segunda-feira, 20 de abril de 2015

'Cafés pensantes'

Historicamente, é quase indissociável a relação entre cafés literatura, filosofia, pensamento, enfim. Diz o meu amigo Ronaldo Fonseca (leiam do seu punho Marxismo e Globalização) que, nos tempos áureos de Paris, por vezes, ocorria de se acostar em mesas do Café de Flore, onde Sartre praticamente viveu, para ouvir as discussões do filósofo existencialista com os seus amigos - terá sido no Café de Flore  que veio a lume o Ser e o Nada. Da minha parte, não aprecio a bebida (café), mas o ambiente dos cafés, isto sim, desde sempre. Tenho os meus preferidos, dentre eles o Âncora do D'ouro, no Porto, ou simplesmente O Piolho, como é mais conhecido.  Manhãs e tardes inteiras entre livros e escrita. O pulsar literário. Bom, mas, por João Pessoa mesmo, vale uma visita ao Café Poético, onde, dos livros que estão dependurados na parede, pode-se pegar um, sentar e ler ou mesmo escrever - e, claro, consumir alguma coisa da diversidade constante do cardápio, além da opção de vários cafés, para os apreciadores. Vai aí abaixo o texto de João Correia Filho lembrando os 'cafés pensantes'. 


Por João Correia Filho

Certa vez, o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) disse: “Trabalhávamos de nove da manhã até o meio-dia, quando saíamos para almoçar. Às duas estávamos de volta e ficávamos de prosa com os amigos até as quatro da tarde, quando voltávamos a trabalhar até às oito. Depois do jantar as pessoas vinham nos ver, com hora marcada.”
Um desavisado poderia pensar que o local a que se refere Sartre era a sua casa, ou seu escritório, mas não. O filósofo existencialista, que influenciou a cultura do século [19]20, referia-se ao Café de Flore, um pequeno estabelecimento localizado no bairro parisiense de Saint-Germain-de-Prés, com mais de mais de 100 anos de história.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Café de Flore serviu como “escritório” para o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre.
Não é de hoje que uma das imagens clássicas de Paris é a dos cafés com varandas espalhadas nas calçadas. Eles são uma instituição francesa, um espelho do modo de viver do parisiense, e guardam mais de 300 anos da memória da cidade que foi o centro cultural do mundo por séculos. Muitas das reflexões, teorias e idiossincrasias que mudaram a vida moderna nasceram sob o teto desses estabelecimentos charmosos, onde é servida essa bebida energizante que acelerou a roda da história – café.
Entre eles, destaca-se logo o Le Procope, inaugurado em 1673 e considerado o primeiro café do mundo. Ele foi o quartel-general de intelectuais como o dramaturgo Molière (1622-1673), o renomado e irônico escritor e pensador Voltaire (1694-1778) e o filósofo iluminista Denis Diderot (1713-1784). Todos eram vistos com frequência no Le Procope, que se orgulha de manter os salões e a decoração que marcaram época.
Para homenagear os antigos clientes, cada sala apresenta nas paredes uma frase discretamente estampada, que destaca pensamentos emblemáticos. Na entrada da Sala Voltaire vê-se em francês: “Qu’est-ce que c’est la tolérance? C’est l’apanage de l’humanité” (O que é a tolerância? É o atributo da humanidade), máxima do escritor. Foi com a pregação da tolerância, da liberdade religiosa e do livre comércio que Voltaire influenciou o mundo. Muitos dos seus pensamentos podem ter nascido nas mesas do Le Procope (...).
Um dos grandes destaques era o Café de La Paix, fundado em 1862 e que funciona até hoje defronte à Opéra Garnier, a mais importante casa de ópera da França. Hoje, ali se misturam parisienses, artistas e turistas, mas esse também já foi o local predileto de celebridades como Émile Zola (1840-1902), autor do livro Germinal, um dos grandes clássicos da literatura universal, lançador do movimento literário do Naturalismo. Em Germinal, Zola descreveu com realismo e crueza as condições de trabalhadores nas minas de carvão da França e preparou o mundo para mais mudanças na literatura e na história (...).
Nas mesas do La Rotonde, Lênin discutia os problemas do mundo, durante horas, e tramava a revolução russa de 1917.
Nesse ínterim, muita coisa havia mudado. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Montparnasse tornou-se não só reduto de artistas, mas de exilados, de filósofos e de um monte de gente envolvida nas reviravoltas da história. São dessa época cafés como o La Rotonde e o Le Dôme, que tiveram como fregueses assíduos Vladimir Lênin (1870- 1924) e Leon Trotsky (1879-1940), revolucionários russos que passavam horas discutindo os problemas do mundo (...).
Por volta de 1920, nasceram o La Coupole e o La Closserie de Lilás, cafés que abrigaram os ideais de jovens escritores que iam a Paris em busca de reconhecimento. Entre eles, estava o norte-americano Ernest Hemingway (1889-1961). Muitos procuraram a inspiração e a efervescência de Paris, como o irlandês James Joyce (1882-1941) e três norte-americanos, o escritor Scott Fitzgerald (1896- 1940), o poeta e crítico literário Ezra Pound (1885-1972) e o cineasta Orson Welles (1915-1985).
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Fonte: http://revistaplaneta.terra.com.br/


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