Por Sérgio Salomão Shecaira
(Professor da Faculdade de Direito da USP)
Definitivamente o ministro
Alexandre de Moraes não é do ramo. Já foi presidente da CET (Companhia de
Engenharia de Trafego) e secretário municipal de Serviços e de Transportes de
São Paulo. Falta-lhe, no entanto, estofo para enfrentar o cotidiano do Ministério
da Justiça. Sua gestão permitia supor uma tragédia anunciada. E as tragédias
ocorreram.
Os avanços pontuais –e que não foram tantos– do
Ministério da Justiça foram destruídos. A nem tão progressista política de
drogas foi varrida pelas imagens de um ministro cortando pés de maconha e
declarando guerra às drogas.
Até a ONU está percebendo que tal guerra não está dando
muito certo. Basta ver o poderio econômico do tráfico no Brasil e no mundo. Se
o Brasil tem um dos maiores incrementos de população carcerária do planeta é
porque a guerra inunda os presídios. E não resolve o problema da criminalidade.
Bem ao contrário.
Políticas preventivas como o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania foram trocados por sinalizações repressivas. O
tradicional indulto de Natal, gestado pelo Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária, com trâmite pelo Ministério da Justiça e assinado pelo
presidente da República, ignorou o trabalho do conselho, que o elabora com
audiências abertas à comunidade jurídica.
Em sentido contrário à moderna política criminal, que vê
no indulto [um] instrumento de mitigação das dores do cárcere, fez-se tábula
rasa da proposta, apequenando o sentido do indulto, em demonstração evidente do
caráter repressor assumido pelo ministro. Ninguém foi poupado. Criminosos
comuns e até idosos, tetraplégicos e cegos tiveram indulto dificultado.
O Estado, avassalado pelo novo regime fiscal, parece
querer fazer caixa com o dinheiro de miseráveis. Extinguiu-se o indulto da pena
de multa, existente desde 2008.
Vá lá. Tudo isso seria
admissível na lógica da ideologia punitivista. O que não se admite, contudo, é
a pura burrice. Não permitir que se faça o encaminhamento do indultado ao
Sistema Único de Assistência Social, modelo de gestão criado pela lei 8.742/93,
é querer condenar o egresso do sistema à profecia da reincidência que se
autorrealiza.
Se ainda há quem acredite que o objetivo da pena é
mitigar a reincidência e reinserir o condenado na sociedade, o ministro da
Justiça conseguiu, de uma penada, dizer que o Estado deve perseguir até a morte
o criminoso. Javert não conseguiu fazer tanto com Jean Valjean.
Mas a responsabilidade do titular da Justiça é maior.
Falar em criminalidade organizada no Brasil, como se fosse algo nascido fora da
prisão, é ignorar a realidade. As facções criminosas nasceram entre nós como
uma resposta ao comando punitivo exacerbado dos cárceres.
Punir mais, como quer o ministro da Justiça, é querer
alimentar a insegurança dos cidadãos. E tem um custo muito alto (concursos,
treinamento etc.), que nosso Estado falido não consegue suportar.
Com a política de terra arrasada feita pelo ministro Alexandre
de Moraes, e com o número de mortos que excede ao massacre do Carandiru, ele já
ganhou seu lugar na história: é o Pedro Franco de Campos (secretário de
Segurança à época do massacre em SP) do governo federal.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 18/01/2016. Título original: 'Um governo do fim do mundo'.