quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Esculpido na mente muito além da consciência; 'A Chave de Casa'

Segue aí abaixo uma breve recensão sobre, em minha perspectiva, o significativo filme italiano Le chiavi di casa ('A Chave de Casa'). É marcante também no filme, a meu ver, a presença da obra da brasileira Virgínia Rodrigues (com a música Deus do Fogo da Justiça), demonstrando assim o seu êxito internacional - enquanto, no Brasil, permanece relativamente desconhecida. A boa música por aqui tem sido devorada por outras coisas; de resto, ainda é capaz de Virgínia ser acusada (em tempos de intolerância como os que vivemos) de "apologia a cultos africanos em detrimento do cristianismo". Mas segue a nossa Cesária Évora com o seu trabalho. Está esculpido na mente muito além da consciência. Ao fim da recensão, segue a referida música. 


Por Demetrius Caesar

É cada vez mais raro, no cinema atual, ver um filme como o italiano A Chave de Casa: um assunto difícil tratado sem os apelos melodramáticos de sempre e sem as famosas e inevitáveis adaptações ao grande público. Isso significa que não há final feliz, não há solução definitiva para os problemas, a angústia predomina. Enfim, um filme para pensar, e não os choramingas regados a violinos e mensagens edificantes que Hollywood insiste em perpetuar.
A cena inicial dá o tom do filme. Ao ver um homem acompanhando um menino deficiente físico no hospital para tratamento, a personagem de Charlotte Rampling diz: “Que estranho ver um pai por aqui; geralmente esse serviço porco quem faz é a mãe”.
Charlotte brilha intensamente no filme como a mãe de uma deficiente que cuida de sua filha há 20 anos. Ela avisa: não haverá compensações por essa dedicação. Ninguém dará crédito, nem mesmo o filho especial.
‘As Chaves de Casa’ conta a história de um pai que abandona o filho por ter matado a mãe no parto. O tratamento a que está submetido, num hospital da Alemanha, não surte efeito justamente porque o pai não está presente. Os dois se encontram forçosamente. Não será fácil.
Só é um excelente filme porque o diretor, Gianni Amelio, atuou no diapasão da sobriedade. A aproximação do pai e do filho, revelando as deficiências não somente físicas dos dois, é emocionante. Nem mesmo no terço final, quando a distância abissal entre eles mostra-se insuperável, não há tampouco redenção.
Se resta alguma certeza, após ver o filme, é a de que aceitar um futuro nem brilhante nem alegre para os filhos e para si mesmo parece não fazer parte do ser humano. Por isso, talvez, algumas cenas são tão dolorosas, e a culpa que consome o pai atrapalha ainda mais.
Os créditos finais sobem ao som de Virgínia Rodrigues, a cantora brasileira, interpretando a belíssima “Deus do Fogo da Justiça”.



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Fonte: http://www.cineplayers.com/critica/as-chaves-de-casa/678