segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Pessoas: vivendo e aprendendo, aprendendo e vivendo

Diante de determinados fatos, dizia Espinosa, não cabe rir, nem chorar, apenas compreender. É uma assertiva com forte ressonância sobretudo na esfera das relações interpessoais cotidianas, área esta que é, conforme a expressão latina, prima facie da ciência social. A convivência próxima com uma pessoa - ou, caso assim se entenda, pensar que se tem conhecimento dela -, não imuniza de desapontamento e de se magoar com uma eventual atitude sua. Assim, vai-se vivendo e aprendendo, aprendendo e vivendo. Trata-se, este, de um tema que tem sido tratado mais pela literatura de autoajuda; porém, ele é mais do que isso, como bem já nos tem dado a conhecer o cientista social britânico Anthony Giddens. Na ciência social brasileira, as abordagens na referida perspectiva são raríssimas. Contudo, o prezado Antonio Ozaí (voz ativa da análise social no país como Editor da Revista Espaço Acadêmico), figurando como exceção a esse quadro, produziu um interessante texto a respeito, que a seguir reproduzo. O seu título original é 'A Dor da Decepção'. 


Por Antonio Ozaí da Silva
(Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEM/Paraná)

Quem não teve alguma decepção na vida? Quem não decepcionou alguém? Por que as pessoas causam decepções, por que se sentem decepcionadas? De quem é a culpa?! Será que se trata de procurar culpados? Por que temos dificuldades em superar as decepções da vida? Por que as feridas não cicatrizam, mesmo quando parecem curadas?
A razão é o contraponto da sensibilidade. Também ela é humana. Ela nos impele adiante. Tentamos racionalizar a dor que sentimos, compreendê-la e superá-la. O perigo é cairmos no extremo oposto e deixarmos que a racionalidade predomine a ponto de perdermos a capacidade de sentir. Estamos o tempo todo na fronteira, entre a razão e a emoção. Somos paradoxais! Pensamos racionalmente e agimos emotivamente; doutras vezes, quando o sentimento deveria predominar, nossas ações são racionais, frias e formais. É difícil encontrar o equilíbrio entre o pensar e o agir, entre a razão e a emoção. Somos razão e sentimento.
A racionalidade pode contribuir para a superação da decepção, mas nada garante que as feridas sejam cicatrizadas definitivamente e que deixemos de sentir a dor da decepção. Por que é tão intensa que nem a razão consegue anestesiá-la? O filho sofre intensamente ao decepcionar-se com o pai, o irmão decepciona a irmã, a mãe decepciona-se com a sua filha, a moça com o seu namorado, a mulher com o seu esposo, o aluno com o seu professor, o amigo com o amigo,– e vice-versa. Os que se admiram, se gostam e se amam decepcionam-se reciprocamente. Todos sofrem! Por que?!
O dicionário Aurélio talvez nos ajude a compreender. Ele ensina que a palavradecepção significa “malogro de uma esperança; desilusão, desengano, desapontamento”. O verbo decepcionar, por sua vez, tem o sentido de “desiludir(-se), desapontar(-se), desencantar-se”. Como, então, não sofrer quando as esperanças são frustradas e dão lugar à desesperança e ao desespero? Como não sofrer se quem amamos e confiamos plenamente nos desaponta? Como evitar o sofrimento se o encantamento do amar e sentir-se amado é atingindo em seu âmago? Como não decepcionar-se quando se é abandonado num campo minado e depende-se apenas das próprias forças para sobreviver? Como não desapontar-se quando nos momentos em que mais se necessita de apoio não é possível contar com o amor, a amizade, a solidariedade de quem mais se espera? Por mais que a razão encontre argumentos para a compreensão das atitudes humanas é difícil não sentir a dor da decepção.
Por outro lado, o Aurélio nos permite ver de outra maneira. Se decepção também significa “desilusão” e decepcionar é “desiludir-se”, então devemos nos perguntar se não estávamos iludidos, se não vivíamos uma ilusão. A desilusão e o desiludir-se indicam a perda das ilusões. Tentemos ver pelo lado positivo. Perder as ilusões nos emancipa do objeto/pessoa que nos iludia. Desiludir-se é estar livre, liberto! De qualquer forma, não nos apressemos a culpabilizar o outro, pois muitas vezes somos nós próprios que alimentamos as ilusões, ou seja, construímos modelos ideais e projetamos no outro.
Por que?! Talvez a resposta seja mais simples do que imaginamos. Somos humanos, e, portanto, seres emotivos, sensíveis. Por isto, indubitavelmente, sofremos. Sofrer é da condição humana. Aceitemos o sofrimento como inerente ao viver. Ainda que o outro seja o causador do nosso sofrer, tentemos compreender e aprender a desculpar as fraquezas humanas. Talvez devamos agradecer por nos libertar das ilusões que nutríamos. Quem sabe seja o lenitivo que precisamos para suportar a dor da decepção. Muito mais difícil do que superar o sofrer do desapontamento seja a consciência de ser o motivo da dor da decepção! Seja como for, é insensato nutrir a dor da decepção, pois ela pode transformar-se em ressentimento. É preciso seguir vivendo, e é muito mais difícil quando as mágoas persistem!
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Fonte: https://antoniozai.wordpress.com/2012/07/14/a-dor-da-decepcao/


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