quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Eleição para Reitor da UFPB: bastidores e 'tempo quente'

Fervem os bastidores da UFPB. A recente decisão do CONSUNI de antecipar o pleito e incorporar centenas e centenas de servidores da EBSERH ao universo de votantes precipitou o processo eleitoral para Reitoria da instituição e 'esquentou' o ambiente interno. Golpe, é como tem sido definida a referida decisão. Como decorrência, pessoas que perfilaram ao lado da atual Reitora na campanha passada (em função das suas propostas inovadoras) assinalam o seu desapontamento. Neste sentido, o Professor Flávio Lúcio, em decorrência dos mencionados fatos, solicitou exoneração, em caráter irrevogável, da função de assessor de gabinete da Reitora. A carta de exoneração do Prof. Flávio, em maior ou menor medida, simboliza também o afastamento da atual administração da UFPB daqueles que, não pertencendo ao núcleo político originário da Reitora (e tendo uma perspectiva republicana, laica e progressista da universidade), lhe deram apoio no último pleito  por discordarem da continuidade do grupo do ex-Reitor  Rômulo Polari na administração da instituição (nada contra a pessoa em si da Profa. Lúcia Guerra). Que a UFPB saia maior do atual momento e da próxima eleição! Aí abaixo, reproduzo a carta do Prof. Flávio Lúcio. 

Magnífica Reitora da UFPB
Margareth Diniz,
Há quase 30 anos pertenço aos quadros desta universidade, quando nela entrei ainda como estudante do curso de Comunicação, em 1987 – dois anos depois mudei para o curso de História, onde conquistei meu diploma de graduação. Ainda “fera”, fui eleito presidente do DCE e, como presidente do DCE, participei de minha primeira eleição de Reitor, em 1988, na qual foi eleito o professor Antônio Sobrinho. Havia na comunidade universitária daquela época, o que se refletia com força insuperável em seus Conselhos Superiores, um cuidado, que funcionava quase como um princípio que se tornara muito caro à nossa instituição universitária e que foi durante mais de duas décadas parte de nossas tradições mais democráticas: era necessário defender regras que assegurassem a escolha democrática dos reitores. Em 1988, se encerrava o mandato do primeiro reitor eleito pela comunidade universitária da UFPB ainda na ditadura militar, em 1984, Jackson Carvalho. Conservadores ou revolucionários, direitistas – era raro um que assumisse essa condição naquela época – ou esquerdistas, todos se mostravam dispostos a se submeter a esse pacto universitário, que exprimia o ambiente da redemocratização que o país vivia.
Não havia “pureza”, porque a política é política em qualquer tempo e lugar. Não havia ingenuidade. Havia sim um desejo vigilante, autêntico, da comunidade universitária de que essas regras pelas quais lutamos tanto fossem preservadas. Tanto que, na eleição formal, indireta, feita pelos conselhos logo depois da realizada nas urnas, como determinava a lei, o reitor eleito não apenas recebia votações unânimes como ele próprio nomeava a lista sêxtupla que seria encaminhada ao MEC. Nós debatíamos muito, e de forma ainda mais acirrada do que hoje. O Conselho Universitário, em especial, borbulhava em embates memoráveis sobre uma diversidade de temas que iam muito além da madorra atual, esse rame-rame sonolento que é antecipado por acordos de bastidores e que passa a ideia de que vivemos um consenso, quando parece mesmo uma “paz dos cemitérios” celebrando a morte da política. É tudo muito triste e sem vida.
Mas, deixemos de lado o passado.
Hoje, o Brasil se debate num impasse motivado pela incapacidade política de lideranças, meios empresariais e parte da grande mídia de aceitar uma derrota eleitoral. Mais do que em qualquer época da nossa história, especialmente devido à experiência que acumulamos nesses trinta anos, hoje precisamos nos aferrar na defesa da preservação das regras do jogo e apostar na sobrevivência das instituições de democracia brasileira, pois essa é a única maneira de superarmos os nossos impasses e nos afirmarmos no futuro como povo e como nação.
Por isso, o que aconteceu no Consuni ontem soa tão grave. Depois da reunião que decidiu as regras da próxima eleição de reitor, vi se confirmar um ato que me fez rememorar toda essa trajetória e me fez refletir sobre o sentido que emprestamos às eleições de dirigentes universitários, hoje. A senhora conhece minhas opiniões e discordâncias sobre muitos atos de sua administração, porque sempre fiz questão de expô-los, pessoalmente e, em algumas ocasiões, por escrito. No caso das regras para as próximas eleições de reitor, a democracia da UFPB sofreu dois duros golpes ontem. O primeiro, foi a antecipação das eleições, que sempre (sempre) foram realizadas em maio. Qual a motivação para isso, se o semestre se prolonga até 15 de junho, a não ser dificultar o debate e criar problemas para os outros candidatos? É triste ver um Conselho Universitário, formado majoritariamente por diretores de centro eleitos, curvarem-se à manobra tão explícita.
No caso de estender o voto aos servidores da EBSERH a gravidade é ainda maior porque essa mudança não é apenas um casuísmo político e eleitoral: ela é ilegal. É um casuísmo porque insere de uma hora para outro mais de 800 eleitores, alterando artificialmente a relação de forças na universidade. E isso foi feito sem debate, sem o amadurecimento necessário, sem que a comunidade universitária estivesse informada sobre isso, de afogadilho. Enfim, uma decisão urdida nos gabinetes da reitoria e colocada em prática por uma decisão política do grupo que a apoia, apesar das manifestações contrárias – poucas, é verdade – como a minha.
Além disso, como eu disse, trata-se de uma ilegalidade. O servidor da EBSERH não é servidor da UFPB. Ele pertence aos quadros de uma empresa estatal, vinculada ao MEC e pago por ele. Formalmente, a UFPB não tem nenhuma ingerência administrativa nos quadros da EBSERH, a não ser indicar seus dirigentes. O que só corrobora o fato da EBSERH ter sido criada exatamente com esse objetivo: dar flexibilidade às contratações, às compras de insumos e equipamentos, funcionar como uma empresa, enfim. Além de tudo, e mais importante, nesse caso, os servidores da EBSERH são regidos pela CLT, diferentes dos da UFPB, que são estatutários. Isso tem grandes implicações políticas, não é mesmo? A atitude de um servidor celetista será a mesma de um servidor estatutário diante do pedido de voto de um chefe? Nós sabemos que não.
Tenho escutado em defesa do voto do pessoal da Ebserh alguns argumentos que não se sustentam. O primeiro deles é que são servidores concursados. É verdade. Mas, eu lembro que todo professor substituto faz concurso, e, diferente do pessoal da EBSERH, assina contrato com a universidade e é ela quem paga seu salário. Professor substituto, em tempo algum, teve direito a voto. Por outro lado, chega-se às raias do cinismo dizer, como eu escutei e li entre seus apoiadores, de que o voto do pessoal da EBSERH serve para “empoderá-los”. Se é para “empoderar” trabalhador na UFPB, eu sugiro que estendamos o direito a voto também ao pessoal da limpeza e da segurança. Esses sim precisam de uma forcinha, de “empoderamento”, às vezes até para receber seus salários em dia. E se é para “empoderar” o pessoal da EBSERH, que comecemos por dar a eles o direito de eleger o Superintendente do HU, aliás, como foi o compromisso assumido pela Magnífica Reitora diante do Consuni e da Comissão, da qual fui nomeado presidente, criada para debater com a comunidade universitária a adesão da UFPB à EBSERH. Nesse caso, lá se vão quase três anos e o Superintendente do HU – seu colega de departamento, como, aliás, são também o atual Diretor do CCS e o Pró-Reitor da Prape... – continua a ocupar o cargo por mera indicação de vossa parte. Empodereo-os, Magnífica!
Por fim, desejo agradecer pela confiança de ter me nomeado seu assessor de gabinete por três anos. Nas ocasiões em que fui convocado, procurei desempenhar minhas funções emprestando o melhor de mim para o avanço da UFPB e para dar a esse reitorado um rosto menos conservador, algo que eu percebi que seria desde o segundo ano. Tentei lutar bravamente, até o cansaço. Fui muitas vezes derrotado. Eu lembro a V. Mag. que, entre outras coisas, presidi a Comissão de Segurança que elaborou um longo diagnóstico e apresentou propostas para tentar enfrentar as graves dificuldades da UFPB nesse setor; também presidi Comissão que negociou o fim da greve estudantil no Campus IV, que foi concluída com um acordo assinado por V. Mag. e que pôs fim a um impasse, em grande parte produzido e estimulado por seus assessores mais próximos; e a Comissão de Cultura, que por meses a fio se reuniu para produzir um diagnóstico e propor uma política cultural institucional para a UFPB, além de um grande seminário nacional sobre cultura na universidade, e que também naufragou nos escaninhos de acordos políticos espúrios. Fiz por algum tempo uma profícua interlocução com estudantes, especialmente sobre assistência estudantil.
Assim sendo, encerro com esta carta minha colaboração ao seu reitorado e solicito em caráter irrevogável meu desligamento da função.
João Pessoa, 17 de fevereiro de 2016
Atenciosamente, 
Flávio Lúcio Rodrigues Vieira


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