Por Laura Carvalho
(Faculdade de Economia - USP)
O corte de 0,75 na taxa básica de juros na mais recente
reunião do Copom sugere que o Banco Central adotará, de agora em diante, uma
posição mais condizente com o estado em que se encontra a economia brasileira.
Há um ano, já
estava claro que, passado o choque inflacionário causado pelo reajuste dos
preços administrados que vinham sendo represados (e.g. combustíveis e energia
elétrica) e sem que houvesse um novo choque cambial, a inflação convergiria
inevitavelmente para a meta.
O efeito
desinflacionário da enorme capacidade ociosa da indústria e do desemprego
galopante era mencionado até nas próprias atas do Copom, que mesmo assim
continuou elevando a taxa de juros real.
Com a
inflação dentro da meta, o desemprego ainda crescente, o forte endividamento do
setor privado e a redução das projeções de crescimento para 2017, se o Banco
Central ainda resistisse em afrouxar a política monetária, estaria rasgando até
mesmo o mais ortodoxo dos manuais de macroeconomia e assumindo que tem outros
objetivos. Felizmente não o fez.
O que causa
espanto, no entanto, é que o governo Temer celebre a redução da taxa de juros e
da taxa de inflação como indicadores econômicos que sinalizam o fim da crise.
Na ausência
de choques em preços de alimentos, taxa de câmbio, preços administrados ou
outros elementos que afetam os custos dos produtores, é de esperar que, quanto
maior o desemprego, menor o crescimento dos salários e menor a taxa de
inflação.
Essa relação
negativa entre desemprego e inflação é chamada de Curva de Phillips na
macroeconomia, devido às evidências apresentadas pelo economista neozelandês
William Phillips em 1958. Inflação mais baixa e taxa de juros em queda são,
portanto, sintomas do desemprego alto e da crise econômica profunda vivida pelo
país.
Atribuir o
ônus do desemprego ao governo Dilma e o mérito da inflação baixa ao governo
Temer deixaria Phillips um pouco confuso.
Sendo assim,
a pergunta mais relevante no contexto atual talvez seja: a redução da taxa de
juros será suficiente para nos tirar do buraco em que estamos?
O
enfrentamento da crise econômica brasileira deve se dar em duas frentes
simultâneas. De um lado, é necessário resolver um problema de fluxo: famílias e
empresas estão vendo seus rendimentos cair. No velho círculo vicioso da falta
de demanda, o desemprego maior e a queda de salários prejudicam as vendas e os
lucros das empresas, que investem menos e demitem mais.
A saída está
em uma injeção autônoma de demanda na economia, que, se não vier de fora com exportações
maiores, tem de vir dos investimentos do Estado. Infelizmente, a PEC 55 afastou
do horizonte essa última possibilidade.
Além disso,
há um problema de estoque: empresas e famílias estão endividadas, e o pagamento
dessas dívidas absorve boa parte dos fluxos de renda existentes.
A redução da
taxa de juros pode ajudar a aliviar a parcela que tem sido destinada ao
pagamento de dívidas.
No entanto, o
nível atual de endividamento exigiria medidas mais drásticas, tais como a sua
renegociação. A má vontade do governo com os bancos públicos pode tirar também
essa possibilidade do mapa.
Parece claro
que a redução da taxa de juros é uma condição necessária para que deixemos de
cavar o fundo do poço da recessão, mas não é condição suficiente para uma
retomada. O caminho é longo. É sempre bom remover ao menos um obstáculo.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 26/01/2017. Título original: 'Banco Central fez as pazes com a realidade'.