Diante de determinados fatos, dizia Espinosa, não cabe rir, nem chorar, apenas compreender. É uma assertiva com forte ressonância sobretudo na esfera das relações interpessoais cotidianas, área esta que é, conforme a expressão latina, prima facie da ciência social. A convivência próxima com uma pessoa - ou, caso assim se entenda, pensar que se tem conhecimento dela -, não imuniza de desapontamento e de se magoar com uma eventual atitude sua. Assim, vai-se vivendo e aprendendo, aprendendo e vivendo. Trata-se, este, de um tema que tem sido tratado mais pela literatura de autoajuda; porém, ele é mais do que isso, como bem já nos tem dado a conhecer o cientista social britânico Anthony Giddens. Na ciência social brasileira, as abordagens na referida perspectiva são raríssimas. Contudo, o prezado Antonio Ozaí (voz ativa da análise social no país como Editor da Revista Espaço Acadêmico), figurando como exceção a esse quadro, produziu um interessante texto a respeito, que a seguir reproduzo. O seu título original é 'A Dor da Decepção'.
Por Antonio Ozaí da Silva
(Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEM/Paraná)
(Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEM/Paraná)
Quem não teve alguma
decepção na vida? Quem não decepcionou alguém? Por que as pessoas causam
decepções, por que se sentem decepcionadas? De quem é a culpa?! Será que se
trata de procurar culpados? Por que temos dificuldades em superar as decepções
da vida? Por que as feridas não cicatrizam, mesmo quando parecem curadas?
A
razão é o contraponto da sensibilidade. Também ela é humana. Ela nos impele
adiante. Tentamos racionalizar a dor que sentimos, compreendê-la e superá-la. O
perigo é cairmos no extremo oposto e deixarmos que a racionalidade predomine a
ponto de perdermos a capacidade de sentir. Estamos o tempo todo na fronteira,
entre a razão e a emoção. Somos paradoxais! Pensamos racionalmente e agimos
emotivamente; doutras vezes, quando o sentimento deveria predominar, nossas
ações são racionais, frias e formais. É difícil encontrar o equilíbrio entre o
pensar e o agir, entre a razão e a emoção. Somos razão e sentimento.
A
racionalidade pode contribuir para a superação da decepção, mas nada garante
que as feridas sejam cicatrizadas definitivamente e que deixemos de sentir a
dor da decepção. Por que é tão intensa que nem a razão consegue anestesiá-la? O
filho sofre intensamente ao decepcionar-se com o pai, o irmão decepciona a
irmã, a mãe decepciona-se com a sua filha, a moça com o seu namorado, a mulher
com o seu esposo, o aluno com o seu professor, o amigo com o amigo,– e
vice-versa. Os que se admiram, se gostam e se amam decepcionam-se reciprocamente.
Todos sofrem! Por que?!
O
dicionário Aurélio talvez nos ajude a compreender. Ele
ensina que a palavradecepção significa
“malogro de uma esperança; desilusão, desengano, desapontamento”. O verbo decepcionar, por sua vez, tem o sentido de
“desiludir(-se), desapontar(-se), desencantar-se”. Como, então, não sofrer
quando as esperanças são frustradas e dão lugar à desesperança e ao desespero?
Como não sofrer se quem amamos e confiamos plenamente nos desaponta? Como
evitar o sofrimento se o encantamento do amar e sentir-se amado é atingindo em
seu âmago? Como não decepcionar-se quando se é abandonado num campo minado e
depende-se apenas das próprias forças para sobreviver? Como não desapontar-se
quando nos momentos em que mais se necessita de apoio não é possível contar com
o amor, a amizade, a solidariedade de quem mais se espera? Por mais que a razão
encontre argumentos para a compreensão das atitudes humanas é difícil não
sentir a dor da decepção.
Por
outro lado, o Aurélio nos permite ver de outra maneira. Se decepção também significa “desilusão” e decepcionar é “desiludir-se”, então devemos nos
perguntar se não estávamos iludidos, se não vivíamos uma ilusão. A desilusão e o desiludir-se indicam
a perda das ilusões. Tentemos ver pelo lado positivo. Perder as ilusões nos
emancipa do objeto/pessoa que nos iludia. Desiludir-se é estar livre, liberto!
De qualquer forma, não nos apressemos a culpabilizar o outro, pois muitas vezes
somos nós próprios que alimentamos as ilusões, ou seja, construímos modelos
ideais e projetamos no outro.
Por
que?! Talvez a resposta seja mais simples do que imaginamos. Somos humanos, e,
portanto, seres emotivos, sensíveis. Por isto, indubitavelmente, sofremos.
Sofrer é da condição humana. Aceitemos o sofrimento como inerente ao viver.
Ainda que o outro seja o causador do nosso sofrer, tentemos compreender e
aprender a desculpar as fraquezas humanas. Talvez devamos agradecer por nos
libertar das ilusões que nutríamos. Quem sabe seja o lenitivo que precisamos
para suportar a dor da decepção. Muito mais difícil do que superar o sofrer do
desapontamento seja a consciência de ser o motivo da dor da decepção! Seja como
for, é insensato nutrir a dor da decepção, pois ela pode transformar-se em
ressentimento. É preciso seguir vivendo, e é muito mais difícil quando as
mágoas persistem!
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Fonte: https://antoniozai.wordpress.com/2012/07/14/a-dor-da-decepcao/
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