segunda-feira, 27 de abril de 2015

Déficit de atenção, pensamento acelerado e as implicações para a convivência

Dentre os temas emergentes que a ciência social terá de enfrentar nos próximos tempos, uma diz respeito, por certo, as implicações que a questão do déficit de atenção e da síndrome do pensamento acelerado acarretam para a vida em sociedade, para a interação e as relações sociais.  Na sociedade de risco em que vivemos, para usar aqui a expressão do sociólogo alemão Ulrich Beck, a problemática associada ao déficit de atenção e ao pensamento acelerado tem se acentuado em todas as faixas etárias da população. As razões para isso são diversas, sendo uma delas o papel das tecnologias (ou o modo como muitas vezes elas são concebidas/utilizadas). O certo é que já são muitos os desencontros no plano da sociabilidade decorrentes da referida problemática, área esta central, como sabemos, na esfera da reflexão sociológica. São cada mais comuns o registro de situações em que, numa conversa (ou tentativa de), um dos interlocutores não absorve nada da argumentação do outro, por causa da incapacidade de concentração, reforçada pela aceleração do pensamento, para logo contrapor-se, contestar o que foi dito com a apresentação de uma réplica. No reverso da medalha também está a precipitação, as conclusões apressadas. Aí já se sabe o que ocorre: adeus racionalidade. Sociabilidade truncada. Reproduzo a seguir uma entrevista sobre tal problemática com Mario Louzã, coordenador do Projeto de Déficit de Atenção do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. 

Entrevista conduzida por Drauzio Varella (disponibilizada em: http://drauziovarella.com.br/)

Meu filho não para quieto nem para comer. Desde o instante em que se levanta até a hora em que vai dormir, anda de um lado para o outro, pula, sobe nos móveis, derruba as cadeiras que encontra pelo caminho, corre pela casa. Seu quarto é um verdadeiro caos. Espalha roupas e objetos, mesmo aqueles que não está usando no momento, revira as gavetas, não fecha as portas dos armários.
No colégio, então, é um terror. Sua agitação incomoda os colegas e prejudica os relacionamentos. A desatenção e a inquietude interferem também no rendimento escolar. Não termina as lições, comete erros grosseiros nos exercícios e redações, esquece conteúdos que dominava satisfatoriamente um dia antes, rasga a folha da prova de tantas vezes que apaga as respostas.
Geralmente, essas queixas caracterizam os portadores do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), uma doença que acomete as crianças, mas que pode prosseguir pela a vida adulta, comprometendo o desempenho profissional, familiar e afetivo dessas pessoas.

Sintomas e diagnóstico
Drauzio – Em geral, as crianças são travessas e desatentas. Como se estabelece o limite entre a desatenção e inquietude próprias da idade e o comportamento potencialmente patológico?
Mario Louzã – À medida que a criança vai crescendo, aumenta o nível de exigência sobre ela. No entanto, o típico é o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ficar evidente quando ela vai para a escola. Normalmente, a criança consegue permanecer sentada na carteira da sala de aula, prestar atenção no que a professora fala, tomar nota, fazer exercícios e aprender as lições. A hiperativa, no entanto, com déficit de atenção não para quieta e comete erros por distração. Muitas vezes, fica evidente que ela sabe a matéria, mas não acerta as repostas, porque está distraída.
Existem casos mais leves da doença que eventualmente podem ser contornados apenas com medidas pedagógicas e há os mais graves que exigem tratamento medicamentoso.
Drauzio – Quem percebe primeiro o problema? Os pais em casa ou a professora na escola?
Mario Louzã – Para fazer o diagnóstico de déficit de atenção e hiperatividade, os sintomas precisam manifestar-se em dois ambientes distintos. Em geral, eles ocorrem em casa e na escola. A mãe, que geralmente acompanha a criança nos deveres de casa, percebe a agitação e a demora para fazer as tarefas. A professora nota o mesmo comportamento na escola. Por isso, pais e professores são bons informantes para ajudar o médico que observa a criança no consultório.
Drauzio – O déficit de atenção sempre começa na infância ou pode instalar-se mais tardiamente?
Mario Louzã – Por definição, a criança já nasce com a doença, tanto que para fazer o diagnóstico em outras fases da vida é preciso investigar como foi a evolução da enfermidade na infância.
O TDAH jamais se inicia quando o indivíduo é adulto. Ao contrário. Em geral, evolui com melhora dos sintomas, tanto que até alguns anos atrás acreditava-se que desaparecia com o crescimento. Hoje se sabe que, apesar de diminuírem o número e a intensidade dos sintomas nos adolescentes e adultos, parte das crianças continua com o problema por toda a vida e apresenta as dificuldades decorrentes da doença.
É importante lembrar que, quando se fala hiperatividade, estamos nos referido a dois sintomas agregados: a hiperatividade propriamente dita e a impulsividade.
Drauzio – Você poderia explicar o que isso significa?
Mario Louzã – Basicamente na criança, a hiperatividade está ligada à motricidade, aos movimentos. É a criança agitada, que não para quieta um segundo sequer, com o bicho carpinteiro, como dizem as pessoas. Já a impulsividade se caracteriza pelo agir sem pensar. Crianças hiperativas se machucam mais, sofrem mais acidentes, porque são intempestivas. Não têm paciência nenhuma, interrompem quem está falando, intrometem-se na conversa alheia. Esse é um sintoma que se manifesta também nos adolescentes e adultos.
Drauzio – Vocês falam déficit de atenção/hiperatividade. Essas duas coisas estão sempre associadas?
Mario Louzã – A síndrome tem esses dois sintomas básicos. Pode predominar um deles, mas em boa parte dos casos tanto o déficit de atenção quanto a hiperatividade estão presentes.

TDAH nos adultos
Drauzio – Você recebe um adulto que se queixa de ser muito distraído e que isso está atrapalhando sua vida. No entanto, o problema passou despercebido na infância e adolescência. Como você encaminha o diagnóstico nesse caso?
Mario Louzã – Essa é uma situação bastante comum. Há pessoas com déficit de atenção e hiperatividade que passam a vida toda sem terem sido diagnosticadas. Dá para imaginar quantos obstáculos precisaram vencer para chegar à universidade, por exemplo?
Na verdade, as queixas dos adultos são as mesmas das crianças: distração, dificuldade para concentrar-se, baixo rendimento no trabalho, impulsividade. Agem sem pensar e depois se arrependem do que fizeram.
O primeiro passo para o diagnóstico nessa faixa de idade é levantar uma história e tentar obter o máximo possível de dados sobre a infância da pessoa. É importante saber se, na escola, a professora reclamava de sua indisciplina, se era desorganizada, apresentava lições mal feitas, tinha os cadernos soltos, bagunçados e o material em desordem.
Nem sempre é fácil conseguir tais informações. Às vezes, a própria pessoa não tem lembrança clara de como eram as coisas. Uma saída é recorrer a informantes que lhe sejam próximos. Se os pais estão vivos, podem ser fonte importante de consulta.
Para o diagnóstico, levam-se em conta também as queixas atuais: o trabalho que não rende, a dificuldade para concentrar-se na leitura de um texto mais longo ou realizar as tarefas do dia a dia, o incômodo por ficar sentada numa reunião mais prolongada ou monótona, a dificuldade para assistir a uma aula na faculdade ou a um curso que exija concentração e permanência numa posição constante. Tudo isso somado ao fato de que se esquece dos compromissos e de pagar as contas. Delinear esse conjunto de dados possibilita reconhecer um quadro de déficit de atenção e hiperatividade no adulto.
Drauzio – Esses dados que você citou são queixas que se ouvem muito no mundo moderno. As pessoas reclamam que não rendem no trabalho, não se concentram porque os estímulos são muitos e não têm paciência para reuniões prolongadas. Como profissional, o que lhe permite estabelecer a diferença entre o comportamento que resulta das atribulações da vida e o que é realmente patológico?
Mario Louzã – Existem de fato alguns casos que estão no limite entre o que seria, digamos, o esperado para a população adulta no momento e o patológico que exige tratamento. Vale destacar que, no adulto, a dificuldade e as queixas vêm da infância. Mais velho, quando o quadro da doença é bem definido, ele se compara com seus pares e percebe que os colegas fazem o mesmo trabalho na metade do tempo, não esquecem a maioria dos compromissos, não atrasam. Já ele é um atrasado contumaz, um desorganizado. A conta está em cima da mesa, mas ele se esquece de levá-la e perde o prazo do pagamento. Não são coisas que acontecem de vez em quando. Acontecem sempre e passam a sensação de fracasso constante, de rendimento inferior à real capacidade de produzir.

Papel da genética
Drauzio – Há maior concentração de casos desse transtorno em determinadas famílias?
Mario Louzã – A genética tem papel importante na incidência do TDAH, embora sozinha não seja suficiente para explicar a doença. Quando se rastreia a família de um paciente, é muito comum encontrar outros casos de déficit de atenção e hiperatividade. Às vezes, enquanto fazemos o diagnóstico de uma criança, os pais percebem que também foram ou são portadores daqueles sintomas e os prejuízos que podem ter causado em suas vidas.
Drauzio – Além da genética, quais são os outros fatores implicados?
Mario Louzã – Os fatores ambientais são menos conhecidos. Imagina-se serem fatores que atuem de alguma forma no sistema nervoso central, no cérebro, na fase de desenvolvimento embrionário ou talvez no início da vida. No entanto, eles não foram claramente definidos.
Drauzio – É possível estabelecer algum tipo de alteração morfológica no cérebro associada ao TDAH?
Mario Louzã – Existem trabalhos que mostram diferenças em áreas do cérebro nas crianças com TDAH, se comparadas com um grupo de crianças sem a doença. Entretanto, é importante salientar que o diagnóstico é eminentemente clínico, baseado nas queixas da pessoa e em sua história de vida. Exames radiológicos, raios X, tomografia ou eletroencefalograma (exame pedido com muita frequência) não ajudam a esclarecer o diagnóstico, seja em crianças, seja em adultos.

Associação com outras doenças
Drauzio – O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade pode estar associado a outros distúrbios psiquiátricos como depressão ou transtorno bipolar?
Mario Louzã – Pode. É típico do TDAH estar associado a outras doenças qualquer que seja a faixa de idade do paciente. Nas crianças, além da ansiedade, aparecem os transtornos de conduta que não decorrem só da distração. São dificuldades de aprendizado específicas como dislexia (dificuldade para compreender o que lê), disgrafia (dificuldade para escrever), discalculia (dificuldade para fazer cálculos).
Nos adolescentes, o problema maior é a tendência ao abuso de drogas. Não existe uma explicação clara para o fato. Os estudos mostram, porém, que a partir da adolescência o uso de drogas nos portadores de TDAH é mais frequente, se comparados com os indivíduos sadios.
Drauzio – Algum tipo específico de droga?
Mario Louzã – Não existe especificidade. A tendência é ao abuso de drogas em geral.
Drauzio – Imaginei que talvez a maconha fosse a droga de predileção desses pacientes, porque a cocaína os deixaria mais agitados ainda.
Mario Louzã – Por estranho que pareça, o consumo de cocaína é comum entre eles. Sob a ação da droga, ficam mais atentos, mais concentrados. Aí, entra um aspecto interessante dessa doença. Os estimulantes diminuem a hiperatividade e a desatenção tanto que o tratamento é feito com uma medicação que contenha esse tipo de substância.

Tratamento
Drauzio – Você recebe um adulto muito agitado, com dificuldade de concentração, baixo rendimento no trabalho e a cabeça girando com múltiplos problemas. Ele conta que isso acontece desde a infância. Qual o primeiro passo para dar início ao tratamento?
Mario Louzã – Fechado o diagnóstico de TDAH, é preciso examinar se não existem outras doenças associadas. Nos adultos, as mais frequentes são ansiedade e depressão e o tratamento vai depender de como esses fatores combinam.
Nessa faixa de idade, o tratamento medicamentoso associado à abordagem psicoterápica ajuda a controlar a doença. O mais comum é prescrever psicoestimulantes (no Brasil há um único medicamento com essa característica) e alguns antidepressivos.
Na infância, o tratamento é mais complexo e envolve frequentemente equipe multidisciplinar, pois requer também a aplicação de medidas pedagógicas e comportamentais.
Drauzio – A medicação é usada por quanto tempo?
Mario Louzã – Se o paciente é uma criança, o ideal é acompanhar a evolução do caso para ver se há melhora com o crescimento. Estudos mostram que até a idade adulta os sintomas diminuem e que, em metade dos portadores de TDAH, desaparecem espontaneamente. Se persistirem no adulto, provavelmente o quadro estará estabilizado.
Como não faz muito tempo que os adultos portadores de TDAH estão sendo estudados, temos pouca informação de como evoluem até os 70 ou 80 anos. No entanto, a hipótese é que os sintomas continuam sempre os mesmos por toda a vida. Desse modo, pode-se afirmar que o tratamento deve ser mantido indefinidamente.
Drauzio – Os medicamentos disponíveis para TDAH provocam efeitos colaterais?
Mario Louzã – De maneira geral, os efeitos colaterais são leves e ocorrem no início do tratamento. Depois, o organismo se ajusta e é boa a tolerância aos medicamentos.
Drauzio – O paciente nota logo os efeitos benéficos dos medicamentos?
Mario Louzã – Isso depende do medicamento que está sendo usado. Geralmente, em algumas semanas, o paciente percebe melhora na atenção e na capacidade de ficar sentado. Percebe que passou a produzir melhor no trabalho e a não cometer os erros que cometia antes. TDAH é uma doença psiquiátrica cujo tratamento dá resultados bastante satisfatórios nas crianças, adolescentes e adultos.
Drauzio – Não parece paradoxal tratar uma pessoa hiperativa com remédios psicoestimulantes?
Mario Louzã – Soa paradoxal, mas atende ao que se supõe ser o mecanismo da doença: a falta de uma ação inibitória do sistema nervoso central sobre algumas áreas. Portanto, quando se estimula a inibição, aumenta o controle da atenção, da atividade motora e da impulsividade.
Drauzio – Você disse que o tratamento envolve uso de medicamentos e psicoterapia. Qual é o objetivo da psicoterapia nesses casos?
Mario Louzã – Nos adultos, a psicoterapia não visa exatamente à doença, mas à pessoa que tem déficit de atenção e hiperatividade. O que acontece frequentemente é que sua história de vida é marcada por insucessos acumulados ao longo dos anos. São falhas no dia a dia, mau desempenho escolar, repetência, suspensões. Depois, vêm problemas no trabalho e na organização das atividades. A longo prazo, isso gera um sentimento de fracasso muito grande, faz cair a autoestima e pode trazer dificuldades para lidar com situações emocionais.

Incidência nos dois sexos
Drauzio – Como é a distribuição da doença entre os gêneros, ou seja, entre homens e mulheres?
Mario Louzã – Pode-se dizer que, na infância, há prevalência dos meninos sobre as meninas. No entanto há os que discutem essa afirmação, alegando que TDAH fica mais evidente nos meninos, porque eles são naturalmente mais hiperativos e incomodam mais do que as garotas. Argumentam, ainda, que elas tendem mais à distração, sem apresentar o componente da hiperatividade. Desse modo, nelas, o risco de que o problema passe despercebido é maior.
O fato é que estudos epidemiológicos feitos em clínicas que recebem esses pacientes revelam a prevalência um pouco maior da doença nos meninos. Quando chega a idade adulta, porém, a incidência de TDAH é aparentemente igual nos dois sexos.

Considerações finais
Drauzio – Que dicas você dá aos portadores de TDAH?
Mario Louzã – Muitas vezes, as pessoas não reconhecem suas falhas de atenção como uma doença passível de tratamento. Elas as incorporam como características de personalidade, como seu jeitão de ser.  Admitir que possam ser sintomas de uma doença é o primeiro passo para buscar ajuda e tratamento e contornar o problema.
Além disso, é fundamental criar estratégias para compensar a desorganização natural e a falta de atenção dessas pessoas. Quanto mais rotineiras e sistemáticas forem, melhor será seu desempenho nas diferentes áreas.
De modo geral, os adultos com déficit de atenção e hiperatividade já desenvolveram algumas técnicas para lidar com as próprias dificuldades. Como sabem que são distraídos, anotam com cuidado os compromissos na agenda, criam hábitos como deixar os objetos sempre no mesmo lugar e estabelecem determinadas rotinas na vida.
Em relação às crianças, desenvolver essas atitudes comportamentais irá ajudá-las a organizar-se melhor. Outra dica importante é reconhecer os danos à autoestima que a doença provocou e procurar uma abordagem psicológica.


'Jardim vazio'

"He must have been a gardener that cared a lot,
Who weeded out the tears and grew a good crop.
And now it all looks strange.
It's funny how one insect can damage so much grain"(Elton John - Empty Garden) 



domingo, 26 de abril de 2015

Injustiça

Já que nada do que é humano é estranho. 

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A solidão como ato de liberdade


Jean-Paul Sartre: as faces do existencialismo e a solidão 


Por Diogo Ramos Coelho (Diplomata) 

Saí de casa aos 18 anos. Desde então, encontro em mim mesmo a principal companhia para compartilhar dores, amores, aflições e angústias. Estar solto, só, independente, livre, andarilho compõe um antigo sonho de autonomia, tão nutrido na adolescência, tão almejado e fantasiado. Mas esse sonho, já pude ver, descontrói-se também numa busca forçada pelo autoconhecimento. Andar sozinho pela vida requer conviver consigo – e, para o terrível temor de muitos, com a solidão.
Meus amigos, livros e alguns filmes ressaltavam que o melhor que eu poderia conquistar seria a independência. Após a primeira dentição, comecei a nutrir essa certeza. Saí logo de casa e fui estudar nos desertos do Planalto Central. Percorri outras paisagens. Viajei. E aquela certeza acabou por se reverter de dúvidas. Em distintos momentos, veio o medo: do desespero, do isolamento, da decepção. E receios: de não conseguir compartilhar a rotina; de ter que viver uma vida apenas introspectiva. Veio esse medo de eu ser a única referência para a minha felicidade. Será que eu serei suficiente para mim mesmo?, perguntava. E será que esse sonho de autonomia significa, afinal, renunciar a muito mais do que eu estaria disposto?
Como bom solitário, fui procurar respostas – e alívio – em algumas leituras. Me deparei, primeiro, com uma ode à solidão. Para André Comte-Sponville, filósofo francês, a solidão não pode ser traduzida por isolamento, por falta de relações, amigos, amores – o que seria um estado anormal para o homem e que resultaria quase sempre em sofrimento e dor. A solidão seria, sim, o estado natural – sendo a condição ou “o preço” por ser si mesmo. A co-presença revelaria que o ser humano, ao procurar o outro, busca a si mesmo, pois o que se quer é o espelho, o reflexo.

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Michel de Montaigne, lá pelo século 16, considerava a solidão um refúgio para alcançar o descanso, a saúde, a alegria – enfim, a liberdade. O apego à vida pública, ao outro – pessoa ou coisa – não poderia significar uma submissão tal que cause sofrimento no momento em que se faça necessário o desprendimento, tendo em vista que “a maior coisa do mundo é saber pertencer a si mesmo”.
Homens e mulheres deveriam, por esses motivos, buscar alcançar a solidão libertadora. Só com ela estaríamos aptos a alcançar também a autossuficiência. Montaigne diz que “temos uma alma que pode se recurvar em si mesma; ela pode se fazer companhia; tem como atacar e como defender, como receber e como dar; não tenhamos receio de que nessa solidão nos estagnemos em tediosa ociosidade”.
A verdadeira liberdade seria, enfim, um ato puramente interior: deveríamos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar sozinhos até no meio da multidão. A solidão seria o destino da liberdade? Talvez. Da perspectiva de quem já a experimentou com intensidade, deixo registrado: a solidão mostra o original, a beleza ousada e surpreendente, a poesia. E mostra também o avesso, o desproporcionado, o absurdo e o ilícito. É a beleza e a angústia de conhecer a si – e de mergulhar em pensamentos e sentimentos, dos mais ousados aos mais obscuros.
Mas cabe perguntar: qual seria o seu oposto? O que é o mundo examinado, praticado e vivido a partir de dois e não de um? O que é o mundo examinado, praticado e vivido a partir da diferença e não a partir da própria identidade? Penso que é o amor. Mas o amor que extrapola o amor por si – e que mergulha no outro e o integra completamente à sua vida. Quando o amor por outra pessoa surge, nós perdemos uma identidade e ganhamos outra. Saímos do casulo escuro do ego e renunciamos à independência. Para entender realmente o amor, não podemos apenas descrevê-lo como um estado de excitação física, mas sim como algo completamente diferente: como uma atitude exigente e um compromisso com o outro ante a si mesmo.
Entre todas as breves leituras sobre o assunto – que me acompanharam por algumas noites solitárias em terras estrangeiras –, acho que quem melhor resumiu essa bifurcação entre solidão e amor foi Vinícius – o de Moraes:
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Para aqueles que sonham com uma vida andarilha e autônoma, deixo meus votos para que a solidão os sirva de companhia. Que tenham a coragem de se enfrentar. Que saibam ficar com o nadae, mesmo assim, sentirem-se como se estivessem plenos de tudo. O amor é também composto, afinal, pela capacidade de dar de presente ao outro a própria solidão. Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.
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Fonte: http://caiobraz.com.br/


sábado, 25 de abril de 2015

Romantismo Revolucionário: Cantares de Abril


‘Cantares da Revolução dos Cravos’ - Saudações ao  25 de Abril Lusitano! Ou como se dizia em outros tempos, na boa e gloriosa escola do 'MovEst', saudações a quem tem coragem! Com Zeca Afonso, Grândola, Vila Morena"À sombra duma azinheira/Que já não sabia a idade/Jurei ter por companheira/Grândola a tua vontade"



sexta-feira, 24 de abril de 2015

'Amor Líquido'

Download Amor Liquido  -  Zygmunt Bauman  em ePUB mobi e pdf

O polonês Zygmunt Bauman é, por certo, um dos mais argutos cientistas sociais contemporâneos. Tem uma característica rara, para os padrões da análise social atual, mas que, ao mesmo tempo, faz falta ao trabalho analítico, qual seja: a sua impecável capacidade de fazer macro e micro análises da vida social, entrelaçando as abordagens sobre ambas. Isto permite-lhe tratar de temas que, sobretudo em nossa realidade, salvo poucas exceções, têm sido deslocados da agenda da ciência social. 'Amor Líquido', por exemplo, é uma das obras de Bauman onde ele faz essa articulação entre o macro e o micro, para assinalar, entre outras coisas, que a 'modernidade líquida', em que vivemos, traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos. Perante um mundo confuso e propenso a mudar com rapidez, o livro, em si, faz-nos um alerta: tanto as relações amorosas e familiares estão a ser prejudicadas como também a nossa capacidade de tratar um estranho com humanidade. Vale a leitura. E uma boa notícia, está disponível para download aqui: https://www.academia.edu/3640893/Bauman_Zygmunt_-_Amor_Liquido_PDF 

A 'pouca sorte' dos professores



Por Ivonaldo Leite
‘Pessoas de pouca sorte’, é o que se pode dizer dos professores da Educação Básica.  Com as escusas pela ironia, não se pode falar outra coisa. Neste momento, no país, estão numa resistência ímpar em mais de um estado. Em São Paulo, estado com o galope de duas décadas de governos do PSDB, os docentes resistem bravamente numa greve ignorada pela grande mídia e minada pelo tucanato paulista.
Em Pernambuco, o governador que se elegeu sob a sombra de um falecido, e prometendo dobrar os salários dos professores, diante da paralisação das atividades dos docentes, “esqueceu” tudo o que disse para então promover o encontro do pescoço dos professores com a guilhotina: demissão.  Um assessor seu foi às raias do cinismo, ao dizer que o governo estadual está permanentemente aberto ao diálogo com a categoria. Imagine se não estivesse! Merece, o assessor, uns dois litros de óleo de peroba.
Contudo, é na Paraíba que se tem verificado um caso, digamos, paradigmático. Da dupla greve docente nestas paragens, dos professores da rede estadual e da rede municipal de João Pessoa, é de se tirar ilações.  Surpreendeu, e continua surpreendendo, a postura dos dois ‘alcaides’, o da prefeitura (PT) e o do governo do estado (PSB). Supostamente situados no “campo de esquerda”, não apenas desdenharam/desdenham da greve como até mesmo, sobretudo no caso do alcaide municipal, investiram com virulência contra os professores. Desde logo o burgomestre pessoense recorreu à justiça em busca da decretação da ilegalidade da greve. Esqueceu-se o diálogo, a negociação. Decretada a ilegalidade do movimento grevista, veio o passo seguinte: a decisão de corte nos salários dos professores. À Camões, diríamos: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/Muda-se o ser, muda-se a confiança”. PT, saudações! A inabilidade política e a empáfia dos gabinetes fazem estragos e costumam cobrar um alto preço eleitoral. É bom que se tome nota disso.
Já no que toca ao governo estadual paraibano, a situação é a de um misto de manobras veladas (embora nem sempre) com pitadas de populismo, atirando pais e alunos contra os professores. E tentativas de esvaziar a greve ‘por dentro’. Mas, ontem (23/04), tivemos o ápice do cômico, se não fosse trágico: matéria da Secretaria Estadual da Educação no Jornal da Ciência/SBPC (versão eletrônica), informando que a ‘Paraíba promove o diálogo sobre educação’. Promove o diálogo! Quando os professores, com as suas atividades paralisadas, por justos pleitos, reivindicam... serem ouvidos pelo governo, mas não são atendidos!
Os professores têm mesmo ‘pouca sorte’. Nas campanhas eleitorais, servem de mote para os inflamados discursos, onde, na busca de votos, todos os candidatos se dizem seus amigos. Com amigos assim, os docentes e a educação em geral não precisam de inimigos. O melhor que os professores têm a fazer, portanto, é depositar a sua confiança na capacidade de mobilização de corações e mentes para alcançar os seus objetivos. Assim fazendo, dignificam um dos atributos mais fundamentais do ser humano: a coerência da palavra. Ao mesmo tempo, como educadores, estarão dando uma lição prática de cidadania aos seus alunos e tirando a máscara de muitos políticos que, com os seus atos, restringem a história a uma degradante oscilação entre a tragédia e a farsa.





quinta-feira, 23 de abril de 2015

Bolsas à juventude - América Latina



Desde el 1° de marzo al 25 de mayo de 2015 se reciben postulaciones de jóvenes comprometidos con el campo académico y el servicio público, interesados en realizar una experiencia de dos semanas en The New School, Nueva York.

La Beca PNK, que otorgó un total de 12 becas a jóvenes sudamericanos en las últimas cuatro ediciones, se amplía en esta oportunidad a todos los países de América Latina y el Caribe mediante el otorgamiento de cuatro becas.


Inspirada en el legado y los logros del ex-presidente Néstor Kirchner durante su gestión como mandatario de la República Argentina (2003-2007) y como primer Secretario General de la UNASUR (2010), la beca tiene un perfil innovador que busca impulsar a profesionales de variadas disciplinas, con experiencia tanto en el campo académico como en el servicio público. La convocatoria, que se realiza por quinto año consecutivo, es organizada conjuntamente por The New School University, basada en Nueva York, a través de su Observatorio Latino Americano (OLA), y la Universidad Nacional de San Martín, de la provincia de Buenos Aires, Argentina.


Los ganadores de la beca -uno de Argentina y tres de todos los países de América Latina y el Caribe- realizarán una estadía de dos semanas en The New School University, donde presentarán su trabajo ante estudiantes y profesores, se entrevistarán con académicos y representantes políticos y sociales, y brindarán una conferencia pública.

Segun el Becario PNK 2014-2015, Juan Martín Graña: "Haber debatido las problemáticas propias frente a personas de diferentes países de la región y del mundo, permite valorizar correctamente tanto los logros de la región como sus problemas. Allí es dónde esta beca es diferente a las demás". Graña agrega que otro de los aportes distintivos de la beca consiste en conjugar lo académico con el compromiso político, permitiendo que las discusiones trasciendan las aulas y puedan convertirse en acciones.

Los aspirantes deben ser ciudadanos de América Latina y el Caribe; deben estar realizando un posgrado (maestría o doctorado) o haberlo completado; deben tener experiencia en el servicio público (organismos gubernamentales u ONGs); y deben tener dominio del idioma inglés. Sus investigaciones se deben contextualizar en América Latina y el Caribe, abarcando alguna de las siguientes áreas: territorios, regiones, ciudades y medio ambiente para un desarrollo con inclusión social; medios de comunicación y democracia para un desarrollo con inclusión; políticas públicas para un desarrollo con inclusión y justicia social.

Se recibirán postulaciones entre el 1 de marzo y el 25 de mayo de 2015. La aplicación a la Beca se realiza on-line, ingresando a: http://www.becanestorkirchner.org/sitio/solicitud.asp

Se reciben consultas en: info@becanestorkirchner.org

Para obtener más información sobre la Beca:

Puede descargar las Bases y el Reglamento, y completar el Formulario de Solicitud en el sitio web de la Beca.

Le pedimos disculpas si ha recibido varias copias de esta convocatoria. Por favor, siéntase libre de distribuir este mensaje a quienes pudieran estar interesados.
  
En nombre del equipo organizador, le saludan cordialmente,

Christian Asinelli, Director de la Beca Presidente Néstor Kirchner por la UNSAM
Marcelo Bufacchi, Director de la Beca Presidente Néstor Kirchner por la UNSAM  
Margarita Gutman, Directora de la Beca Presidente Néstor Kirchner por el OLA/The New School
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Contacto de prensa: prensa@becanestorkirchner.org

Instituciones Asociadas:
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, CLACSO
Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, FLACSO, Ecuador
Fundación SES, Sustentabilidad - Educación - Solidaridad, Argentina
Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, CLAD

Con la Declaratoria de Interés Académico de:
Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (FADU) y de la Facultad de Ciencias Sociales (FSOC) de la Universidad de Buenos Aires (UBA), y la Declaratoria de Interés Educativo del
Ministerio de Educación de la Nación, Argentina 

terça-feira, 21 de abril de 2015

Relação orientador-orientando, pesquisa e progresso profissional dos alunos

Causa "estranheza", para dizer o mínimo, no contexto universitário, relatos de que trabalhos discentes ora não são devolvidos, ora não se faz nenhuma observação em relação ao que os alunos escreveram, ora não há leituras sistemáticas, etc. Mas, as notas atribuídas, contudo, geralmente giram no 'topo máximo'. Assim promove-se a ilusão, para quem, claro, se deixar iludir. Quando essa situação passa para o âmbito da relação orientador-orientando, aí o desastre é certo e o prejuízo discente incalculável. No horizonte, desde logo, está o não futuro profissional. A seguir,  um texto sobre essa questão.  


Por Lydia Masako Ferreira,
 Fabianne Furtado e Tiago Santos Silveira

A origem da palavra orientador vem do grego e significa "aconselhar", e da raiz Indo Europeia, que significa "pensar". Portanto, "Orientador" teria o significado de "aconselhar o pensamento".
Em inglês Mentor (orientador) e mentee (orientando) surgiram da personagem Mentor da obra Odisséia, de Homero, que descreve as experiências de Ulisses. Durante a Guerra de Tróia, Ulisses deixou seu filho Telêmaco aos cuidados de seu melhor amigo, Mentor. Passados muitos anos após a Guerra de Tróia, Ulisses não havia regressado e Telêmaco foi em busca de notícias de seu pai. Durante a viagem, Atena, deusa da sabedoria, inteligência e invenção, assumia a forma de Mentor para orientar e encorajar Telêmaco. As vicissitudes dessa viagem ofereceram muitas dificuldades e situações que possibilitaram essa relação orientador-orientando, permitindo o crescimento e o amadurecimento de Telêmaco.
Essa história explica a origem da palavra Mentor e resume o conceito da relação orientador-orientando.
O comitê formado pelas Academias Nacional de Ciências, Nacional de Engenharia e o Instituo de Medicina, definiram por consenso: "Orientação é o relacionamento dinâmico e recíproco profissional e também pessoal entre o docente e o aluno".
O binômio ou díade orientador-orientando é indubitavelmente a base dos Programas de Pós-Graduação (PPG) e o que determina o crescimento e a expansão dos cursos de Pós-Graduação (PG) e a demanda de orientação – pode começar também na própria Graduação. É a parte essencial do processo de formação na PG, e é também a mais complexa e delicada relação a ser administrada num PPG senso estrito. Segundo Grant, "orientar não é somente preocupação com a produção de uma boa tese, mas também com a transformação do orientando em pesquisador independente".
A PG, que concentra quase todo o volume da pesquisa nacional, tem como meta a capacitação profissional de pesquisadores de alto nível, e como parâmetro, o padrão de qualidade do ensino e da pesquisa com ela compatível. Assume-se que o aluno de PG é um pesquisador em potencial, em estágio avançado de desenvolvimento, ou seja, a caminho da autonomia científica, mas ainda depende de um professor, o que justifica as atividades de orientação como efetivamente necessárias.
O processo de construção do conhecimento não é uma atividade isolada e necessita da interação entre os sujeitos professor orientador e aluno orientando. Desse modo, a orientação se configura como um acompanhamento do pós-graduando nas diversas etapas de seu processo de qualificação acadêmica, não devendo se restringir à leitura e revisão do manuscrito, da monografia, da dissertação ou da tese.
As etapas pelas quais se processa a formação de novos pesquisadores passam pelo Conhecimento Declarado e Processual (teoria, literatura e evidência), Conhecimento Processual (metodologia, análise e redação) que, juntos, levam ao Conhecimento Condicional (desenho da pesquisa e publicação) e finalmente ao Conhecimento Funcional (pesquisador independente). No entanto, além da formação do pesquisador independente, uma etapa não descrita, mas de fundamental importância é o Conhecimento que denominamos como Multiplicador, que é a formação de novos líderes e de núcleos para outros ambientes, por meio de ferramentas que permitam estimular outras características dos alunos.
A defesa de tese passa a ser somente uma pequena parte do processo de formação do aluno, e a transformação em pesquisador independente é associada à capacidade de produção acadêmica, produzindo conhecimento, dando continuidade a linha de pesquisa, possibilitando nuclear outros pesquisadores.
Essa nucleação tem interesse nacional para que haja maior homogeneidade regional de grupos de pesquisa atuantes, com aumento da produção científica brasileira.
Muito além, a orientação pressupõe a indicação e monitoramento de uma série de atividades, tais como leituras, estudos dirigidos, estágios de pesquisa e atendimento a cursos ou disciplinas que possam ampliar ou completar conhecimentos do aluno na área específica de seu interesse. O orientador deve buscar o equilíbrio entre dependência e independência na orientação aos seus alunos, em que os extremos devem ser evitados (dependência ou independência excessiva). O ideal é o modelo sinérgico em que se aplica o conhecimento funcional e multiplicador, obtendo como resultado um aumento da capacidade cognitiva e afetiva do aluno.
A orientação inclui o encaminhamento e a supervisão do candidato na montagem e execução de sua própria pesquisa, compreendendo, portanto, todas as etapas da investigação, análise crítica e discussão dos resultados e redação final da tese, dissertação, monografia ou artigo científico. Essa orientação só pode ser confiada a docentes qualificados, detentores dos conhecimentos de uma linha de pesquisa consolidada, com produção científica relevante, quantitativa e qualitativamente. Essas características e a capacidade de encorajar pesquisa criativa e competitiva são as responsáveis pela orientação de todo o processo educativo, desenvolvimento de uma relação eficaz com o orientando e crescimento profissional do mesmo.
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Fonte: Acta Cir. Bras., vol.24, no.3 ,São Paulo Maio/Junho, 2009.