Por Jean Biarnés
1. ILETRISMO OU "LETRISMO A-FUNCIONAL"?
A partir do momento em que a Reforma de Lutero e
Calvino estabeleceu que não haveria mais necessidade de intermediários entre o
texto de um livro sagrado e seu destinatário, a letra passou a associar-se a
todos os atos da vida. Desde essa época, por exemplo, o artista assina sua tela
e lhe dá um título! Hoje, nas sociedades do Norte industrializado, tudo é
letra. A irrealidade da imagem só se torna realidade quando a letra está
presente, sobre ela, dentro dela ou à volta dela, para situá-la em um contexto,
para defini-la dentro de limites, para, em suma, dar-lhe sentido. Somos todos,
a cada momento, solicitados por slogans, textos publicitários, injunções,
conselhos escritos. Em 1990 editou-se na França perto de um milhão de
publicações por dia e fala-se de iletrismo, isto é, de situações em que certas
pessoas estariam "fora da letra"?
Queira-se
ou não, cada um de nós tem de construir uma relação com a letra e, portanto,
constrói-se, em parte, nessa e através dessa relação. Neste sentido somos todos
letrados. O iletrismo, conceito puramente francês, não pode ser, senão, um
conceito vazio. Com
exceção de patologias como o autismo, não é a existência ou a não-existência
dessa relação que está em questão, mas a sua "funcionalidade"1.
O conceito internacionalmente reconhecido de "analfabetismo
funcional", compreensível tão somente se referido à cultura
norte-americana, que associa sempre um nível de competência em leitura em
função dos anos de escolarização, não é mais satisfatório. Como o iletrismo, ele
situa o problema apenas na busca (e, portanto, no tratamento) das
"falhas" de que seria portadora uma pessoa nas suas capacidades de
utilizar-se da letra 2.
Mas como apreender essas "falhas" de competências quando é sabido que
construímos todos nossa relação com a letra numa funcionalidade heterogênea, isto
é, com funcionalidades parciais ligadas à nossa história, nosso meio, nossos
interesses pessoais e profissionais, nossa cultura no sentido antropológico do
termo, nossas subculturas de grupo 3 e 4. A funcionalidade
total em termos de leitura é, no melhor dos casos, um mito de onipotência, no
pior, um delírio 5.
Como
ninguém está "totalmente fora da letra, nem totalmente dentro", o
problema consiste em compreender a ou as funcionalidades que construímos em
nossas relações com a letra. Fica, então, evidente, e hoje as estatísticas o comprovam6 , que alguns de nós damos a essa
relação uma funcionalidade "externa" quase nula. Falamos de
"funcionalidade externa", pois essa "a-funcionalidade"
situa-se nas relações de comunicação, nas relações com o outro. Inversamente,
no "interno", isto é, na economia psíquica do sujeito, essa relação
"a-funcional externa" com a letra é altamente significante, e mesmo
altamente funcional. Para substituir os conceitos de iletrismo ou de
analfabetismo funcional, propomos falar de "letrismo a-funcional".Essa mudança de conceito é importante, pois, enquanto o iletrismo
e o analfabetismo funcional "estigmatizam"7 a pessoa, fazendo dela a única
portadora de uma anormalidade, de falhas, o conceito de "letrismo
a-funcional" nos induz a considerar o problema como parte de um amplo
sistema de significações diversas que "o sujeito, em relação com o seu
meio", atribui à sua própria relação com a letra. Uma dessas significações
levou-o a construir uma a-funcionalidade da letra em suas relações com o outro.
Toda ação pedagógica, quer seja de escolarização inicial ou de formação de
adultos, necessita então ser repensada, pois não se trata mais de métodos
próprios para preencher lacunas, mas de reconstrução de sentidos. É exatamente
o que nos dizia uma pessoa de cinqüenta anos, terminando sua reaprendizagem da
leitura, ao responder à nossa pergunta sobre o que havia sido determinante, no
seu caso, para a reaprendizagem:
"no início do estágio, a responsável falou comigo de
literatura!"
Essa
resposta contém, ao mesmo tempo, a questão da funcionalidade da letra e a das
condições para a construção daquela funcionalidade que chamaremos de
"palavra que traça um destino".
2.
DA VOZ À LETRA: A QUESTÃO DO JOGO PARA A EMERGÊNCIA DO SENTIDO
Nas
culturas do Norte, é ainda na condição de feto que o filhote de homem recebe um
nome na palavra dos adultos do seu meio. Nas culturas tradicionais de tipo
oral, será preciso esperar pelos ritos de apresentação à comunidade, isto é,
pelo "nascimento cultural" da criança, para que a palavra dos adultos
a nomeie como pertencente a uma linhagem, como ligada a um ancestral. É, então,
no meio do ruído das vozes que o cercam, que tudo começa para o filhote de
homem. Do primeiro grito ao primeiro "Eu", é entre diferentes vozes
que a criança vai poder afirmar sua presença como sujeito. A voz da criança
está já no grito que adquire sentido porque a voz dos adultos não abafa essa
emergência, porque a voz dos adultos está, por algum tempo, ausente. Enquanto a
voz do outro não deixar um vazio para a voz da criança, esta será apenas grito.
É "a criança-grito", o autista que não pode vir-a-ser porque o outro
o colocou num lugar onde nenhum jogo de vozes é possível (caso, por exemplo, da
criança concebida para substituir um irmão morto).
Quando
há vazios nas vozes que a cercam, a criança usará sua voz, dando-lhe sentido e
fazendo-a tornar-se palavra. A palavra está presente para preencher o vazio,
para dar-lhe um nome, para colocar um objeto onde só haveria um não-objeto. A
palavra é isso: é o objeto de um não-objeto. Trata-se, então, de um objeto a
ser sempre recriado, o que implica que o ser não é ser, é vir-a-ser, é ter de
ser. A palavra é realmente uma propriedade do sujeito humano que, em estado de
vir-a-ser vai dispondo por aí as palavras a fim de estar sempre criando outras.
A palavra preenche o vazio entre mim e o outro, criando os objetos do nosso
encontro. Do grito à voz, da voz à palavra, da palavra à letra, trata-se do
mesmo processo. Mas, se a palavra é "para o outro presente", a letra
é para o "outro ausente". A letra me permite encontrar o outro,
encontrar a alteridade e, sobretudo, construir "meu outro" em mim. A
letra, objeto do outro se a leio, objeto para o outro se a escrevo, é um
espelho mágico que me permite reconhecer-me, descobrindo-me outro. O problema
do acesso à leitura, como o da iniciação à escrita, está aí. Para que, pela
letra, eu possa conhecer-me outro, é necessário que eu possa antes reconhecer-me
nela. Se sou obrigado a reconhecer nela o outro que eu deveria ser, antes de me
reconhecer a mim próprio, encontro-me mergulhado num non-sens, num delírio5. É o
problema da aprendizagem da leitura (letras do outro) quando não houve antes
iniciação à escrita (minhas letras – cartas – para o outro). É o problema da
alfabetização numa língua diferente da materna, é o problema dos
"métodos" de leitura, sejam quais forem, quando, em vez de serem uma
ferramenta a serviço do aprendiz, fazem dele o objeto de uma ideologia
pedagógica. Tudo o que o aluno pode fazer é, então, aderir ao espelho oferecido
da letra, sem nele se reconhecer. Essa aderência anula todo espaço de jogo e,
impedindo então de se ver outro, impede o acesso a qualquer funcionalidade da
letra, ou então cria uma funcionalidade mínima que logo se perderá.
3.
A LETRA: ESPELHO ONDE DEVO RECONHECER-ME PARA NELE ME RECONHECER OUTRO
Frank,
na opinião de todos os professores que o conheciam, era uma criança muito
inteligente. O pai era oficial da marinha mercante e a mãe cuidava das crianças
no lar. Eles desejavam que Frank freqüentasse bons cursos e tinham feito tudo
para que iniciasse a pré-escola um ano antes da idade normal. Entretanto,
depois de dois anos de curso, Frank ainda não sabia ler. A equipe de orientação
colocou-o pela terceira vez na mesma classe, mas com uma professora jovem, que
não escondia o seu entusiasmo pelos "novos métodos" de aprendizagem
da leitura. Para ela, era uma questão de honra conseguir sucesso aplicando esses
métodos, ali onde os "antigos" (métodos e mestres juntos) tinham
fracassado. Ao fim de quinze dias, durante uma aula de leitura, Frank agrediu-a
com uma cadeira. Embora sendo um menino "inteligente e de boa
família", não dava mais para deixá-lo numa classe normal. Foi integrado a
uma classe especial que funcionava em regime de pedagogia institucional. Muito
interessado na oficina de "teatro e fantoches", teve logo de
enfrentar a rejeição dos colegas da mesma oficina. Isso porque as crianças
haviam resolvido criar uma peça de teatro de fantoches e queriam apresentá-la
para as outras classes, a fim de recolher algum dinheiro, contribuindo assim
para o projeto coletivo da classe, que era de passar oito dias num parque
natural do sul da França. Já tinham começado a escrever a peça quando disseram
a Frank: "Frank, pode ir dando o fora, você não sabe escrever, não
precisamos de você!"
Após
dois dias de prostração, Frank procurou seu professor e lhe disse:
"Diga aí, quando é que você vai me ensinar a ler?"
Com
um método clássico, silábico, como instrumento de apoio, Frank
"aprendeu" a ler em um pouco menos de dois meses.
A
"não-funcionalidade" de sua relação com a letra foi a forma
encontrada por Frank para dizer a seu pai, constantemente ausente, mas
perpetuamente presente através das ordens escritas que deixava a cada um dos
membros da família: "não sou um objeto seu, sou um sujeito com vontade
própria, a prova é que me recuso a ir aonde você quer que eu fique!" O
"forcing" metódico praticado pela professora do C. P. foi para Frank
de uma violência extrema, pois levava-o a perder sua relação a-funcional com a
letra, e, portanto, a não poder mais impor-se como sujeito em relação ao pai. À
violência simbólica, ele respondeu com a violência dos atos.
Nessa
dupla imposição do sentido da letra, a do pai: "você vai ser como eu
quero" e a da professora: "você vai ser como o método me diz que deve
ser", Frank não podia reconhecer-se. Na classe especial ele descobriu uma
relação inversa com a letra. Para não ser o objeto que seus colegas podiam pôr
"para fora" e continuar sendo sujeito da história em que se havia
inscrito, precisava construir uma relação funcional com a letra. Nesse
contexto, construir uma relação funcional com a letra era reconhecer-se como
sujeito com vontade própria, um sujeito em vir-a-ser.
A escolha para ele foi difícil, como é difícil para qualquer
criança quando um dia precisa escolher entre a palavra (oralidade materna) e a
escrita (a ordem paterna do mundo)8.
Se Frank abandonou sua relação a-funcional com a letra, construindo uma outra
realmente funcional, foi porque um certo número de condições estava presente no
seu ambiente. É o que tentaremos mostrar no último parágrafo.
Pauline
também era uma menina inteligente, mas não conseguia aprender a ler. Os
professores diziam que quando ela conseguia dar um passo à frente, dava sempre
dois para trás. Nenhum deles compreendeu o que acontecia com ela, pois pertencia
a uma família de classe "média" (o pai era funcionário municipal),
"unida", não "oriunda da imigração". Só o irmão mais velho
tinha apresentado o mesmo problema, mas ele não manifestava o mesmo desejo que
Pauline de aprender.
Os
psicólogos consultados tinham emitido o diagnóstico de "inibição
intelectual", o que nada explicava, mas dizia claramente aos professores
que podiam sentir-se livres de qualquer "responsabilidade" quanto à
relação a-funcional com a letra que Pauline construía. Felizmente um professor
rebelou-se contra o determinismo que destinava Pauline diretamente a uma classe
especial. Percebeu-se então que as normas familiares estimulavam a dependência
à mãe, a indiferenciação entre as pessoas, o espírito de clã. A mãe,
efetivamente, "ameaçava" deixar de amar aquele ou aquela (tanto
marido quanto filhos) que não fosse como ela desejava. Não admitia que um filho
fizesse passeios com a escola, muito menos excursões pedagógicas de vários
dias: "devemos ficar todos juntos", dizia, e tinha dificuldade em se
separar das crianças quando as levava para a escola, de manhã.
A
escola, por sua vez, estabelece a funcionalidade da relação com a letra como
fundamento do sucesso individual e o acesso a valores como a autonomia e a
necessária competição. Como poderia Pauline se reconhecer nessa relação
simbólica da escola com a letra? Como poderia ela construir uma relação de
funcionalidade com a letra, senão se colocando em estado de "traição"
para com a cultura familiar? Qual era o preço a pagar por uma traição dessas?
Como um educador poderia ajudar um aprendiz, criança ou adulto, a negociar essa
traição obrigatória?
4.
LETRAS E TRANSCULTURAÇÃO DO SER
(...) ler é isso: dar minha voz ao estranho silêncio das letras
estrangeiras; ler é isso: passar meu ser do lado do outro, fazer renascer a
alteridade por meio da minha voz, da minha vida mesmo, e dessa operação
maiêutica, eu mesmo nasço , torno-me outro, faço-me ser ‘nascer’ dando origem
ao outro.
Ler é verdadeiramente fazer ser do não-ser e não ser meu ser para
ser.9
Construir
uma relação de funcionalidade com a letra é ser em vir-a-ser. Mas ser em
vir-a-ser implica um duplo movimento: abandonar o presente e construir o
futuro, "fazer não ser o meu ser e ser um não-ser". Ora, hoje,
estamos em período de revolução cultural. Os avanços tecnológicos e
científicos, em um século, transformaram o mundo e as relações do homem com seu
meio como jamais a humanidade o fizera desde a noite dos tempos. A rapidez
dessas transformações apresenta um duplo perigo para o homem: não entender mais
nada do que acontece no mundo, e, portanto, não ter mais referências
suficientes para se projetar num futuro próximo, para fazer "ser do
não-ser", ou, então, em conseqüência disso fechar-se no atual, num
universo limitado, imobilizar-se, isto é, unicamente "ser", sem nunca
mais poder fazer "não ser o meu ser" para me transformar. Nessas
condições, o acesso à leitura, à letra do outro, da mesma maneira que à
escrita, minhas letras para o outro, não tem mais sentido, pior ainda, torna-se
perigoso, pois isso me obrigaria a me transformar sem dispor dos meios para
isso. A letra continua presente, mas de forma deficitária e totalmente
narcísica, já que traz apenas o espelho de "mim mesmo".
Por
ocasião de uma oficina de redação num estágio com jovens de 16 a 18 anos,
estudamos os textos que produziram, particularmente os textos que versavam
sobre o tema da pessoa que cada um gostaria de encontrar, e que não se
encontra. Poderíamos esperar a descrição de estrelas, esportistas famosos,
enfim, pessoas que poderiam encarnar modelos de identificação para esses
adolescentes que costumam colecionar em fotos e posters. Em vez disso, um
grande número de textos remetem a "você é exatamente a réplica de mim
mesmo", como diz um dos trabalhos. Isso nos mostra a que ponto os jovens
de hoje são confrontados com o "silêncio do mundo", como dizia Albert
Camus. Os adultos estão dramaticamente ausentes do ambiente desses jovens
enquanto modelos de como se tornar outro. É verdade que os adultos se encontram
numa quase total incapacidade de projetar-se num futuro próximo. Assim é que certos
grupos sociais e particularmente os jovens "desligam-se"10 dessa evolução cultural excessivamente
rápida. Isolados num espaço-tempo sem futuro, a letra não tem para eles razão
de ser e as aprendizagens escolares, especialmente as que dizem respeito à
funcionalidade da letra, tornam-se cada vez mais precárias e destinadas a um
rápido esquecimento.
Mas
evitemos os equívocos: a funcionalidade da letra não é saber preencher o
formulário da Previdência, ou saber responder ao questionário da assistente
social ou da apostila do professor. Propor esse tipo de exercício em um estágio
de formação ou na escola, é umnon-sens, se o exercício não servir de
estímulo à leitura do livro. A funcionalidade da letra é ser capaz de descobrir
o segredo contido no livro! Só se aprende ou se reaprende a ler nos livros! Foi
isso exatamente que nos mostrou aquela pessoa que tinha "falado de
literatura" com sua professora. Só a letra do livro pode deslocar o
sujeito de sua aderência ao espaço-tempo de seu meio, daquela "imagem do
mesmo" e abrir então o espaço do jogo onde a letra tem sentido.
A partir de uma pesquisa-ação em vários D.S.Q.11 da periferia sul de Paris, trabalhamos
com um grupo de jovens que haviam participado do saque a um híper-mercado
durante várias noites seguidas. Descobrimos, então, que esses jovens estavam
isolados no universo limitado do bairro, sem saber como ir a outros lugares,
nem mesmo ao bairro vizinho. A urbanização dos anos 60, com construções sobre
lajes e ruas subterrâneas, obriga a reconhecer referências espaciais
específicas do bairro. Quando tínhamos uma reunião com as associações desse
bairro impressionava-nos a dificuldade das pessoas em nos indicar o caminho
para chegar até elas. Invariavelmente a explicação terminava assim:
"Venham até a prefeitura, ou até o centro comercial, e de lá é só
telefonar, que iremos buscá-los". Pudemos compreender melhor no dia em
que, saindo de uma associação de prevenção contra a toxicomania, com um
educador que acabava de explicar que passava três quartos de seu tempo de
trabalho com os jovens na "rua", fomos abordados por um pintor de
parede que nos perguntou onde ficava a rua Meuse: "Comecei meu trabalho
hoje cedo, disse ele, acabo de ir comer um sanduíche e não consigo mais
encontrar a obra. No entanto, passei por aqui de manhã, posso reconhecer o
edifício mas não encontro mais a rua".
Como
o educador foi incapaz de dar a informação, manifestei minha surpresa, pois ele
acabara de me dizer que trabalhava pelo menos três quartos do tempo nas ruas do
bairro.
Mas aqui, respondeu, os nomes das ruas não servem para nada, as
ruas ficam embaixo. Aqui as pessoas se orientam somente em função dos blocos ou
dos prédios mais peculiares como a prefeitura ou o centro comercial. Os jovens
aprendem somente uma forma de orientar-se nas ruas, forma que é intransferível
para o bairro vizinho.
O diretor do centro comercial falou-nos também de modo
"peculiar": "Eu mesmo não estava aqui quando aconteceram os
fatos, eu era gerente do mesmo super-mercado no Rio de Janeiro. Lá, a loja
ficava na fronteira entre dois mundos, o dos privilegiados e o das favelas,
daqueles que não têm nada. Para garantir a segurança da minha loja foi preciso
negociar com os representantes morais das diferentes comunidades. Foi por causa
dessa experiência que me mandaram para cá, pois encontrei aqui os mesmos
problemas de uma sociedade vivendo em dois ritmos diferentes, eu diria até que
aqui há um grupo que já não tem nenhum ritmo, que não se mexe mais, porque não
tem mais nada!
A
esses jovens que vivem num espaço reduzido, numa sociedade de adultos sem
nenhuma perspectiva de mudança, os agentes sociais, os professores, os
educadores devem fornecer referências e modelos de identificação adequados para
levá-los, apesar de tudo, a se pensarem como seres em (trans)formação.
"Há tantos problemas de saúde que só consigo cuidar deles, o
trabalho social fica para depois", diz a assistente social do
colégio.
"Há tantos problemas sociais que, ocupados em resolvê-los,
deixamos o trabalho escolar para mais tarde", diz-nos um professor do mesmo colégio.
"Há tantos problemas escolares que criei uma associação para
ajudar", disse finalizando a
enfermeira do referido colégio."
Com
estatutos e papéis mal determinados, intercambiáveis, como poderiam os jovens
ser ajudados em seu desenvolvimento e em seu acesso ao saber?
"Queremos uma sala só nossa no colégio e bancos no
pátio", disseram-me eles, após
longas horas de debates.
"Esperem um pouco, não entendo", respondi. "Durante
horas vocês me disseram que o colégio era uma m..., era uma prisão, que vocês
estavam cheios, e a única coisa que pedem é uma sala e bancos no pátio?"
As
respostas não deixaram dúvidas. Na família ninguém os ouve, nas escadas dos
prédios, a droga ou o estupro, fora havia apenas o centro comercial, no Colégio
"podemos nos encontrar, conversar em segurança, há professores que nos
ouvem". Em outras palavras, só o Colégio permite-lhes conhecerem-se e
reconhecerem-se, porque oferece um lugar de escuta, de referências estáveis e
confiáveis. Se é preciso primeiro reconhecer-se para transformar-se, os jovens
nos dizem claramente que a escola cumpre esse papel. O problema é saber se ela
o faz de maneira consciente e construída, e como é que ela ajuda, com esse
trabalho indispensável, a "passarem do não-ser ao ser" esses jovens
que não têm outro lugar para isso.
Quando
dizemos "escola", referimo-nos a todos os níveis de educação de base. Num programa
P.A.Q.U.E. 12 trabalhamos com A., um jovem de 20
anos que foi logo nos dizendo:
"Não tentem nada comigo, não vale a pena!"
Ao
sair da escola, ele tinha entrado num estágio de inserção profissional onde lhe
pediram para fazer um projeto. "Encanador", respondeu ele. Depois de
um primeiro fracasso, novo projeto: "marceneiro", e novo fracasso.
Depois de um estágio de readaptação, o projeto foi "toilette de
cães", que como os anteriores termina em fracasso e daí a um último
projeto: "cabeleireiro", cujo insucesso leva o jovem ao programa
P.A.Q.U.E.
Os
dois erros fundamentais cometidos na orientação desse jovem foram: o
"não-tempo" reservado ao conhecimento e reconhecimento de si e a
assim chamada iniciação profissionalizante, a partir da "construção"
de um projeto. Esse
conceito de projeto, como mostramos em outro trabalho13 , funcionando de maneira encantatória,
é assassino do futuro. O responsável pela formação fica com a consciência
tranqüila, pois acredita estar trabalhando para o futuro do jovem. Entretanto,
este é bloqueado porque um projeto de futuro não pode reduzir-se a
procedimentos de inserção profissional. O projeto deve ser essencialmente um
trabalho sobre o processo imaginário do vir-a-ser da pessoa. Os procedimentos
imediatos de inserção profissional são apenas uma emanação indispensável dessa
tarefa, mas parcial. Quando esses procedimentos tomam a vez e o lugar dos
processos, o sujeito é conduzido à catástrofe: "eu não sirvo para nada,
não percam tempo comigo!"
Construir
uma relação de funcionalidade com a letra exige, então, que ela esteja inserida
num processo de transformação, isto é, num processo de mudança de identidade.
Os barqueiros explicitam isso muito bem, dizendo que aprender a ler "é
passar da cultura de ‘a bordo’ para a cultura de ‘em terra"’. Dar-se o
direito de acesso a essa transformação não é automático, vimos o caso de Pauline.
Mas isso é também, sobretudo, verdadeiro em relação às crianças ou adultos
vindos de uma outra cultura. "Posso me dar o direito de ser dos que estão
‘em terra’, quando meus pais são dos que estão ‘a bordo’? Posso me dar o
direito de saber ler quando meu pai não sabe? Posso me dar o direito de saber
uma língua que não é a dos meus antepassados?"
Michel
de Certeau não dizia que "falar a língua do outro é estar morto"?
Foi o que mostrou o trabalho de Serge Wagner14 sobre os grupos francófonos do
Ontário. Diante da obrigação de serem alfabetizados em inglês, setenta por
cento desses grupos francófonos continuam analfabetos. É o que ele chama de
"analfabetismo de resistência". Quando a letra é um perigo muito
grande de perda de identidade, sua a-funcionalidade torna-se uma arma eficaz
contra essa perda fundamental. Essa foi também a causa do insucesso dos
programas de alfabetização da UNESCO nos anos sessenta. Foi isso igualmente que
mostramos em nossa pesquisa sobre a escolarização das crianças antilhanas na
França (14. Biarnès, Surhomme 1982), acrescentando-se que a relação: língua
francesa–crioulo é uma relação de dominação, transferível a outras situações em
que uma letra diminui e até desvaloriza uma outra, caso, às vezes, da língua
"da escola" em face da língua da família.
"A professora fala lentamente, com palavras muito compridas,
ela não tem nenhuma pressa... Pendurem o agasalho no cabide! Minha mãe berra:
não largue o casaco por aí, quem que vai guardá? Tem um mundo separando as
duas... Em casa, cabide ninguém sabe o que é, agasalho, não se diz. Pior que
uma língua de gringo, se fosse alemão ou turco, a gente já sabe que não vai
entender. Mas na escola, eu entendia quase tudo o que a professora dizia, mas
sozinha não conseguiria fazer... A língua de verdade, era em casa que eu ouvia;
a birita, o rango, ser enrolado, dá uma beijoca, neguinha. As coisas estavam
todas lá, na casa, os gritos, as caretas, as garrafas pelo chão. Quando a
professora falava, as coisas não existiam!" É o que diz Annie Ernaux no seu romance Les
armoires vides15,16 e17
Quando
a dominação de uma língua sobre outra coincide com o momento em que o aprendiz
passa do oral para o escrito, os problemas a superar podem tornar-se
intransponíveis. Muitos encarregados de formação na área de alfabetização de
adultos se queixam de que os estágios começam com 25 pessoas e terminam com 4
ou 5: "eram as únicas motivadas", dizem à guisa de explicação. A
realidade é bem outra. Passar do oral para o escrito é mudar de mundo, é uma
transformação do ser que perturba de tal forma a identidade, que a angústia se
torna muito forte, e só na fuga há salvação. Claro que antes de fugir os
aprendizes pedem socorro ao professor, mas este, não estando preparado para
ouvi-los e compreendê-los, não lhes dá atenção. O aluno fica só com sua
angústia e aí acontece a fuga. Para que os formadores especializados que
preparamos para trabalhar com públicos particularmente difíceis possam entender
bem essa questão, costumamos dizer no início do estágio:
"O estágio de formação que vocês vão seguir não vai de
maneira alguma trazer-lhes receitas prontas que possam passar a um público
preparado para consumi-las. Vamos juntos tentar compreender: compreender as
pessoas com as quais vocês vão trabalhar, compreender os sistemas de relações
dessas pessoas com seu meio, compreender a situação de um adulto em situação de
aprendizagem, compreender os instrumentos pedagógicos de que poderão servir-se,
etc... Mas sei muito bem que na metade do estágio muitos de vocês vão novamente
pedir-me receitas prontas, completas. Na qualidade de formador, posso então ter
duas atitudes. Na primeira considero que esses estagiários nada entenderam do
que lhes foi dito desde o início do estágio e ficarão sendo aqueles formadores
sempre em busca do "material milagroso", do "método certo"
para ensinar a ler. Na segunda, ao contrário, digo a mim mesmo que esses
estagiários compreenderam tudo muito bem, mas encontram-se em um período de
transformação, de "re-leitura" de suas práticas anteriores. No
entanto, como ainda não "re-construíram" suas perspectivas de
práticas novas, estão apenas expressando a própria angústia com os pedidos de
receitas. Cabe então a mim, professor, formador, educador, acompanhar mais
amplamente essa re-construção de uma nova identidade profissional. Não esqueçam
isso quando estiverem com públicos em dificuldade. A angústia que irão sentir,
conseqüência da transformação que estão empreendendo, é mil vezes mais fraca
que a que vão ter essas pessoas com problemas quando estiverem trabalhando com
vocês. Aprender ou re-aprender a ler quando se é adulto significa inscrever-se
numa profunda mudança de identidade, e de cultura, e a grande dificuldade para
o formador está em acompanhar o aluno nesse caminhar a fim de que a
periculosidade da letra fique nos limites negociáveis para o indivíduo."
Um
exemplo dramático foi-nos dado num grupo de reflexão sobre a prática, de que
fomos o animador junto a educadores e voluntários num bairro "quente"
da periferia norte de Paris. Num grupo das "Actions Educatives
Péri-Scolaires"(A.E.P.S.), um educador voluntário expôs o caso de Moussa,
um menino de origem magrebina que não fazia absolutamente nenhum progresso,
apesar de seus esforços tanto nas A.E.P.S. quanto na escola onde conheceu esse
educador. A descrição do caso desse menino mostrava uma criança
"imobilizada", com a qual nenhuma abordagem, nenhum tipo de
aprendizagem parecia possível. Seus irmãos não apresentavam nenhum problema
maior. Emitimos a hipótese de que poderia tratar-se da transposição para a
problemática intercultural do que se chama em patologia uma "criança-sintoma",
como mostrou perfeitamente o filme "Family life". Para gerenciar o
choque de culturas, uma família de imigrantes pode depositar num dos seus
membros "as raízes simbólicas da cultura de origem". Com essa
garantia de não perdê-las, todos os membros da família, exceto o depositário
das "raízes", podem fazer um percurso de integração, e, portanto, de
transformação. As crianças aprendem na escola normalmente, mas se o depositário
for uma criança, ela ficará "imobilizada", não aprenderá nada, muito
menos a ler e escrever. O problema que se coloca é o de saber se é necessário
deixar essa criança "ser sacrificada" para o benefício de todos, ou
levá-la a lançar-se num percurso de transformação, arriscando-se a colocar
todos os outros em situação complicada. Parece evidente, de qualquer forma, que
qualquer coisa que se tente nesse caso, precisa envolver a família inteira.
Tomando-se esse cuidado, foi iniciado um trabalho com esse menino. Um pouco
antes da Páscoa, o professor nos fala de sua alegria; o menino praticamente já
sabe ler! De volta das férias ele nos anuncia que a criança caiu da escada e
fraturou seriamente os dois tornozelos:
"ele precisa ficar no hospital pelo menos três meses e só
voltará a andar daqui a nove ou dez meses", diz com grande tristeza.
Esse
menino fora realmente marcado com o timbre do imobilismo cultural e o trabalho
empreendido provocou uma transformação rápida demais para ser administrada pela
família em conjunto.
5.
"A PALAVRA QUE TRAÇA UM DESTINO" OU AS CONDIÇÕES DE ACESSO À FUNCIONALIDADE
DA LETRA
"Toinou, o
conhecimento ninguém lhe dará, você precisa ir roubá-lo": palavras do avô ao neto, palavras que guiaram
Toinou na sua migração e na sua busca do saber 19.
Aos dezessete anos, quando era pastor na região do Cantal e
"analfabeto", embora tendo freqüentado a escola, de que se recorda
apenas das reguadas, Toinou resolve partir em busca de um outro ofício. Assim
ele vai atravessar a França e terminar sua carreira como diretor de uma grande
fábrica do Norte. Ele repetirá sempre que essas palavras lhe serviram de apoio
a cada momento. Dizemos que são "palavras que traçam um destino",
porque desencadeiam infalivelmente os processos do vir-a-ser no seu
destinatário. Elas desempenham, na realidade, quatro funções simbólicas
indispensáveis.
* Uma função de reconhecimento valorizado. Ao dizer aquelas
palavras, o avô diz ao neto: "sei que você é capaz de adquirir o
saber". Essa valorização de si mesmo transmite a confiança necessária para
se aventurar no caminho de todas as transformações e, em particular, nas que se
produzem pelo acesso aos conhecimentos.
* Uma função de ajuda, com as referências que permitem
comprometer-se no caminho da transformação. O avô não diz: vá à escola",
ele diz: vá "roubar o saber", isto é, transgrida o que você vê, senão
ninguém lhe dará o saber, nem mesmo eu. Depois Toinou vai observar que adquiriu
seus conhecimentos não pelo acúmulo de informações prontas, mas, ao contrário,
questionando sempre, para entender o que não lhe explicavam.
* Uma função de securização, primeiramente pelas referências dadas
e depois pelo fato de o avô dizer a Toinou que estaria lá para ajudá-lo:
"se insisto para que se aventure na busca do saber é porque estarei sempre
a seu lado".
* Uma função de validação, enfim, pois o avô é o único
alfabetizado da família. Encontra-se então investido de uma legitimidade que
lhe dá o direito de pronunciar aquelas palavras. Essa legitimidade se transfere
para o futuro, garantindo a Toinou que seu avô poderá, se for o caso, legitimar
os conhecimentos adquiridos, isto é, assegurar-lhe que o que aprendeu não é um
delírio, mas que "leu corretamente o mundo", como devia.
Reconhecemos aí as funções que a mãe deve desempenhar desde os
primeiros instantes da vida do bebê20,
isto é, ensinar à criança os mecanismos de desligamento e de re-ligamento,
dando-lhe confiança nas próprias capacidades e a garantia do apoio materno
indefectível. Revendo os casos de Frank, Pauline, Moussa, dos jovens do D. S.
Q., nota-se que várias dessas funções falharam em relação a eles e no caso de
Adrien nenhuma delas estava presente. Quando falta esse apoio no ambiente
familiar da criança, do jovem e até do adulto, os educadores, os professores,
os agentes sociais é que são solicitados a desempenhar esse papel. Duas
experiências nos servirão de demonstração, uma em educação inicial com crianças
da escola primária, outra com os jovens de 16 a 25 anos do programa P.A.Q.U.E.,
de que já falamos.
5.1. "Radio-Cartable" ou uma iniciativa global para o
sucesso escolar 21
Não
suportando mais o nível de reprovações nas escolas primárias, os professores de
um município da periferia sul de Paris decidiram um dia pedir aos alunos que
criassem programas de rádio, programas de verdade. Esse projeto beneficiou-se
de várias circunstâncias, mas, fora a intuição de que a idéia interessaria às
crianças, e já seria muito, eles se lançaram nessa aventura sem analisá-la mais
a fundo. Somente quatro anos depois foi que apelaram à Universidade, a fim de
entender o que na realidade estava acontecendo, com duas perguntas: que estamos
fazendo? e por que, embora trabalhando a linguagem oral, observamos uma nítida
melhora na aprendizagem da escrita?
Uma
quinzena de classes, divididas em grupos de duas a cinco, elaboravam um
programa de uma hora que ia ao ar toda semana numa estação FM oficial. Uma
parte era gravada, uma outra era ao vivo, e a proporção entre as duas era
essencialmente relacionada com o nível dos cursos. A porcentagem de programas
ao vivo ia aumentando quando se dirigiam às classes da pré-escola até a 4a série.
O
que é importante para entender os processos em jogo nesse espaço de
aprendizagem realmente especial se resume em quatro pontos:
- o primeiro é o da realidade social da criação feita por cada
grupo. Estamos num espaço de criação onde funciona a cultura e o imaginário de
cada um e onde cada um precisará "negociar" seus conhecimentos e
desejos para chegar a uma produção coletiva. Além disso, a produção é
"socialmente" reconhecida pelos ouvintes e pela estação da rádio, que
cede gratuitamente uma hora de programação, com a condição de não perder
ouvintes. Isso significa para as crianças que são capazes de fazer o que
normalmente é feito por profissionais. O fato de um ouvinte participar ao vivo,
ou de os diretores da estação renovarem o contrato, representa uma imensa
valorização das capacidades das crianças. Para cada uma delas, a palavra que
lhes é dirigida é: "sei que você é capaz de..."
- o segundo é o fato de que os programas não são criados dentro
das normas radiofônicas reconhecidas (truques para segurar o ouvinte,
alternância de tipos e pessoas), mas com normas de coerência, de compreensão da
parte de todos do que é dito, de interesse do assunto a ser compartilhado. Cada
um é obrigado a colocar-se no lugar do outro para tentar "ver" se
compreende o que é dito. É assim que se lança o desafio de se reconhecer, de
reconhecer o outro, de se reconhecer outro.
- o terceiro, conseqüência do segundo, é que tudo foi escrito de
antemão, que as seqüências são aprendidas, que há leitura individual e coletiva
dos textos para eliminar todas as escórias características do oral. Estamos, na
realidade, num espaço de aprendizagem de retórica, como não existe há muito
tempo nos programas escolares, pois se acredita que só existe um oral, aquele
que não precisa ser ensinado, que é apenas uma "sub-língua", visto
que a boa e verdadeira língua é a escrita. Saber argumentar, dar forma ao
pensamento através do oral, não se ensina mais, e, no entanto, é isso que faz a
ligação entre o oral que não se estuda e a língua escrita. Radio-Cartable
restabelece o jogo oral-escrito e os resultados são muito interessantes. Todos
os registros da língua estão em jogo, sem domínio de um sobre o outro: ao
contrário, as crianças aprendem em que contexto se deve empregar um ou outro.
- o quarto está ligado ao contexto excepcionalmente complexo das
aprendizagens. Criar o programa significa reduzir ao mesmo tempo uma multidão
de problemas a alguns pontos precisos. Assim, cada criança pode apropriar-se do
que lhe parece mais propício para ajudá-la a realizar a sua tarefa. Não há um
caminho traçado pelo mestre para aprender tal ou tal noção, cada um acha o seu
caminho, cada um pode desenvolver as suas próprias estratégias. Melhor ainda,
cada um deverá analisá-las para explicá-las aos outros, pois, para chegar à
produção final, para reduzir os problemas, é necessário que cada um compreenda
como o outro funcionou para chegar ao ponto onde está. Nas nossas observações
entre um grupo de controle sociologicamente comparável e o grupo de Radio-Cartable,
nota-se que nenhuma criança de Radio-Cartable emite julgamentos negativos sobre
o trabalho do vizinho, mas pede-lhe explicações quando o trabalho lhe parece
questionável. Da mesma forma, os professores quase não dizem mais: "não é
isso", ou "está errado", mas perguntam: "como você fez para
chegar a isto?" O professor tem esse papel primordial de validar a
produção do grupo de que também participou. Pode avaliar o progresso dos alunos
independentemente das provas formais como as que se usam na pedagogia "por
objetivos", por exemplo. Nesse caso, a avaliação passo a passo de cada
noção trabalhada é, para o professor, mais a necessidade de ver que o aluno
acompanha bem o caminho único traçado pela hierarquização dos subconceitos, do
que a avaliação da compreensão que cada um pode ter tido deles. No caso de uma
aprendizagem em situação complexa, cada criança tem as referências do quadro
geral, referências que são freqüentemente lembradas pelo professor, mas pode, a
partir das referências dos outros, encontrar e construir suas próprias
estratégias de aprendizagem. Para aprender a ler, sabemos que condições o aluno
deve apresentar, nunca saberemos exatamente as estratégias que este ou aquele
aluno pôs em ação para um dia conseguir ligar grafemas, fonemas e sentidos.
Talvez seja esta uma das condições para que o outro aprenda a ler: o professor
ou o formador deve resignar-se a não saber como o aluno chega a essa
aprendizagem. O pedagogo é um criador de espaços de aprendizagem, espaços onde
deve reunir o máximo de condições necessárias à aprendizagem, espaços onde ele
deve estar presente na qualidade de mediador. Ao analisar as gravações em áudio
ou vídeo que fizemos de alguns programas, os professores ficaram surpresos de
ver que algumas crianças haviam adquirido, por exemplo, noções de conjugação
que ainda não tinham sido trabalhadas sistematicamente em aula. As crianças
eram capazes, num texto criado por elas, de empregar quatro tempos verbais,
entre os quais o subjuntivo, sem nenhum erro de concordância. Enfim, a título
de ilustração dos resultados, forneceremos aqui apenas duas avaliações
comparativas entre o grupo de controle, de que falamos acima, e o grupo
Radio-Cartable.
Nas
provas de francês do teste de aquisição escolar (T.A.S). para alunos da 4a série, as notas médias se escalonam
entre 13, 15 e 15.5, sobre 20, e são de 3 a 5 pontos superiores às notas
obtidas pelo grupo de controle.
Na
prova de narração, que cada aluno devia fazer sobre a mesma gravura, ficamos
surpresos com os resultados. A gravura mostrava um recreio com um grupo de
crianças em atividade competitiva, outro grupo em atividade cooperativa, e uma
criança isolada. Pensávamos ter uma maioria de narrações sobre a cooperação
como tema escolhido pelas crianças de Radio-Cartable e sobre a competição,
pelos outros. Nossa previsão foi acertada a respeito dos alunos de
Radio-Cartable, mas o grupo de controle escolheu, em sua maioria, narrativas
sobre a criança isolada. Além disso, essas narrativas versavam sobre temas
fortemente depressivos. Sabendo-se que as duas populações de crianças são
semelhantes, pode-se dizer que a escola, quando funciona em espaços como o
criado pela Radio-Cartable, não erra o alvo e trabalha bem nos diferentes
níveis que destacamos acima, especialmente o nível das expectativas dos
adolescentes do D.S.Q. de que falamos.
Um
último comentário sobre essa experiência a respeito da queixa de certos
professores dos colégios que receberam crianças que fizeram Radio. Eles dizem
aos professores primários:
"Nas redações eles são muito bons, mas como podem aborrecer
com tantas perguntas que fazem!"
5.2. "Avaliação das competências integrada ao ato
formativo", ou uma pedagogia centrada no aluno22
Antes
de se iniciar o programa P.A.Q.U.E., informamos o ministério de Madame Aubry de
que, para esses públicos jovens, "que não dominam os conhecimentos de
base", querer submetê-los aos procedimentos de avaliação de competências
parecia-nos perigoso, tanto para eles como para o programa. Para os jovens,
pois significaria colocá-los em situação semelhante às situações escolares em
que tinham fracassado, o que poderia provocar uma rejeição ao programa.
Perigoso para o programa, pois para que gastar 1.960 francos por aluno,
obrigando-os a fazer provas que só confirmariam o que todos já sabiam, já que
por terem obtido resultados quase nulos num tipo de provas é que tinham sido
escolhidos para o programa P.A.Q.U.E. Apresentamos, na ocasião, a hipótese de
que esses jovens estruturavam o pensamento com uma lógica diferente da que
preside a elaboração das provas usadas nos Centros de Avaliação. Seus
verdadeiros conhecimentos e competências nos são por isso inacessíveis.
Invisíveis para nós, que somos investidos da legitimidade de nos pronunciar
sobre a sua existência ou não-existência, esses conhecimentos e competências se
tornam indizíveis para os que os possuem. Preconizamos, então, uma pesquisa e
para levá-la a bom termo foi-nos concedido fundar o Centro de Avaliação
Experimental para um dos programas P.A.Q.U.E. da região de Ile de France.
Como
funcionou essa pesquisa? Antes da abertura do programa, trabalhamos com os
formadores para "criar uma cultura comum", baseada nos mesmos
postulados:
- os jovens que vamos receber adquiriram conhecimentos que não
sabemos ver.
- além disso, eles têm potencialidades que não se desenvolveram
porque nunca se encontraram nas condições em que isso seria possível.
Esses
dois postulados levaram a estratégias específicas:
- coloquemo-nos à escuta de como funcionam esses jovens.
- multipliquemos os espaços, as experiências, as confrontações que
poderiam levar cada um dos jovens a encontrar a ou as condições mais favoráveis
à aprendizagem. A primeira dessas condições, a que se distingue da experiência
inicial que tiveram na escola, é a de procurar com eles condições adequadas
para se libertarem dos hábitos de fracasso.
Em
uma palavra: fiquemos centrados no jovem. Para isso é indispensável que o
formador, envolvido com o jovem numa história que vai se iniciar e desenvolver
durante mais de um ano para a maioria, possa também desvencilhar-se dessa
implicação de fracasso. Assim, cada formador tinha, a cada quinze dias, três
horas de análise de suas observações a respeito do percurso de cada jovem sob
sua responsabilidade, em reunião com um membro da equipe universitária. O
trabalho nesse espaço permitia a todo momento questionar conclusões que
pareciam evidências, como: "essa jovem é nula em matemática, não consegue
fazer uma multiplicação ou uma divisão simples", ou propor hipóteses de
interpretações quando o questionamento esbarrava numa ruptura de sentido, como
na proposta: "não seria o momento de tentar falar com o pai?" Esse
trabalho tinha como objetivo o que chamamos "abertura para os possíveis",
isto é, evitar o que seria repetição do que fora tentado antes, do "sempre
o mesmo", embora conscientes de que os jovens, bem como os formadores, se
sentem muito mais "seguros" com a reprodução das mesmas estratégias,
sabendo que conduzem ao insucesso. O jovem mal sucedido pedirá ditados, quando
foi essa atividade que o levou ao fracasso, e o formador está disposto a
atendê-lo porque é justamente o que sabe fazer melhor. É por isso também que o
pesquisador da Universidade não quer conhecer o jovem, para não se envolver e
poder fazer todas as associações possíveis, mesmo aquelas que jamais foram
feitas. Questionando as palavras do formador que julgava uma jovem como
"nula em matemática porque não sabia fazer uma divisão simples", e
construindo com ele espaços diferentes para abordar essas noções, percebeu-se
que a jovem considerada nula em matemática era capaz de construir sozinha um
verdadeiro esquema de experiência matemática para resolver situações-problema
que exigiam a lógica multiplicativa ou de divisibilidade. Percebeu-se então
claramente que o trabalho pedagógico, que consiste em facilitar a aquisição de
um operador para evitar a reconstrução, a cada ocasião, da primeira
experiência, não é a mesma se o formador parte da constatação: "ela é nula",
ou se parte da bagagem real do jovem, que assim tem os seus conhecimentos
reconhecidos e pode então transformá-los.
Enfim,
o que é importante é que tudo o que se dizia sobre o jovem nesse espaço de
análise da Universidade era discutido no dia seguinte entre o formador e o
jovem. Este era estimulado a reagir, a se posicionar sobre o que era dito. Tudo
isso conforme ele sabia e lhe tinha sido explicado desde o início, deveria
constituir a "avaliação de suas competências".
Conhecer-se,
reconhecer-se, e reconhecer-se em transformação, essas eram as três condições
indispensáveis para as aprendizagens reunidas e trabalhadas no espaço de
"avaliação de competências integrada ao ato formativo".
No
momento da avaliação final da experiência, ficamos surpresos com o que se
destacava nas declarações de todos os participantes: "a avaliação de
competências integrada ao ato formativo foi o núcleo da coerência do
programa". Acabamos de ver a ligação estreita que ela propiciava entre o
formador e o jovem, não uma ligação de dependência, mas, ao contrário, de
"negociação" dos pontos de vista. Mas ela permitiu também uma ligação
muito estreita entre a formação geral, a formação profissional e os outros
espaços (cultura, esportes, etc.). Assim se construiu, para o itinerário de cada
jovem, uma "alternância" que não foi apenas uma justaposição de
lugares diferentes com atividades diferentes, mas a busca de um único objetivo:
"construir com o jovem um projeto global de transformação de sua situação
atual", a partir de lugares e atividades diferentes.
Fazendo
isso, pusemos por terra o mito que consiste em dizer que os jovens que
fracassam na escola deviam ir logo trabalhar numa empresa. O programa em que
trabalhamos foi um dos dois programas que, na avaliação feita de "PAQUE –
Ile de France", isto é, com uma abrangência de 14.000 jovens, empregou
menos "as horas-empresa", mas tem hoje a maior porcentagem de
colocação em empresas e em estágios de qualificação!
5.3. As oficinas de redação e de criatividade para a travessia do
pior 23
Vamos
terminar falando de dois instrumentos específicos que preconizamos com
entusiasmo para o trabalho com adultos em estágio de reaprendizagem de
conhecimentos básicos. É evidente que esses instrumentos funcionam apenas
dentro de um empreendimento global que envolva a pessoa, como acabamos de ver
com Radio-Cartable para os jovens e a avaliação integrada para jovens adultos.
Trata-se das oficinas de redação e de criatividade. No curso de formação
"DUFA especializado", de que falamos acima, trabalhamos com os
formadores essas duas formas de expressão a fim de levá-los a vivenciá-las e
analisá-las. Ficamos sempre surpresos de ver o que os jovens que eles orientam
podem produzir nesse nível. Tivemos também a sorte de conseguir que uma
associação empregasse vários formadores que tinham participado dessa
experiência, alguns dos quais gostariam de se especializar em oficinas de
criatividade e outros, em oficinas de redação. O encontro e a
cooperação deles resultou numa produção extremamente interessante, que foi
publicada pela associação com ajuda do GPLI, de que reproduzimos uma passagem
em anexo 24.
Exprimir-se pelo desenho ou pela pintura tem uma relação direta
com o "significante", como diz Lacan 25.
A produção artística que começa com uns "rabiscos" é a escrita
primitiva que cada um vai colocar em lugar e no espaço da ausência. O rabisco
está para o "desenho" como o balbucio está para a palavra – suas
primícias. A produção artística vai então buscar no real os elementos que
entram em ressonância significante com os objetos internos de cada um e então
permitirá expressá-los, configurá-los fora de si. A partir daí, posto à
distância, o jogo se torna possível porque a aderência foi rompida. De quantos
pintores, de Brueghel, o Jovem, chamado de Brueghel do Inferno a Van Gogh, por
exemplo, somos levados a dizer: "ah! felizmente ele sabia pintar!"
Inversamente, logo que a aderência volta com força, e o jogo já não mais sendo
possível, o significante torna-se novamente delirante, e temos Johnny
Weismüller no filme.
Da
mesma forma que o autista não tem acesso à palavra porque nenhum espaço de jogo
é possível para ele, pode-se pensar que o acesso à letra, ao desenho
significante que é a palavra, pode ser barrado para aquele que está
"colado" a ela, que concebe a língua como um objeto interno.
Exprimir-se pelo desenho, pela pintura é desvencilhar-se, é projetar na tela
seu próprio objeto interno e abrir a área do jogo que pode então ser explorada
pela oficina de redação, que joga com as palavras. Os caligramas de Appolinaire
são um excelente exemplo. Aimé Césaire dizia numa entrevista em que retraçava
seu percurso na construção de sua "antilhanidade" que tinha aderido à
escola surrealista de André Breton para "quebrar" os moldes de
pensamento que lhe havia imposto a sua educação muito europeizada. Foi graças a
essa ruptura que ele pôde construir sua identidade antilhana e produzir pela
escrita romances e poemas que fazem dele o poeta francófono mais lido no mundo!
Juntar
oficina de criatividade e oficina de redação num programa de formação para
jovens ou adultos em dificuldade tem esses efeitos "terapêuticos",
mas tem também efeitos de renarcisização da pessoa, pois quem antes se
acreditava incapaz descobre as suas reais capacidades, isto é, aquilo que pode
fazer atualmente, sozinha, e o que pode fazer quando auxiliada, com a ajuda
mediatizada do formador.
Finalmente,
quando procedimentos globais dão sentido ao aprender ou reaprender a ler e
escrever, a oficina de criatividade e de redação torna-se um excelente
instrumento para "atravessar o pior", quer dizer, como expressam os
que nos falam no início do estágio sem poder escrever, "a vergonha e o
sofrimento de não ser se não uma soma de nadas".
--------------------
* Título original: L’être et lettres.
Tradução de Ivone Mantoanelli e revisão de Angelina T. Peralva.
** Diretor do Instituto de Formação e
Pesquisa de Letras, Ciências do Homem e da Sociedade, da Universidade de Paris
XIII
1 Empregamos o termo
"funcionalidade" em referência, de um lado, à teoria etnoculturalista
desenvolvida por B. Malinowski primeiro e por A. R. Radcliffe-Brown, depois, e,
por outro lado, à teoria psicanalítica em que a maneira de introjetar um
elemento do real tem uma função "econômica" na economia psíquica
global do sujeito. O fato de que uma pessoa leia ou não leia tem "um
sentido" e, portanto, um impacto sobre o "socius", que, sendo
portador da letra, obriga o sujeito a referir-se a ele. Mas isso tem igualmente
um sentido social e individual para o sujeito. É a combinação dialética desses
diferentes níveis que constitui a funcionalidade da letra para um sujeito. Ela
só pode ser complexa e heterogênea e por isso é que dizemos que os conceitos de
Iletrismo ou de Analfabetismo funcional são muito redutores e funcionam como
obstáculos para a compreensão desse fenômeno e, portanto, para o seu
tratamento.
2 A definição de analfabetismo
funcional, reconhecida pela Unesco, é clara nesse ponto: "pessoa incapaz
de ler e escrever, compreendendo, um relato simples e breve de acontecimentos
relacionados com sua vida quotidiana" (10. sessão da Conferência Geral da
Unesco, 1958)
3 Cf. C. Lévi-Strauss na Introdução que
escreveu para a obra de Marcel Mauss: "Sociologie et Anthropologie",
reedição de 1984, Paris, Puf, coleção Quadrige.
4 Numa experiência que fizemos com
estagiários do DUFA, especializado em educação de adultos com dificuldades
graves, submetidos a uma prova de leitura compreensiva de documentos
administrativos, um professor universitário e um bibliotecário seriam
classificados nos limites do iletrismo, de acordo com as normas aplicadas pela
Association Française pour la Lecture!
5 Em francês grafado
"dé-lire", que decompõe o termo, de forma a significar também
"des-leitura". N. T.
6 As últimas estatísticas mostrariam que
20%, aproximadamente, da população adulta na França se encontram nos limites do
iletrismo. Em 1904, quando o Ministério da Educação Nacional pediu a Alfred
Binet que elaborasse um instrumento para medir a Inteligência, foi após a
constatação de que 20% da população escolar não aprendiam o que os programas
oficiais da escola primária pretendiam tê-los feito aprender, especialmente a
leitura!
7 Goffman
E. 1974: Les rites d’interaction, Paris, éd. de Minuit.
8 Biarnes, Jean. 1992: Sorcier, héros
ou... migrant, Paris, Monde et Cultures, Académie des Sciences d’Outre mer.
9 Tastayre, Roger. 1990: Le sujet et la
lettre, conferência do colóquio "Cultures et sub-cultures de l’oral et de
l’écrit dans les pays de la francophonie, organizado pela Universidade de Paris
XIII, Unesco, GPLI da Unesco. (GPLI: Groupe permanent de lutte contre
l’illétrisme)
10 No Canadá, são aliás chamados de
"os desligados".
11 D.S.Q.: Développement Social des
Quartiers: Desenvolvimento Social dos Bairros, programa desenvolvido nos anos
1990/1992 em aplicação à política urbana, beneficiando bairros especialmente
problemáticos.
12 P.A.Q.U.E.: Préparation Active à la
Qualificatiion et à l’Emploi: Preparação Ativa para a Qualificação e o Emprego.
Tratava-se de um programa lançado por Edith Cresson quando Primeira-Ministra, e
levado a efeito por Madame Aubry, então Ministra do Trabalho. Destinado a
100.000 jovens que ao final do período escolar obrigatório não haviam adquirido
os conhecimentos básicos indispensáveis. Esse programa tinha uma duração de
1.200 a 1.800 horas, de acordo com os jovens.
13 Biarnés,
Jean. 1994: Le projet comme assassin d’avenir, Colloque du CREAI/Dijon.
14 Wagner,
Serge; Grenier, Pierre. 1991: Analphabétisme de minorité et alphabétisation d’affirmation
nationale à propos de l’Ontario français, Toronto.
15 Biarnés,
Jean; Surhomme, Michèle. 1982: L’Enfant Antillais en France, Paris,
L’Harmattan.
16 Ernaux, Annie. 1991: Les armoires
vides, Paris Folio.
17 Biarnés,
Jean; Grégory, Eve. 1995: Tony and Jean-François, looking for sense in the
strangeness of school, in First steps together, London, Tentham Book.
19 Sylvère,
Antoine. 1985: Toinou: chronique d’un enfant auvergnat, Paris, Plon.
20 Winnicott,
W. 1971: Jeu et réalité, Paris, Gallimard.
21 Biarnés, Jean; Mazière, Francine.
1993: Travailler l’oral, la gageure de radio-cartable, in Le Français
aujourd’hui n.101, Paris, AFEF.
22 Azoulay, Albert; Biarnés, Jean. 1995:
Le bilan de compétences intégré à l’acte formatif, Paris, XIII.
23 Lecoq, Claude. 1996: La peinture et la
traversée du pire, Paris, Acéphale.
Claude é, entre outras coisas, formadora do programa DUFA especializado, de
onde vieram os formadores que trabalharam com os jovens nesse projeto. Claude
me perdoará o uso que faço aqui do título do seu livro.
24 Trata-se de uma edição feita pela
Associação ARIES, do Departamento de Essonne, por ocasião do seu décimo
aniversário, com a ajuda financeira do Grupo Permanente de Luta contra o
Iletrismo.
25 Lacan, Jacques. 1986: L’éthique de la
psychanalyse, Paris, Seuil.
------------------------
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-25551998000200009.