"A variedade das nossas emoções torna claro
que cada ser humano guarda dentro de si os celeiros do contentamento e do
descontentamento: os jarros das coisas boas e más não estão depositados 'na soleira de Zeus', mas na alma. O néscio negligencia e desdenha as
coisas boas que lá estão porque a sua imaginação acha-se sempre voltada para o
futuro; o sensato, porém, torna os fatos pregressos vividamente presentes com o recordá-los. O presente oferece-se ao toque da nossa mão apenas por um instante
e logo nos ilude os sentidos; os tolos julgam que ele não é mais nosso, que não
mais nos pertence.
Há a pintura de um cordoeiro no inferno, com um asno a
engolir toda a corda feita por ele, à medida que ele a entretece; assim é a
multidão acometida e dominada pelo esquecimento insensato e ingrato, que apaga
cada ato, cada sucesso, cada experiência aprazível de bem-estar, de camaradagem
e de deleite.
O esquecimento não consente à vida desenvolver-se
unitariamente, o passado entretecido com o presente, mas separa o ontem do
hoje, como se fossem de diferente substância, e o hoje do amanhã, como se não
fossem o mesmo; transforma toda a ocorrência em não-ocorrência. A lógica do
sofista, que nega o princípio do desenvolvimento fundado em que o estar-se em
fluxo constante transformaria cada um de nós num outro ser, faz lembrar os
que não retêm nem acalentam o passado na memória, mas sim permitem que ele se
esvaia, tornando a vida desastrosa e vazia, dia por dia, e dependente do
amanhã, como se tudo o que ocorreu ontem e anteontem não tivesse ocorrido."
(Plutarco, in Do Contentamento)