (cerca de 96 a.C. - cerca de 55 a.C.), filósofo latino, autor do poema
"Da Natureza das Coisas".
Para ambos, a
natureza da realidade é ser contingente. Isso quer dizer que "o fundo da
realidade" é o acaso (que é a mesma coisa que contingência em filosofia).
Esse acaso é o
movimento livre e sem ordem dos átomos. Portanto, tanto Epicuro quanto Lucrécio
eram atomistas, o que é a mesma coisa de dizer que eram materialistas. A alma,
esse "ar", se perde no momento da morte.
Como dizia Epicuro,
quando eu estou, a morte não está, quando ela está, não estou. Ou seja: não há
o que temer na morte porque ela é uma libertação da eterna contingência que
move um destino cego. E a melhor coisa nisso é que a "consciência"
desaparece.
Essa ideia me parece
insuperável como liberdade. Ter a pedra como destino é meu sonho de eternidade.
Sendo assim, morreu,
acabou. Muita gente teme uma possibilidade como essa.
Eu tendo a achá-la
sedutora principalmente quando suspeito que viver para sempre seria como ser
obrigado a beber água para sempre, mesmo tendo passado a sede.
Vejo beleza nisso
tudo. A contingência liberta, mas não no sentido moderninho de que por isso
podemos nos "inventar" ao bel prazer. Isso é coisa de
"teenager".
Mas, justamente o
contrário: meu desejo também é contingente, como tudo mais. Dar asas a ele é
ter fé de que eu, diferentemente do resto do universo, não sou também feito à
semelhança do acaso.
Só os iniciantes
confiam em si próprios. Meu desejo é a porta de entrada por onde a contingência
se instala do seio da minha alma.
Não, a beleza está no
que os antigos epicuristas viam nessa condição: sem deuses, sem eternidade,
fruto do acaso, essa é a natureza das coisas, ser cega.
O prazer de Epicuro
era justamente o de escapar da escravidão do desejo, não essa ideia
contemporânea de que viver a realização contínua do desejo é a felicidade.
A concepção
contemporânea de felicidade é brega, coisa de gente que se emociona quando um
novo shopping é aberto na cidade.
Lucrécio entendia que
a cegueira da natureza é a natureza das coisas.
É dela não carregar
sentido em si mesma, e por isso é tão importante: porque me lembra
continuamente que a vaidade e as expectativas, com o tempo, se tornam um
tormento.
Não é totalmente
absurdo escutarmos aqui o sábio israelita, também antigo, que escreveu o
"Eclesiastes" (Velho Testamento): "vaidade, tudo é
vaidade".
A grande questão é
como se sustenta uma vida feliz decorrente dessa natureza das coisas. Podemos
dizer que decorre, antes de tudo, do "relaxamento" do desejo que a
consciência da contingência traz: a sabedoria da natureza é ela ser puro átomo
e não uma lei.
Não há
"missão" na vida. Viver segundo os prazeres do trabalho, da mesa e do
corpo da mulher é tudo que podemos fazer. O puro prazer de existir.
Sem excessos, do
contrário, nos tornamos escravos do trabalho, da mesa e do corpo da mulher.
Não porque uma
danação eterna nos espera (ninguém nos vigia), mas porque o excesso do desejo
destrói seu próprio usufruto na medida em que nos desesperamos com a possível
falta do objeto desse desejo.
Dito de forma
simples: não queira pegar todas as mulheres do mundo, mas cuide bem daquelas
que, por graça da contingência, vierem a sua cama.
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