quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A economia e o dia a dia da população: realidades e horizontes

Por Laura Carvalho 
(Faculdade de Economia - USP)

O corte de 0,75 na taxa básica de juros na mais recente reunião do Copom sugere que o Banco Central adotará, de agora em diante, uma posição mais condizente com o estado em que se encontra a economia brasileira.
Há um ano, já estava claro que, passado o choque inflacionário causado pelo reajuste dos preços administrados que vinham sendo represados (e.g. combustíveis e energia elétrica) e sem que houvesse um novo choque cambial, a inflação convergiria inevitavelmente para a meta.
O efeito desinflacionário da enorme capacidade ociosa da indústria e do desemprego galopante era mencionado até nas próprias atas do Copom, que mesmo assim continuou elevando a taxa de juros real.
Com a inflação dentro da meta, o desemprego ainda crescente, o forte endividamento do setor privado e a redução das projeções de crescimento para 2017, se o Banco Central ainda resistisse em afrouxar a política monetária, estaria rasgando até mesmo o mais ortodoxo dos manuais de macroeconomia e assumindo que tem outros objetivos. Felizmente não o fez.
O que causa espanto, no entanto, é que o governo Temer celebre a redução da taxa de juros e da taxa de inflação como indicadores econômicos que sinalizam o fim da crise.
Na ausência de choques em preços de alimentos, taxa de câmbio, preços administrados ou outros elementos que afetam os custos dos produtores, é de esperar que, quanto maior o desemprego, menor o crescimento dos salários e menor a taxa de inflação.
Essa relação negativa entre desemprego e inflação é chamada de Curva de Phillips na macroeconomia, devido às evidências apresentadas pelo economista neozelandês William Phillips em 1958. Inflação mais baixa e taxa de juros em queda são, portanto, sintomas do desemprego alto e da crise econômica profunda vivida pelo país.
Atribuir o ônus do desemprego ao governo Dilma e o mérito da inflação baixa ao governo Temer deixaria Phillips um pouco confuso.
Sendo assim, a pergunta mais relevante no contexto atual talvez seja: a redução da taxa de juros será suficiente para nos tirar do buraco em que estamos?
O enfrentamento da crise econômica brasileira deve se dar em duas frentes simultâneas. De um lado, é necessário resolver um problema de fluxo: famílias e empresas estão vendo seus rendimentos cair. No velho círculo vicioso da falta de demanda, o desemprego maior e a queda de salários prejudicam as vendas e os lucros das empresas, que investem menos e demitem mais.
A saída está em uma injeção autônoma de demanda na economia, que, se não vier de fora com exportações maiores, tem de vir dos investimentos do Estado. Infelizmente, a PEC 55 afastou do horizonte essa última possibilidade.
Além disso, há um problema de estoque: empresas e famílias estão endividadas, e o pagamento dessas dívidas absorve boa parte dos fluxos de renda existentes.
A redução da taxa de juros pode ajudar a aliviar a parcela que tem sido destinada ao pagamento de dívidas.
No entanto, o nível atual de endividamento exigiria medidas mais drásticas, tais como a sua renegociação. A má vontade do governo com os bancos públicos pode tirar também essa possibilidade do mapa.
Parece claro que a redução da taxa de juros é uma condição necessária para que deixemos de cavar o fundo do poço da recessão, mas não é condição suficiente para uma retomada. O caminho é longo. É sempre bom remover ao menos um obstáculo.

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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 26/01/2017. Título original: 'Banco Central fez as pazes com a realidade'.