Por Boyd Tonkin
(The Independent)
Quando a entrevista chega ao
fim, George Steiner, 74, vai até a estante e pega dois objetos. O primeiro é um
cartão cumprimentando os pais vienenses de Steiner pelo casamento. O cartão
traz os nomes "Frau und Dr. Freud". O segundo, um manual de
enfermagem, pertencia a um jovem de Praga, "F.Kafka".
Hoje pertence a G. Steiner, graças a um marco
precoce na carreira de professor desse humanista incansavelmente eloquente. Os
50 anos dessa carreira motivaram reflexões sobre professores e alunos numa
série de palestras que deu em Harvard, publicada como "Lessons
of the Masters" (Lições dos Mestres).
Quando Steiner discorre sobre o tema, não se deve
esperar uma aula simpática. Em trabalhos como "Linguagem e Silêncio"
e "No Castelo de Barba Azul", o pensador, crítico e acadêmico já voou
por todo o mundo cultural como uma ave migratória, carregando más notícias.
Embalado pelo legado judaico perdido da Europa
Central que tanto Freud quanto Kafka enriqueceram, esse ""filho do
tempo do Holocausto" já executou voos espantosos de profecia e polêmica.
Explorou a ligação entre a cultura e o barbarismo modernos, a perda de fé do
Ocidente não apenas na divindade, mas na própria humanidade, e o aviltamento da
linguagem e do aprendizado na sociedade de consumo.
Todas essas forças conspiram, diz ele, para
enfraquecer não só as relações entre professores e estudantes, mas também a
própria ideia da autoridade. "Vivemos num tempo em que a ideia de respeito
por um professor, um mestre, é quase ridícula."
Em lugar do aprender, hoje reina suprema a busca
do lucro. "Vivemos sob o fascismo da vulgaridade", troveja Steiner, "que,
para resumir, também chamo de berlusconismo."
"Lessons of the
Masters" sugere que os grandes mestres atrapalham os esquemas de poder. Os
mestres conduzem raios, atuando como vetores do choque, tanto quanto do
estímulo. Ele inicia sua jornada com Sócrates e Jesus: "Essas duas mortes
terríveis determinaram a história intelectual, moral e psicológica do
Ocidente". Em seguida, passa por Dante e santo Agostinho, Nietzsche, o
misticismo dos mestres zen, os exageros da correção política e os métodos do
treinador de futebol americano Knut Rockne.
Por trás dos exemplos que Steiner oferece há três
tipos de relação entre mestre e pupilo: rebelião ou traição por parte do aluno,
destruição deste pelo professor e a parceria, "desejosa" num sentido
espiritual, como marca do aprendizado.
Steiner teme que esses momentos transformadores de
comunhão entre aluno e professor desapareçam na chamada "era da
irreverência". "Alguma coisa que talvez seja insubstituível está
sendo destruída", lamenta. Ele teme, por exemplo, o "receio de chantagem"
que assombra os corredores universitários, onde professores homens [na Europa,
nos Estados Unidos] se sentem obrigados a manter as portas [dos seus ambientes] abertas quando conversam
com alunas.
Ele acrescenta que pode haver uma crise mais profunda
em ação. Hoje em dia, "as ciências humanas sofrem a pressão da dúvida
extrema. Elas não conseguiram barrar a barbárie de nosso tempo. Em vista dessa
atitude defensiva e do faro aguçado que os jovens têm para [identificar] o que
é espúrio e hipócrita, a relação entre mestre e aluno se tornou difícil".
O primeiro mestre foi seu pai. Steiner cresceu
sentindo-se à vontade com o francês, o alemão e o inglês. Aprendeu grego aos
seis anos para descobrir o que acontecia na "Ilíada". Sentiu pela
primeira vez a centelha do professor quando iluminou Joyce para seus colegas
estudantes da Universidade de Chicago. "Eu percebi que podia conduzir
outras pessoas a apreender o significado."
Para ele, o professor que ensina de maneira
honrada confia no aluno para que ele o supere. "Chega um momento em
que o discípulo dá adeus. Quando o professor intui: "Este jovem é mais
capaz do que eu, vai me ultrapassar". Acredite, essa é a recompensa
suprema."
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Tradução de Clara Allain.