segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Existência 'em curto-circuito': sobre identidade, socialização e educação

Na nota introdutória ao livro 'Socialisation: construction des identités sociales et profissionnelles', o cientista social Claude  Dubar realça, com todas as letras, que "a identidade de alguém é aquilo que ele tem de mais precioso: a perda de identidade é sinônimo de sofrimento, angústia e de morte." O sofrimento e a angústia sempre podem, por anomia, resultar no curto-circuito da existência. Redução da 'impedância vivencial'. Assim é a vida. De toda forma, o que está em causa é a relação indivíduo e sociedade, com incidência na comunidade. É de educação e de socialização que se trata, desde a mais terna idade, diferente do que algumas 'abordagens psi' - usando aqui a expressão de Hannah Arendt - afirmam. A investigação científica tem avançado bastante no estudo deste tema, e ela nos permite dizer que seria precipitado limitar educação e socialização, em sentido estrito, apenas a termos equivalentes. Tratei desse tema no texto aí abaixo, escrito para uma publicação francesa (está veiculado aqui: BILLET – SOCIÉTÉ ET COMMUNAUTÉ : VOIES D’ÉDUCATION ET DE SOCIALISATION

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SOCIÉTÉ ET COMMUNAUTÉ : VOIES D’ÉDUCATION ET DE SOCIALISATION

Par Ivonaldo Leite

Usuellement la sociologie désigne la « communauté » comme un groupement ou collectif dont les membres sot liés par la « solidarité » vécue, concrète en tant que personnes concrètes. D’abord pour André Gorz, la communauté a un fondement factuel En effet, elle repose sur quelque chose que chacun des individus reconnaît avoir en commun avec d’autres individus :
Soit qu’ils l’aient mis en commun en y voyant leur intérêt commum ou leur bien commun, auquel cas on palera de communauté associative ou coopérative ;
Soit qu’ils l’aient en commun originellement et de naissance (leur langue, leur culture, leur pays), auquel cas on palera de communauté originaire ou constitutive.
Mais dans l’un et autre cas, la communauté est associée à la reproduction de la société. Ceci est le problème analytique.
L’idéologie de la reproduction de la société par la socialisation des individus reste si solidement ancrée dans les habitudes de pensée, qu’elle survit à la dislocation de la société et à la disparition des « rôles » sociaux auxquelles la socialisation était adaptée.
La plupart des penseurs sociaux en viennent ainsi à raisonner comme si la capacité de l’individu à devenir un sujet autonome se produisant et produisant du lien social par ses activités non instrummentales, ne pouvait être que le résultat d’une « socialisation réussie ». De cette façon, pour Jean-Louis Laville, la valorisation du temps libéré repose sur la prise en compte d’individus aptes à l’autonomie et à la responsabilité, c’est-à-dire bénéficiant d’une socialisation réussie, alors que c’est cette socialisation qui constitue un problème.
Pour Gorz, dans cette phrase à première vue innocente on retrouve le postulat idéologique de ce même sociologisme qu’on rencontre aussi chez Habermas ou Parsons, entre autres : l’aptitude à l’autonomie et à la responsabilité serait le résultat d’une « socialisation réussie », autrement dit, l’individu-sujet serait l’ensemble des capacités, des compétences et comportements sociaux que la Société enseigne à l’individu pour se faire produire par lui. Le sujet est, ici, évacué ; le sujet n’est plus que le support de rôles, savoir-être et savoir-faire sociaux en consonance avec les « attentes » anonymes inscrites dans le fonctionnement des processus sociaux.
Notamment avec cette conception sociologiste, la socialisation n’est pas une émancipation faisant surgir un sujet capable d’autonomie, d’auto-détermination, de jugement. Au contraire, elle marque au sujet le pouvoir de se produire en lui assignant une figure qu’il ne peut tenir de lui-même : « Moi » est un Autre ; tandis que « Je » est le pouvoir de constater cette altérité du moi et de la contester.
Alors, la confusion entre le « Moi » et le « Je » provient dans une large mesure de ce que le sociologisme, colonisant et évinçant la réflexion philosophique, assimile l’éducation à la socialisation. Bien entendu, dans la mesure où elle comporte nécessairement l’apprentissage d’un langage, de codes et de repères socioculturels, toute éducation est aussi socialisation. Mais elle n’est pas que cela et elle  est même incapable d’éduquer et socialiser si elle prétend n’être cela. À difference du conditionnement, de l’endoctrinement et du dressage, l’éducation vise par essence à faire naître chez l’individu la capacité de se prendre en charge de façon autonome. C’est-à-dire, de se faire le sujet de son rapport à soi, au monde et à autrui.
C’est dire que la relation éducative n’est pas une relation sociale et n’est pas socialisable. Elle n’est réussie que si l’enfant est pour la personne qui l’éduque un être incomparablement singulier, aimé pour lui-même, à révéler à lui-même par cet amour comme ayant droit à sa singularité, comme individu-sujet.
Enfin, on retrouve ici l’opposition entre la pensée politico-philosophique sur la bonne société et la bonne vie, d’une part, de la pensée fonctionnaliste, d’autre part. Dans la communauté, ce qui compte pour la première pensée c’est le travail par lequel un individu se transforme en agent capable de transformer sa situation au lieu de la reproduire par ses comportaents. Ce que compte pour la seconde, c’est la formation d’individus sociaux possédant les competénces sociales et les compotaments les rendant aptes à remplir les fonctions ou rôles que définit pour eux le processus de travail social.


sábado, 29 de outubro de 2016

Onde o tempo não havia


Há modos vários de observar uma cidade. Mas, provavelmente, seja do alto que se capta o seu tempo e o resumo de vidas que nela tiveram e têm lugar - com quem observa, simultaneamente, olhando para dentro de si, para o mundo pretérito e presente que está no seu cerne. O alto pode ser uma laje, um mirante, um arredor elevado; pouco importa, em graus diferenciados, observações externas cruzam-se com sentimentos internos que podem produzir insights existenciais na deambulação da marcha temporal. O equilíbrio pessoal é algo como um movimento sobre um mesmo ponto. Observar a cidade, observar-se. O tempo que existe no não haver. Mas isto já é assunto para o fado de Helder Moutinho, aí abaixo: 'venho de um tempo onde o tempo não havia'; 'E a tarde, antes de ser, nunca tardava'; 'Não entendi de uma só vez o entendimento'; 'A nossa morte é muito mais que o sofrimento'; 'Venho de um tempo, onde o tempo não havia?' 


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

América Latina, Venezuela : a guerra de (des)informação

O Prêmio Nobel da Paz de 2016 foi atribuído a um latino-americano, o Presidente da Colômbia Juan Manuel Santos, por seus esforços em prol do acordo de paz com as Farcs. O Chile, que não tinha ensino universitário gratuito, aprovou a sua gratuidade agora em 2016. A política pública do Uruguay para lidar com a canabis sativa é uma referência reconhecida em todo o mundo. Pois bem, procure na imprensa corporativa brasileira a repercussão de tais fatos, com o destaque que eles merecem. Você cansará de procurar, e não encontrará. Encontrará, sim, mais destaque para acontecimentos envolvendo a família real inglesa. Sobre a nossa região, os países vizinhos nossos, nada. O dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues, com o seu sarcasmo, falava do 'complexo de vira-lata' que coloniza determinadas mentes brasileiras. Tinha, e continua tendo, razão. Tal qual a sua ideia sobre a 'revolução dos idiotas' e a sua ousadia - perderam a cerimônia, 'são muitos e estão em todo lugar'. O recurso à ironia é uma forma de avaliar a situação. Mais recentemente, a guerra de (des)informação ocorre em torno da Venezuela. Sem que se negue os óbices do país, há de se assinalar que o noticiário sobre a conjuntura venezuelana não é isento, "agride" fatos e desinforma. É disso que trata o artigo aí abaixo. A leitura dos estudos sérios, como os da CEPAL, não alimentam os 'discursos impressionistas' sobre a Venezuela. De outra parte, é bastante sintomático que segmentos promotores da violência em manifestações estejam a rejeitar um acordo de convivência política  mediado pela Igreja Católica. 


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Por Max Altman 
(Jornalista e advogado)

Abro o jornal na seção internacional e leio: “Atos anti-Maduro deixam 1 morto e feridos”. O que! A polícia de Maduro matou um manifestante? Nada disso. O morto foi um policial José Molina Ramirez, atacado a tiros por um bando violento no estado Miranda, governado pelo líder da oposição Henrique Capriles. Os feridos foram 120 e 147 os presos. A ação da polícia e das forças de segurança foi a de garantir que os atos fossem pacíficos e que as ações de violência e os violentos fossem contidos. Todas as ações violentas de que resultaram os feridos e os presos ocorreram nos estados. Em Caracas não houve qualquer problema. São os jornais oposicionistas, como o El Nacional, que informaram.
Vou ao editorial da Folha e leio “Sem acordo, a população venezuelana fica à mercê de um presidente [Maduro] fragilizado, sem condições de enfrentar problemas como o desabastecimento e a maior inflação do mundo – e incapaz de perceber que os 17 anos de regime chavista se transformaram numa catástrofe para o país.” Maduro está há três anos e meio na presidência, submetido a brutal campanha local e internacional para derrocá-lo, e se mantém firme à frente de seu país. Sem querer minimizar a gravidade da situação econômica, o desabastecimento está hoje melhor do que há dois ou três meses. O petróleo na faixa de 45 dólares o barril – e não mais em 22 dólares anteriores – permite ingressos suficientes para importar os produtos de primeira necessidade. Quanto à inflação, é em grande parte induzida pelos monopólios e oligopólios importadores que manipulam o câmbio.
O jornal anuncia a grande manifestação da oposição. Foi importante, mas abaixo das expectativas de seus dirigentes que, desta vez, não se aventuraram a divulgar números, quando na manifestação de 1º de setembro chegaram a falar de um milhão. A avenida Francisco Fajardo, local da concentração dos opositores na marcha “Tomada de Caracas” não teve sequer o fluxo de veículos interrompido. Enquanto isso – fato absolutamente ignorado pela nossa imprensa – simultaneamente estava ocorrendo uma grande manifestação de partidários do governo nas cercanias do palácio presidencial de Miraflores.
Já o colunista Clóvis Rossi, na mesma edição, em “Venezuela, a Síria das Américas” depois de desfilar alguns números alarmantes sobre a situação venezuelana, realça: “A crise no vizinho do Norte já não é apenas política ou ideológica; tem dimensões de catástrofe humanitária.”
Esta não é a opinião de Alicia Bárcena, secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal): “O país não está em uma crise humanitária, definitivamente não, temos que ter isso claro. Há escassez de certos produtos e tensão política, mas a Venezuela tem ainda muitos elementos para ser um país vibrante e economicamente pujante e está fazendo esforços para diversificar sua produção”, afirmou durante a XIII Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e o Caribe,. Que começou nesta terça-feira, 25, em Montevidéu. “A Venezuela está realizando esforços para diversificar a economia, que depende quase exclusivamente da renda petroleira”, acrescentou.
Bárcena também explicou que na Venezuela houve numerosos avanços sociais, pois “não é possível esquecer que tiraram muita gente da pobreza”.
Desde outubro de 2014 o preço do petróleo começou a baixar, gerando perdas para a economia venezuelana. A estimativa da Cepal para o próximo ano, no entanto, é de um melhor crescimento.
Segundo dados do organismo, a economia vai registrar uma contração de 8% este ano, e de 4% em 2017,  “devido à recuperação do preço do petróleo”, comentou.
Segundo a secretária-executiva da Cepal, o presidente venezuelano Nicolás Maduro tem realizado esforços para estabilizar os preços do petróleo “e isso é uma ação positiva”.
“A Venezuela está cumprindo com seus compromissos da dívida, com os pagamentos internacionais, portanto não está em default, continua recebendo financiamento e créditos, talvez a um alto custo, mas continua recebendo”, explicou.
Nos últimos 18 meses, o país pagou US$40 bilhões em compromissos financeiros e internacionais.

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Fonte: https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=Max+Altman%2C+jornalista+


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Relações, vínculo e estabilidade

Daqui a pouco, no próximo ano, viveremos as quatro décadas do desaparecimento de Enrique Pichon Rivière, o suíço-argentino  que marcou época com estudos que, ao fim e ao cabo, relacionam sociedade, psiquiatria e psicanálise. No conjunto de sua obra, sem dúvida, um lugar central é ocupado pelas pesquisas sobre 'as vinculações', isto é, a questão das relações, da interação social, da estabilidade e do estabelecimento de vínculo. No final das contas, esta é uma esfera da microssociologia. Aí abaixo, uma breve recensão da sua teoria do vínculo. 

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Por Graça Medeiros

Ao elaborar a teoria do vínculo, Pichon a diferencia da teoria das relações de objeto concebida pela Psicanálise (que descreve as possíveis relações de um sujeito com o objeto sem levar em conta a volta do objeto sobre o sujeito, isto é, uma relação linear), propondo, então, o estudo da relação como uma espiral dialética onde tanto o sujeito como o objeto se realimentam mutuamente.
A teoria do vínculo considera o indivíduo como resultante do interjogo entre o sujeito e os objetos internos e externos, em relação de interação dialética, que se expressa através de certas condutas. O vínculo é concebido como uma estrutura dinâmica, que engloba tanto o sujeito quanto o objeto, tendo esta estrutura características consideradas normais e alterações interpretadas como patológicas.
O vínculo configura uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, acionada por motivações psicológicas, cujo resultado é determinada conduta que tende a se repetir tanto na relação interna quanto externa com o objeto. É o vínculo interno que condiciona muitos dos aspectos externos e visíveis da conduta do sujeito. Os vínculos internos e externos se integram.
Existem três dimensões de investigação, que se integram sucessivamente – a investigação do indivíduo, a do grupo e a da instituição ou sociedade, permitindo três tipos de análise: a psicossocial (parte do indivíduo para fora),a sociodinâmica (analisa o grupo como estrutura) e a institucional (toma todo um grupo, instituição ou país como objeto de investigação). As alterações do vínculo chamado patológico podem ser assim caracterizadas:  O vínculo paranóico caracteriza-se pela desconfiança; o depressivo pela carga de culpa e expiação; o hipocondríaco é estabelecido por meio do corpo, da saúde e da queixa; o vínculo histérico é baseado na representação, caracterizado pela plasticidade e dramaticidade (o paciente está representando alguma coisa com a sintomatologia).
Por meio de um estudo psicossocial, sociodinâmico e   institucional,  podemos abordar os motivos ou causas referentes à estabilidade e relações.

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Fonte: https://pt.scribd.com/doc/103293430/Teoria-do-Vinculo. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Ensaio sobre a Experiência da Morte


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Viveu apenas quatro décadas, mas deixou uma contribuição significativa para a humanidade. Paul Ludwig Landsberg foi professor de filosofia em Bonn, Alemanha, e compartilhou do ciclo de amizade de Max Horkheimer, tendo mantido uma colaboração regular com a Escola de Frankfurt. Deixou o seu país pouco antes de Hitler chegar ao poder (era filho de judeus), exilando-se na Espanha, de onde saiu novamente exilado para a França, em decorrência da Guerra Civil Espanhola. Com a ocupação nazista da França, negou-se a um terceiro exílio para os Estados Unidos. Passou à clandestinidade, vivendo com nomes falsos. Preso pela Gestapo, foi deportado para um campo de concentração, onde morreu. Vida atribulada, espírito inquieto. A morte pairando os seus passos. Dedicou-se à pesquisa sobre ela, estudando inclusive a vida e obra de santos cristãos (como Agostinho de Hipona), assim como de místicos e Pascal. Sobre a vida clandestina de Landsberg, Jean Lacroix, que o escondeu em território francês, escreveu o seguinte: "Abordamos frequentemente o problema da morte voluntária. Ele me revelou que levava consigo uma dose de veneno que usaria se fosse localizado pela Gestapo. (...) Creio que modificou essa intenção no verão de 1942. O que é certo é que se desfez do veneno. Quando foi preso, aceitou plenamente que não dispunha de sua vida. O problema moral do suicídio deve ter sido escrito em meados de 1942. Landsberg me enviou o texto um pouco depois, no início do outono. Eu o escondi e o publiquei na revista Esprit depois da guerra, em dezembro de 1946, junto com Ensaio sobre a Experiência da Morte, que ele já havia terminado. Creio que podemos considerá-los o seu testamento espiritual e intelectual." Do punho do próprio Landsberg temos o seguinte: Se o homem é o único ser vivo que sabe que vai morrer, convém lembrar que os animais também têm algum pressentimento da morte, quando ela os ameaça com a presença imediata. Deitam-se à espera da morte, atitude calma e digna que misantropos preferiram à de muitos homens. Mas esse tipo de pressentimento, essa percepção do imediato, não é propriamente um saber. Mesmo que pudesse se transformar em um saber correspondente, ainda não seria um saber da necessidade da morte. O animal não saberia, por exemplo, que a morte do indivíduo pertence à essência da vida e da espécie. A compreensão do vínculo entre nascimento e morte, da necessidade biológica de o indivíduo desaparecer em favor da espécie e da espécie desaparecer em favor da realização da vida em formas sempre novas, essa compreensão, sem dúvida, está reservada apenas ao homem." Pois bem, o público brasileiro tem agora a oportunidade de adentrar no universo da obra de Paul Ludwig Landsberg sobre esse, com a publicação pela Editora Contraponto do livro Ensaio sobre a Experiência da Morte e Outros Ensaios

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Assim será

A Venezuela é muito mais do que a imagem caricaturada que se pretende fazer do país por estes dias. Aí abaixo está o 'Así Será' para o demonstrar. 'Para que pegue la semilla/del amor y de la vida/Así será/Porque somos esperanza". 


terça-feira, 25 de outubro de 2016

O último lugar da terra descoberto pelos humanos

ocupacao-mundo

Por Casey Chan

O mundo é um lugar enorme. Os satélites, a internet e coisas como o McDonald’s podem fazê-lo parecer bem menor nos dias de hoje, mas antes de tudo isso surgir, o planeta Terra era um grande desconhecido com um mapa-múndi incompleto.
É interessante saber quando os humanos descobriram cada lugar. Por exemplo, descobrimos a atual América do Norte antes de chegarmos em Portugal. E estivemos onde hoje é o Reino Unido antes de chegarmos na França.
Em um vídeo do canal RealLifeLore, viajamos no tempo num mapa que mostra como ocupamos o planeta, até descobrir o último lugar possível. Muitas das descobertas nos continentes foram feitas milhares e milhares de anos atrás, mas tivemos que esperar até a Era das Grandes Navegações para que as pequenas ilhas fossem habitadas.
É surpreendente saber que a Nova Zelândia demorou muito para ser ocupada (1250-1300 d.C.), assim como Madagascar (500 d.C.), já que essas regiões estão muito próximas da Austrália e da África, onde os humanos surgiram há 195 mil anos.
E embora pareça impossível, o último lugar que descobrimos foi a Antártida. Só encontramos a ilha de gelo, que é maior que a Europa e a Austrália, em 1895 d.C.
No vídeo abaixo, o RealLifeLore mostra a evolução da nossa ocupação com base em dados históricos, como fósseis e documentos. 



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Fonte: http://gizmodo.uol.com.br/ultimo-lugar-descoberto-planeta-terra/



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Para além da floresta: a solidão por Elena Moşuc

A Romênia, no seu isolamento de país com língua latina encravado na Europa Central, é a pátria de Emil Cioran, pensador solitário, introspecto e que deu "expressão ontológica" à tristeza. Pouco (ou nada) chega a outros países de base linguística latina, como o Brasil, do universo intelectual e cultual romeno. Talvez o folclore dos vampiros, designadamente Vlad. Transilvânia - no latim, 'além da floresta'. O paganismo ou a saga dos ciganos. Seja como for, contemporaneamente, os romenos têm a encantadora voz de Elena Moşuc, fazendo inclusive o encontro entre o fado luso e a opera. Por nostálgico que pareça a ode à solidão, ela, de certo modo, faz lembrar a seguinte passagem de um conto hindu: 
"Do alto da montanha, Arjuna falou: o que caracteriza a sabedoria, o homem que a busca?
O que fala o homem generoso? Como descansa? Como vive?
Ouviu: É sábio o que se recolhe em si mesmo, quem desfruta serenamente as alegrias. É sábio quem renuncia ao prazer sem profundidade. A propensão se transforma em ânsia, a ânsia em fúria. Da fúria nasce a obsessão, depois a memória se perturba; logo o entendimento é perdido, logo o próprio ser humano se perde. 
A mente serena fornece compreensão cada vez maior. Onde é noite para todos os seres, vela o que quer se disciplinar; onde todos estão despertos, é noite para o sábio que vê a verdade." (In: A Sabedoria da Índia, seleção de textos de Manfred Kluge, São Paulo: Editora Tecnoprint LTDA, 1984, p. 39-40). 

Aí abaixo a solidão por Elena Moşuc. Claro, para além da floresta. 




domingo, 23 de outubro de 2016

O que está em nenhum lugar

Por Carlos Eduardo Berriel 

Há exatamente meio milênio, em 1516, saiu em Amsterdã um livrinho destinado a ter um papel central na vida dos debates políticos e da ética: conta a história de um navegante português que descobriu uma ilha desconhecida, chamada Utopia, cujo nome não consta de nenhum mapa geográfico. Seu autor, o londrino Thomas Morus, inventou o neologismo "ou-topia", "não-lugar", articulando as palavras gregas "où", "não", e "tópos", lugar. Portanto, utopia quer dizer, literalmente, "o que está em nenhum lugar". Na pronúncia inglesa é formada uma homofonia de ou-topia (não-lugar) e eu-topia (terra de felicidade), o que gerou uma ambiguidade intencional e contribuiu – querendo ou não – para as ambiguidades que o uso do termo conheceu, e conhece, em sua história.
Desde então o pensamento moderno pulula de cidades hipotéticas e de mundos ideais, situados em um além imaginário, países que não existem de fato, mas que são dotados, pela mente de seu inventor, de realidade impactante sobre nossas vidas.
São cidades hiper-racionais, geométricas, ou mundos exóticos, trazidos pelos relatos dos viajantes. Podem ser países da Cocanha, abundantes e justos; podem ser mundos de ponta-cabeça, onde os servos são senhores e vice-versa. Ou então realidades situadas em um não tempo, em uma "u- cronia", onde as leis universais da história já concluíram seu périplo e encontramos então um admirável mundo novo.
Tudo isso se inscreve na imaginação, numa transversal do tempo, quando o pensamento e a imaginação utópica conseguem equilibrar a esperança de um mundo melhor. Mas a esperança pode se transformar em angústia, e o sonho pode desandar pois, como disse a antropóloga Margaret Mead, "O sonho de um é o pesadelo de outro".
A utopia é uma forma de pensamento basicamente moderna, para onde convergiram numerosas outras formas tradicionais de pensamento político, principalmente vindas dos gregos –da República de Platão e das viagens imaginárias de Luciano de Samósata. Plutarco, Cícero, os epicuristas também habitam essa ilha, assim como o messianismo judaico-cristão, que fazia esperar a regeneração do homem e a volta ao Paraíso Terrestre.

CONTRADIÇÃO
A utopia, porém, nasce trazendo uma contradição congênita: sendo filha do desenvolvimento das forças produtivas próprias do Renascimento, funda virtualmente uma sociedade tão perfeita em seus fundamentos que termina por impedir toda forma de desenvolvimento. É uma construção imaginária refém de sua própria perfeição. É o que levou Marx a dizer: "Quem compõe um projeto para o futuro é um reacionário".
Se a utopia é uma sociedade perfeita, isto significa em decorrência que não pode ser aperfeiçoada e nem se degradar, porque ambas as coisas pressupõem a imperfeição. Na prática, a utopia significaria uma estática social, um mundo parado e eternizado em si mesmo. Isto é, a "u-cronia", ou ausência de tempo – uma impossibilidade.
Mas podemos ir além: uma sociedade utópica real, para garantir sua existência estática, precisaria recorrer à eterna vigilância e a todas as formas de violência: "A utopia prática é indissociável da violência", já disse Karl Popper.
Quem projeta uma sociedade crê que os seres humanos estejam inteiramente à sua disposição, num consenso incondicionado, aceitando implicitamente que serão controlados e dispostos conforme o desenho lógico do engenheiro social –aquele que crê que sua lógica particular deve se tornar universal. Estamos, obviamente, falando daqueles personagens de tão turva memória, tais como o Grande Inquisidor, o Condutor, o Grande Irmão, o Guia Genial.
Conectada ao chão histórico do qual surge, a utopia sempre corresponde aos desejos e às esperanças coletivas de seu tempo pois, partindo de elementos reais, constrói virtualmente todas as histórias possíveis, todos os cenários que a história não realizou. A raiz desta ideia vem da "Poética" de Aristóteles, que diz ser a poesia mais ampla que a história, pois realiza até o fim aquilo que a história apenas esboçou.
A utopia está aí: é uma tendência da realidade, operante e efetiva, mas que não se materializa enquanto Estado – existe numa dimensão própria, entre o mundo das ideias e a dura poesia concreta do mundo material.
Para a disciplina do utopista, o mundo não é apenas aquilo que se nos apresenta, mas é também aquilo que está oculto. Para o bem e para o mal. A utopia não parte de um ponto fora do sujeito histórico (de Deus, por ex.), mas do próprio sujeito. Isto quer dizer que toda utopia, mesmo falando de um futuro fictício, está na verdade falando dos problemas da época em que foi escrita. A utopia possui a sua própria história, que de certa maneira é a história do inconformismo intelectual diante das formas do mundo estabelecido.

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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 28/08/2016. 


sábado, 22 de outubro de 2016

Crise ambiental e previsões de tsunamis no Nordeste brasileiro

Um periódico de divulgação científica pede-me um pequeno artigo recenseando estudos que fazem previsões sobre tsunamis no Nordeste do Brasil, em decorrência de uma erupção do vulcão Cumbre Vieja, localizado nas Ilhas Canárias. Para tanto, beneficie-me sobremaneira dos dados e informações dos trabalhos de Simon Day e Steven Ward, a exemplo dos textos 'Recent structural evolution of the Cumbre Vieja volcano, La Palma, Canary Islands: volcanic rift zone reconfiguration as a precursor to volcano flank instability?' (Journal of Volcanology and Geothermal Research, 94, 1999, 135–167) e 'Cumbre Vieja Volcano; potential collapse and tsunami at La Palma, Canary Islands' (Geophys. Res. Lett. 28-17, 3397-3400). De resto, por uma questão de registro e de reconhecimento acadêmico, mas também (e principalmente) de honestidade intelectual, cabe referir que, na Paraíba, foi o Professor da UFPB Paulo Rosas (in memoriam) o pioneiro nos alertas sobre a possibilidade de eventuais tsunamis atingirem o litoral do estado, não estando então 'João Pessoa em berço esplêndido'. O artigo chega por aqui primeiro, e segue aí abaixo. 



Por Ivonaldo Leite

Registra a história dos estudos ambientais que quando, na década de 1990, pesquisadores como Simon Day (University of California) e Steven Ward (University College London) publicaram seus papers alertando para a possibilidade de uma catástrofe futura decorrente da erupção do furação Cumbre Vieja, localizado nas espanholas Ilhas Canárias, foram muitos os que, mesmo na comunidade científica, desvalorizaram os resultados realçados por seus trabalhos.
Day e Ward sinalizavam um cenário de proporções internacionais, no mínimo, preocupante.  Formularam a hipótese segundo a qual uma futura erupção do Cubre Vieja fará com que a sua metade ocidental (em torno de 500 km³, com uma massa de cerca de 1,5 x 1015 kg) colapse catastroficamente em um grande deslizamento gravitacional, adentrando no Oceano Atlântico, e gerando uma megatsunami. Os destroços continuariam a viajar como um fluxo de detritos ao longo do leito do oceano.
A modelagem computacional permitiu inferir que daí resultaria uma onda inicial que poderia atingir uma amplitude local (altura) acima dos 600 metros, viajando a cerca de 1000 km por hora (velocidade aproximada de um avião a jato), inundando o litoral da África Ocidental em torno de uma hora depois, o litoral sul do Reino Unido em 3,5 horas e chegando ao continente americano entre seis e oito horas. A hipótese de Day e Ward sugere que, em princípio, até 25 km do interior dos continentes seriam tomados pela água. Tratar-se-ia, portanto, de uma megatsunami global, ceifando vidas e causando destruição numa escala inimaginável.
Estudos posteriores estimaram que eventos de colapso lateral em estratovulcões, similar à ameaça representada pelo flanco ocidental do Cumbre Vieja, poderiam aumentar em decorrência dos efeitos físicos do aquecimento global sobre a terra, aumentando também a frequência das erupções. Esse aspecto, na medida em que se afigure como fático, evidentemente faz com que os riscos em torno das “manifestações” do Cumbre Vieja deixem de ser atribuídos à inerência da própria natureza. A precipitação de eventos deverá então ser correlacionada a uma variável externa, isto é, à ação humana.
Na época (década de 1990), a reação dos críticos a perspectivas como as sustentadas pelos trabalhos de Simon Day e Stven Ward pode ser referida, parece, como inconsistente, e provavelmente continuam a sê-lo. Afirma-se, por exemplo, que os resultados dos trabalhos dos dois pesquisadores eram apenas ‘simulações de computador’, desconsiderando-se, contudo, o acerto dessas simulações em casos como o ciclone que atingiu a costa sul do Brasil em 2004, causando grande destruição no estado de Santa Catarina com ventos de cerca de 180 km.
Seja como for, mais recentemente, o geofísico Nazli Ismail (Departamento de Física da Universidade Syiah Kuala, de Banda Aceh, Indonésia) não só reiterou os resultados dos papers de Day e Ward como chamou a atenção para a possibilidade de tsunami atingir o litoral do Nordeste brasileiro, com forte incidência em estados como a Paraíba.
Parece ser despropositado ignorar por completo o significado de tais alertas, que não são meras simulações de computador, mas sim resultados de pesquisa com forte base empírica. A exemplo de cidades como Valparíso, no Chile, que convivem com a ameaça de tsunamis, era de se esperar que cidades nordestinas, como João Pessoa, tivessem um forte sistema de monitoramento e planos de emergência para uma eventual necessidade de evacuação da população, além de desenvolverem um consistente programa de educação ambiental para manter a população devidamente consciente da situação. Um programa cientificamente orientado, que não seja tão-somente uma seleção de informações superficiais, tal qual ocorre em determinadas atividades ditas de 'sensibilização ambiental'. Afinal, o caso pessoense é paradigmático: na ocorrência de um evento da referida magnitude, a cidade tem, no básico, apenas uma via de saída, que é a BR 230, já que a 101 margeia o Atlântico.
Tratar desse tema com a racionalidade devida é uma condição imprescindível para evitar a disseminação de falsas informações e, em última instância, a propagação do pânico. Isso não significa, contudo, ignorar a dimensão dos riscos.
Do filme ‘O Impossível’, baseado na história real de uma família que é apanhada pela tsunami de 2004 na Tailândia - enquanto lá passava férias -, pode-se tirar uma ilação que deveria servir de axioma em face da crise ambiental que ameaça o planeta: a vida humana é quase nada diante da “fúria” da natureza.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Xadrez do fator Eduardo Cunha

Muita gente tropeçando na análise da prisão do ex-Presidente da Câmara Eduardo Cunha. Muitos inclusive supostamente críticos e/ou (auto)denominados analistas sociais rigorosos. O texto de Nassif aí abaixo coloca a questão em perspectiva - ou, como diriam os lusitanos, 'faz o ponto da situação'. Penso que, para o atual quadro, vale tomar em conta o que repisou Hegel: 'quem olha apenas a árvore, não consegue enxergar a floresta'. 



 Por Luis Nassif

A graça de um cenário é quando consegue identificar fatos pouco conhecidos, montar ilações pouco percebidas, tirar conclusões inesperadas.
Não é o caso da prisão do ex-deputado Eduardo Cunha, respeitosamente detido pela Polícia Federal, com autorização do juiz Sérgio Moro, e com a recomendação de não fazerem espetáculo.
As conclusões unânimes são as seguintes:
1.     Eduardo Cunha era pato manco desde o ano passado. Era um caso de prisão óbvia.
2.     Nunca pertenceu ao establishment político e midiático, como Aécio Neves e José Serra. Portanto, seria mínima a linha de resistência à prisão.
3.     O grupo da Lava Jato, juiz Sérgio Moro à frente, conta que, com a prisão, se consiga demonstrar um mínimo de imparcialidade, ampliando a força para uma futura prisão de Lula.
Essas são as conclusões óbvias. Os desdobramentos, são mais imprevisíveis.
Ninguém minimamente informado tem a menor dúvida sobre a parcialidade da Lava Jato e sobre as estratégias políticas por trás de cada operação. Nas vésperas das eleições municipais, foram mais três operações com estardalhaço sobre alvos petistas.
Agora, uma operação discreta sobre um não-petista.
Há os objetivos óbvios da Lava Jato e os desdobramentos ainda obscuros.

Peça 1 - Prisão e/ou inabilitação de Lula para 2018.
Dias atrás, a Vox Populi soltou uma pesquisa sobre eleições presidenciais. Em todas elas, dava vitória de Lula no primeiro turno. Nenhum veículo de imprensa repercutiu.
Ontem, foi a vez da CNT-IBOPE divulgar outra pesquisa com resultados semelhantes.
Mais ainda. No segundo turno, o único em condições de enfrentar Lula seria Aécio Neves (devido ao recall das últimas eleições) e mesmo assim haveria empate técnico.
Com todos os demais candidatos, haveria vitória de Lula.
Um dado da pesquisa Vox Populi foi pouco notado. Na relação dos brasileiros mais admirados, o primeiro é Sérgio Moro, com 50%. O segundo, Lula, com 33%. O terceiro, Dilma com 23%. Os demais vêm mais abaixo.
Hipoteticamente, a única pessoa capaz de peitar Lula seria Sérgio Moro. E em seu terreno, o Judiciário e no terreno comum da opinião pública.
Peça 2 - Os tucanos blindados
Para analisar os desdobramentos da eventual delação de Eduardo Cunha, o primeiro passo é identificar os que NÃO serão atingidos.
Obviamente, serão as lideranças tucanas, devidamente blindadas pela Lava Jato e pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Aécio Neves
Os jornais soltam fogos de artifício para demonstrar isenção. Foi o caso da denúncia de que Aécio Neves viajou para os Estados Unidos com recursos do fundo partidário, um pecadilho.
A dúvida que ninguém respondeu até agora: porque Dimas Toledo, o caixa político de Furnas, jamais foi incomodado pela Lava Jato ou pela Procuradoria Geral da República (PGR)?
Dimas é a chave de todo esquema de corrupção de Furnas.
Há o caso do helicóptero com 500 quilos de cocaína, que jamais mereceu uma iniciativa sequer do Ministério Público Federal.
Em 2013, o MPF aliou-se à Globo para derrubar a PEC 37, que pretendia restringir seu poder de investigação. A alegação é que o MPF não poderia ficar a reboque da Polícia Federal, quando percebesse pouco empenho nas investigações.
A PF abafou o caso do helicóptero. E o MPF esqueceu.
José Serra
A recente decisão da Justiça, de anular a condenação dos réus do chamado “buraco do Metrô”, escondeu um escândalo ainda maior. Os réus eram funcionários menores das três empreiteiras envolvidas – Odebrecht, Camargo Correia e OAS.
Fontes que acompanharam as investigações, na época, contam que a intenção inicial do Ministério Público Estadual era indiciar os presidentes das companhias. Houve uma árdua negociação política, conduzida por instâncias superiores do Estado, que acabou permitindo que as empreiteiras indicassem funcionários de escalão inferior. O custo da operação teria sido de R$ 15 milhões, divididos irmãmente entre as três empreiteiras.
O governador da época era José Serra.
Na Operação Castelo de Areia (que envolveu a Camargo Correia, e que foi anulada graças a um trabalho político do advogado Márcio Thomas Bastos) havia indícios veementes do pagamento de R$ 5 milhões pela empreiteira. Agora, a delação da Odebrecht menciona quantia similar. Interromperam a delação do presidente da OAS, mas não seria difícil que revelasse os detalhes.
São bolas quicando na área do PSDB e que dificilmente serão aproveitadas pela Lava Jato ou pelo PGR.
Peça 3 – os desdobramentos da delação de Cunha
Desdobramento 1 - Temer
Eduardo Cunha é obcecado, mas não rasga dinheiro. Tem noção clara de seus limites. Sabe que uma delação só aliviará suas penas se aceita pela Lava Jato ou pelo PGR.
Como existe o privilégio de foro para políticos com mandato ou cargos, o árbitro para as delações envolvendo o andar de cima é o PGR Rodrigo Janot. O conteúdo das delações dependerá muito mais das intenções de Janot e da Lava Jato do que do próprio Cunha.
Portanto, todos os desdobramentos da prisão de Cunha dependerão nas relações entre PSDB-mídia-Judiciário e a camarilha dos 6 (Temer, Cunha, Jucá, Geddel, Padilha, Moreira Franco) que assumiu o controle do país.
Poderá haver acertos de conta pessoais de Cunha com um Moreira Franco, por exemplo, que poderá ser defenestrado sem danos maiores ao grupo de Temer.
Mas qualquer ofensiva mais drástica sobre o grupo teria que ser amarrada, antes, com a mídia (especialmente Globo), com o PSDB e sentir os ventos do STF (Supremo Tribunal Federal). São esses os parâmetros que condicionam os movimentos da Lava Jato e da PGR.
Temer tem se revelado um presidente abaixo da crítica. Mas ainda é funcional, especialmente se entregar a PEC 241. A cada dia, no entanto, amplia seu nível de desgaste. Em um ponto qualquer do futuro se tornará disfuncional. E aí a arma Eduardo Cunha poderá ser sacada pelo PGR.

Desdobramento 2 – Lava Jato
A Lava Jato vive seus últimos momentos de glória. Seu reinado termina no exato momento em que pegar Lula. Justamente por isso, é possível que queira tirar alguns fogos de artifício da gaveta para o pós-Lula.
À medida em que se esgote, os tribunais superiores passarão a rever suas ilegalidades, a fim de poupar os políticos até agora não atingidos por ela.
Mas ainda é uma caixa de Pandora.

Desdobramento 3 – as novas lideranças
A prioridade total é a inabilitação e/ou prisão de Lula.
Só depois disso é que haverá o novo realinhamento político, e aí com novo atores.
Do lado do PSDB:
1.     Geraldo Alckmin subindo, depois da vitória de João Dória Jr.
2.     Aécio em queda, pelos indícios de crime, mesmo não levando a consequências legais.
3.     Serra fora do jogo, tentando decorar siglas de organizações multilaterais, sem apoio no PSDB e no DEM.
Do lado das oposições:
1.     Já está em formação um núcleo de governadores progressistas, visando costurar estratégias e alianças acima das executivas dos partidos. Anote que daqui para a frente tenderão a ter um protagonismo cada vez maior na cena política, substituindo as estruturas partidárias, imobilizadas em lutas internas.
2.     Ciro Gomes é o opositor de maior visibilidade, até agora, mas mantendo o mesmo estilo carbonário da juventude. Suas verrinas contra Temer fazem bem ao fígado, mas preocupam as mentes mais responsáveis.
3.     Há uma tendência de crescimento de Fernando Haddad, prefeito derrotado nas últimas eleições. Na expressão do governador baiano Rui Costa, Haddad caiu para cima. Sua avaliação, no MEC e na prefeitura de São Paulo, crescerá com o tempo.

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Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-fator-eduardo-cunha

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Amizade e ética: três espécies

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Por Glauber Ataíde (UFMG)

Nos livros VIII e IX de sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles discorre, em sua sistematicidade característica, sobre a natureza da amizade. Sendo este um tratado de ética, a discussão sobre a amizade se faz necessária, pois ela é, segundo o estagirita, ou uma virtude ou implica virtude, e é, além disso, extremamente necessária à vida. “Com efeito”, afirma o filósofo, “ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que dispusesse de todos os outros bens, e até mesmo pensamos que os ricos, os que ocupam altos cargos, e os que detêm o poder são os que mais precisam de amigos; de fato, de que serviria tanta prosperidade sem a oportunidade de fazer o bem, se este se manifesta sobretudo e em sua mais louvável forma em relação aos amigos?”
As amizades podem ser classificadas, conforme o discípulo de Platão, em três tipos distintos. Essas espécies de amizade fazem referência às qualidades que as fundamentam. Elas são: 1) a amizade segundo o prazer, 2) a amizade segundo a utilidade e 3) a amizade segundo a virtude, ou a amizade perfeita.
Aqueles que fundamentam sua amizade sobre o prazer o fazem por causa daquilo que é agradável em um para o outro. Pessoas espirituosas, por exemplo, têm muitas amizades não por causa do seu caráter, mas sim devido ao prazer que podem proporcionar umas às outras. 
A amizade segundo a utilidade é estabelecida pelo bem que uma pessoa pode receber da outra. Mais uma vez, as pessoas envolvidas neste tipo de relação não se amam por causa do seu caráter, mas sim devido a uma utilidade recíproca.
Já a amizade segundo a virtude só pode se estabelecer entre os homens que são “bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos.”. Como estes homens são raros, amizades assim também são raras.
Tanto a amizade segundo o prazer quanto a amizade segundo a utilidade são geralmente efêmeras, passageiras, se desfazendo facilmente. Isso ocorre quase sempre se uma das partes não permanece como era no início da amizade, isto é, se deixa de ser útil ou agradável. Por essa razão, “quando desaparece o motivo da amizade, esta se desfaz, pois existia apenas como um meio para se chegar a um fim.”. 
Nos deparamos com este tipo de amizade em quase todos os períodos de nossa vida. Ao nos lembrarmos das relações que mantínhamos na escola, por exemplo, podemos identificar facilmente quantas e quais não foram as amizades que estabelecemos segundo o prazer. As chamadas pessoas espirituosas, isto é, aquelas pessoas chistosas, cheias de vivacidade e de graça, mantêm quase sempre um amplo círculo de amizade. Mas isso não se deve ao que são em si mesmas, e nem por causa do seu caráter, mas apenas por causa do prazer que podem proporcionar aos outros.
As amizades segundo a utilidade são também de natureza semelhante. Podemos identificá-la, por exemplo, nas relações de trabalho entre os funcionários de um escritório. Ou então quando temos uma equipe ou um grupo que luta por um objetivo ou por um bem comum. Essas pessoas, neste caso, não se amam e não desejam a companhia umas das outras por si mesmas, mas mantêm uma relação de amizade porque isso resultará em um bem para si próprias.
Mas a amizade segundo a virtude, ou a amizade perfeita, como a chama Aristóteles, é perfeita “tanto no que se refere à duração quanto a todos os outros aspectos, e nela cada um recebe do outro, em todos os sentidos, o mesmo que dá, ou algo de semelhante.”. 
Neste tipo de amizade, as pessoas querem o bem uma da outra. Esses homens que são assim amigos buscam verdadeiramente o bem do seu semelhante, e isso pelo simples fato de serem bons. Eles “serão amigos por si mesmos, isto é, por causa de sua bondade.”. 
Os homens maus têm amizades apenas segundo o prazer ou a utilidade, nunca podendo ter uma relação virtuosa, ou uma amizade perfeita. No entanto, os homens bons, por sua vez, podem estabelecer relações segundo o prazer ou a utilidade, assim como os maus. Mas apenas os bons podem estabelecer uma amizade segundo a virtude. Neste sentido, fica clara a correspondência entre ética e amizade.

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Fonte: http://glauberataide.blogspot.com.br/2008/09/as-trs-espcies-de-amizade-em-aristteles.html. Título original: 'As Três Espécies de Amizade em Aristóteles'.