Por Luis Nassif
Durante
vinte anos apontei as loucuras da política monetária do Banco Central,
consolidada a partir do plano Real. Os arquivos da Folha estão repletos de
colunas minhas apontando as inconsistências teóricas e práticas.
Aliás,
na pesquisa me dei conta de que, apesar dos artigos não terem sido banidos dos
arquivos da Folha, Otávio Frias Filho cometeu a mesquinharia de retirar meu
nome de todos os índices diários de matérias do jornal.
No
livro “Os Cabeças de Planilha” procurei mostrar – com base na semelhança
histórica do Encilhamento – como o conjunto de teorias levantadas pelos
economistas visava, no fundo, consolidar um novo tipo de poder (o financeiro) e
contribuir para o enriquecimento pessoal dos economistas, à custa de custos
enormes impostos ao país.
Prossegui
nessa cruzada em inúmeros artigos aqui no Blog.
Em
todos os momentos, sobressaiu a figura de André Lara Rezende, o mais brilhante
dos economistas do Real, responsável maior pela política de remonetização da
moeda, apesar de fora do governo na época – já estava em sua distribuidora
formando uma fortuna considerável.
Em
maio de 1995 – em pleno Real – passei a alertar para a quebradeira que estava a
caminho, devido às políticas monetária e cambial do Banco Central. Viajava
muito em palestras, e em todos os cantos vinham pequenos e médios empresários
assustados com a queda das vendas.
Nas
reuniões do Conselho da Folha alertei que a crise era dura. Otávio Frias
procurou se acalmar. Disse que tinha conversado com o Ministro da Fazenda Pedro
Malan e que no máximo o crescimento do PIB seria reduzido em 1 ponto
percentual.
Propus
um desafio: colocar algum repórter para telefonar para várias prefeituras do
interior, escolhidas aleatoriamente, e perguntar sobre a crise. À noite, no
interior do estado do Rio, para uma palestra, recebo telefonema de Frias,
assustado. O quadro levantado confirmava, de fato, o tamanho da vaga recessiva
que vinha pela frente.
Nesse
ínterim, André entra na discussão.
No
dia 22 de maio de 1995, no artigo “Os gurus e a retórica da meia
lógica”( https://goo.gl/kQrJGW) critiquei
duramente uma entrevista dele concedida à Folha:
Em
pouco tempo a manutenção dessa taxa de juros inviabilizará definitivamente o
ajuste fiscal e rapidamente tornará o passivo público superior ao conjunto de
estatais a serem privatizadas. E começará a se refletir rapidamente na
arrecadação fiscal. É só conferir como será a arrecadação de maio e junho.
A médio prazo, essa política não só não resolve, como aprofunda e
inviabiliza qualquer ajuste fiscal futuro.
No plano da balança comercial, a manutenção desses juros dizimará o que restou
de exportações de manufaturados. (...) Até agora as exportações de
manufaturados não desabaram completamente porque muitas empresas resolveram
bancar o prejuízo por algum tempo, para não perderem mercado lá fora, enquanto
aguardavam a reversão dessa loucura.
Com o acréscimo adicional de custos, provocado por essas taxas malucas, e
perdendo a esperança de uma reviravolta a curto prazo no cenário, a queda das
exportações de manufaturados passará a ser geométrica, com todo o componente de
quebradeira e desemprego. Em outros tempos, tinha-se recessão interna, mas
mantinha-se aberta a porta externa, minimizando seus efeitos. Agora, não. É
veneno na veia, direto.
(...) Se se mantém a atual política monetária e a atual banda cambial,
ganham-se alguns meses a mais de inflação baixa. E só. Em contrapartida,
joga-se o país em recessão profunda, aborta-se o movimento de modernização
registrado pela economia nos últimos anos, destrói-se a estrutura de
exportações de manufaturados e inviabiliza-se qualquer tentativa futura de
ajuste fiscal. Saque direto contra o futuro.
Como subproduto, dizima-se a estrutura produtiva, abrindo espaço para que esses
bancos de negócios, montados em dinheiro externo, e com suas engenharias
financeiras, entrem adquirindo companhias industriais grandes a preço de
banana, financiando-se nas taxas pagas pelos títulos públicos. Pequenas e
médias vão direto para a lata de lixo.
No
dia seguinte, na Folha, sob o título “Festival” (https://goo.gl/JBIAHJ),
André procurou desqualificar as críticas, por não estarem substanciadas nos
estudos acadêmicos, mas em meras observações empíricas:
“O
``policy entrepreneur" dá aparência de respeitabilidade conceitual a
demandas políticas de grupos de interesses. Sua argumentação segue uma linha
mestra: procura desqualificar o que preconiza a boa teoria por serem
raciocínios acadêmicos, que desconhecem a vida prática, a realidade. Jogam com
um preconceito tão profundamente arraigado quanto ignorante -mas de eterno
apelo para os homens práticos- de que o teórico é um sonhador desligado da
realidade. ``Homens práticos, que se crêem livres de toda influência
intelectual, são geralmente escravos de algum economista defunto". Sábio
Lord Keynes”.
“Em
economia, traçar a linha divisória entre as idéias sérias e a pseudociência é
muito mais difícil do que nas ciências exatas. Existe um campo fértil para a
formulação de doutrinas que são pura expressão de preconceitos populares, façam
eles sentido ou não. A demanda por teses politicamente vendáveis é
particularmente intensa em períodos de crise. Como viemos de uma década de
sérias dificuldades, temos sido um prato cheio para a ação dos vendedores de
idéias e planos.
Mas nos últimos dias, confesso, há muito não ouço e leio tal festival de
bobagens conceituais vendidas como a realidade prática em oposição à
inflexibilidade acadêmica”.
Em 26
de maio de 1995, com o artigo “D. Sebastião e a reunião de Carajás” (https://goo.gl/mHaEC6) rebati:
“Hoje
há uma multidão de neo-sebastianistas -basicamente lotados na imprensa- que
acredita piamente que, dia desses, um economista yuppie descerá diretamente de
Carajás, em seu Porsche de corrida, para preparar a revanche do Cruzado.
A grande maldição dos anos 80 não foi Sarney, nem a classe política. Foi a
superficialidade dos pacotes econômicos e a mística que envolveu os pacoteiros.
(...)Quando
se preparou a troca de moedas do real, todas as avaliações indicavam que se
tinha o melhor conjunto de circunstâncias favoráveis na economia para um plano
de estabilização. Confira:
1)
Maior nível de reservas cambiais da história -possível apenas depois que o
economista Ibrahim Eris reformulou a política cambial brasileira. 2) Uma
economia aberta e superavitária -a partir da reestruturação do comércio
exterior e de um programa de abertura planejada da economia. 3) Uma economia desregulamentada
-depois do fim da reserva de mercados e de um sem-número de restrições à livre
competição. 4) Empresas brasileiras reestruturadas e ingressando firmemente em
projetos de modernização -processo iniciado com o Plano Brasileiro de Qualidade
e Produtividade (PBQP) e com as câmaras setoriais. 5) Programas de investimento
em quase todos os setores -assegurados pela manutenção das regras do jogo por
quatro anos. 6) Relativo consenso sobre reformas fundamentais. 7)
Equacionamento da dívida interna, ainda que às custas da violência do bloqueio
dos cruzados.
Com toda essa enorme agenda, em 20 anos tudo o que nossos gurus lograram
produzir foram estudos recorrentes sobre troca de moedas -a parte mais
espetaculosa e superficial de um plano.
Com
apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com
sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial,
tem-se: 1) O país em nova crise cambial. 2) A volta de alíquotas
superprotetoras em muitos setores. 3) Crescimento exponencial da dívida
interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal. 4) Uma multidão de
empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e
programado investimentos.
Mesmo
assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um
frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.
Todo
o ouro de Carajás não vai pagar o custo dessa aventura.
A
revisão acadêmica
Vinte
anos de juros elevadíssimos promoveram o mais profundo processo de concentração
econômica da história, que praticamente consumiu todos os excedentes
orçamentários que poderiam ter sido investidos na infraestrutura, em educação,
saúde, na economia real. A diferença entre o Brasil que é e a potência que
poderia ter sido está nos trilhões desviados do orçamento para pagamento de
juros.
E,
agora, o principal formulador das políticas monetária e cambial do plano Real,
André, escreve um artigo em tom acadêmico aceitando que todas as críticas
contra essa loucura estavam corretas. Em “Juros e conservadorismo intelectual”
(https://goo.gl/QJOdjT) dá
a mão à palmatória, trata como mero conservadorismo acadêmico erros intencionais
que praticamente destruíram o futuro do país. E traz as últimas novidades da
teoria econômica:
·
Taxas de juros elevada não combate inflação, pelo contrário: além de não afetar
a demanda, sinaliza para o mercado que o Banco Central está apostando em
inflação mais elevada.
·
Taxas de juros elevadas pressionam as contas públicas, aumentam o déficit
nominal, obrigando o governo a cortar mais ainda as despesas primárias e, desse
modo, impactando o nível de atividade; do outro lado atraem dólares apreciando
o câmbio e reduzindo preços de importados, à custa de desequilíbrios de monta
nas contas externas. Assim, o controle da inflação se faria de forma torta, com
enormes sequelas na economia.
·
Taxa de juros mais baixa não é inflacionária. Essa conclusão tardia do André –
fundada nas últimas “descobertas” da fronteira do conhecimento econômico –
derrubam essa baboseira de que Dilma Rousseff derrubou a taxa de juros sem ter
condições e isso provocou mais inflação.
As
constatações empíricas
No
artigo “O padrão sangria na política Monetária” (https://goo.gl/JUQ9g5) de 3
de fevereiro de 2012, aqui no Blog, mostrava que era mínimo o efeito da
política monetária sobre a demanda através do mercado de crédito.
“Por
exemplo, um bem de R$ 1.000,00, por 36 meses a taxa de 3% ao mês (42,6% ao ano)
resultará em uma prestação de R$ 45,80. Um aumento de 1 ponto na Selic (que
provoca comoção nacional), se repassado para o financiamento, resultará em uma
prestação de R$ 46,21. Um aumento de 3 pontos na Selic anual resultará em uma
prestação de R$ 47,03. Pergunto: impactará a decisão de compra do consumidor?
Evidente que não. Portanto, o efeito do canal de crédito é inexpressivo”.
Também
era mínimo o efeito sobre o custo dos estoques das empresas. Tão pequeno que
elas repassariam o custo para o produto final, a manteriam os estoques no mesmo
nível:
Por
outro lado, mostrava um efeito perverso sobre a oferta (o aumento de
investimentos):
“Suponha
um investimento de R$ 1 milhão, com uma taxa anual de retorno de 10% e um prazo
de 10 anos para amortização. O fluxo de caixa terá que ser de R$ 162,7 mil por
ano para amortizar o investimento em 10 anos (sem considerar o valor residual).
Se a taxa aumenta 3 pontos, o prazo de retorno aumenta para 14 anos. É evidente
que ocorre um corte em todos os investimentos que proporcionem um retorno
inferior.
É
uma lógica maluca. A política monetária atua sobre a demanda visando corrigir o
descompasso com a oferta. Em vez de aumentar a oferta, a política monetária a
reduz, através da inibição dos investimentos.
Só
o país da jabuticaba para aceitar essa lógica”.
Finalmente,
impactava tremendamente os investimentos públicos:
“Aumenta
a Selic. Há uma pressão adicional sobre as contas públicas e sobre a relação
dívida/PIB. Para contrabalançar, exige-se um aumento do superávit primário.
Cortam-se investimentos públicos e, com isso, reduz-se a demanda agregada.
Depois,
alega-se que o país não pode crescer (e tome juros altos para segurar o
crescimento) porque não tem infraestrutura adequada”.
No
dia seguinte, no artigo “A ficção da política monetária”(3/02/2012) (https://goo.gl/OvTxKc) analiso
o impacto da Selic sobre os estoques das empresas. Mostrava mostrava que cada
ponto da Selic (que tem um impacto de quase R$ 100 bilhões no orçamento
público) impactaria em 0,1% o custo final do produto, variação ínfima.
No
artigo “Para entender a planilha do BC” (29/02/2012) (https://goo.gl/bKDOmW) mostro
a irracionalidade do mercado tentando calcular a taxa de juros de equilíbrio
(aquela que manteria os preços equilibrados) e o conceito do PIB potencial (o
crescimento possível, dadas as vulnerabilidades da economia)
“Quais
seriam os mecanismos que estabeleceriam essa correlação entre Selic e PIB
potencial ou Selic e metas inflacionárias?
Se
existirem, são os mais tortos possíveis, um método que, na medicina, poderia
ser comparado às velhas sangrias para reduzir a pressão do doente.
Assim:
1.
O PIB está supostamente crescendo acima do PIB potencial. Isto é, a produção
interna está acima da capacidade produtiva.
2.
Aumenta-se a Selic.
3.
O único efeito da Selic é reduzir os investimentos privados. Então, em vez de
aumentar a oferta para equilibrar a oferta com a demanda, faz-se o contrário:
um movimento para derrubar a demanda através da redução dos investimentos, que
poderiam garantir a melhoria do PIB potencial. Desestimula-se o investimento
produtivo para reduzir a demanda imediata - método mais anacrônico que a
sangria.
Um
segundo processo, mais daninho ainda, é o seguinte:
1.
Aumenta-se a Selic. Com isso há um aumento da dívida pública, dos juros a serem
pagos, exigindo maior superávit primário para contrabalançar.
2.
Para aumentar o superávit, o governo corta despesas com saúde, educação, com
investimento. Com isso, derrubam a atividade produtiva, desaquecendo a
economia.
Se
esses dois movimentos fossem explicados nos Estados Unidos ou na Alemanha,
seriam motivo de risos”.
No
Brasil, a tragédia não provoca risos. Agora, André joga fora as velhas ideias.
Mas conserva os ricos frutos da árvore envenenada.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/os-cabecas-de-planilha-jogam-a-toalha-mas-preservam-os-frutos