Fervem os bastidores da UFPB. A recente decisão do CONSUNI de antecipar o pleito e incorporar centenas e centenas de servidores da EBSERH ao universo de votantes precipitou o processo eleitoral para Reitoria da instituição e 'esquentou' o ambiente interno. Golpe, é como tem sido definida a referida decisão. Como decorrência, pessoas que perfilaram ao lado da atual Reitora na campanha passada (em função das suas propostas inovadoras) assinalam o seu desapontamento. Neste sentido, o Professor Flávio Lúcio, em decorrência dos mencionados fatos, solicitou exoneração, em caráter irrevogável, da função de assessor de gabinete da Reitora. A carta de exoneração do Prof. Flávio, em maior ou menor medida, simboliza também o afastamento da atual administração da UFPB daqueles que, não pertencendo ao núcleo político originário da Reitora (e tendo uma perspectiva republicana, laica e progressista da universidade), lhe deram apoio no último pleito por discordarem da continuidade do grupo do ex-Reitor Rômulo Polari na administração da instituição (nada contra a pessoa em si da Profa. Lúcia Guerra). Que a UFPB saia maior do atual momento e da próxima eleição! Aí abaixo, reproduzo a carta do Prof. Flávio Lúcio.
Magnífica Reitora da UFPB
Margareth Diniz,
Há quase 30 anos
pertenço aos quadros desta universidade, quando nela entrei ainda como
estudante do curso de Comunicação, em 1987 – dois anos depois mudei para o
curso de História, onde conquistei meu diploma de graduação. Ainda “fera”, fui
eleito presidente do DCE e, como presidente do DCE, participei de minha
primeira eleição de Reitor, em 1988, na qual foi eleito o professor Antônio
Sobrinho. Havia na comunidade universitária daquela época, o que se refletia
com força insuperável em seus Conselhos Superiores, um cuidado, que funcionava
quase como um princípio que se tornara muito caro à nossa instituição
universitária e que foi durante mais de duas décadas parte de nossas tradições
mais democráticas: era necessário defender regras que assegurassem a escolha
democrática dos reitores. Em 1988, se encerrava o mandato do primeiro reitor
eleito pela comunidade universitária da UFPB ainda na ditadura militar, em
1984, Jackson Carvalho. Conservadores ou revolucionários, direitistas – era
raro um que assumisse essa condição naquela época – ou esquerdistas, todos se
mostravam dispostos a se submeter a esse pacto universitário, que exprimia o
ambiente da redemocratização que o país vivia.
Não havia “pureza”,
porque a política é política em qualquer tempo e lugar. Não havia ingenuidade.
Havia sim um desejo vigilante, autêntico, da comunidade universitária de que
essas regras pelas quais lutamos tanto fossem preservadas. Tanto que, na
eleição formal, indireta, feita pelos conselhos logo depois da realizada nas
urnas, como determinava a lei, o reitor eleito não apenas recebia votações
unânimes como ele próprio nomeava a lista sêxtupla que seria encaminhada ao
MEC. Nós debatíamos muito, e de forma ainda mais acirrada do que hoje. O
Conselho Universitário, em especial, borbulhava em embates memoráveis sobre uma
diversidade de temas que iam muito além da madorra atual, esse rame-rame
sonolento que é antecipado por acordos de bastidores e que passa a ideia de que
vivemos um consenso, quando parece mesmo uma “paz dos cemitérios” celebrando a
morte da política. É tudo muito triste e sem vida.
Mas, deixemos de lado o
passado.
Hoje, o Brasil se debate
num impasse motivado pela incapacidade política de lideranças, meios
empresariais e parte da grande mídia de aceitar uma derrota eleitoral. Mais do
que em qualquer época da nossa história, especialmente devido à experiência que
acumulamos nesses trinta anos, hoje precisamos nos aferrar na defesa da
preservação das regras do jogo e apostar na sobrevivência das instituições de
democracia brasileira, pois essa é a única maneira de superarmos os nossos
impasses e nos afirmarmos no futuro como povo e como nação.
Por isso, o que
aconteceu no Consuni ontem soa tão grave. Depois da reunião que decidiu as
regras da próxima eleição de reitor, vi se confirmar um ato que me fez
rememorar toda essa trajetória e me fez refletir sobre o sentido que
emprestamos às eleições de dirigentes universitários, hoje. A senhora conhece
minhas opiniões e discordâncias sobre muitos atos de sua administração, porque
sempre fiz questão de expô-los, pessoalmente e, em algumas ocasiões, por
escrito. No caso das regras para as próximas eleições de reitor, a democracia
da UFPB sofreu dois duros golpes ontem. O primeiro, foi a antecipação das
eleições, que sempre (sempre) foram realizadas em maio. Qual a motivação para
isso, se o semestre se prolonga até 15 de junho, a não ser dificultar o debate
e criar problemas para os outros candidatos? É triste ver um Conselho
Universitário, formado majoritariamente por diretores de centro eleitos,
curvarem-se à manobra tão explícita.
No caso de estender o
voto aos servidores da EBSERH a gravidade é ainda maior porque essa mudança não
é apenas um casuísmo político e eleitoral: ela é ilegal. É um casuísmo porque
insere de uma hora para outro mais de 800 eleitores, alterando artificialmente
a relação de forças na universidade. E isso foi feito sem debate, sem o
amadurecimento necessário, sem que a comunidade universitária estivesse
informada sobre isso, de afogadilho. Enfim, uma decisão urdida nos gabinetes da
reitoria e colocada em prática por uma decisão política do grupo que a apoia,
apesar das manifestações contrárias – poucas, é verdade – como a minha.
Além disso, como eu
disse, trata-se de uma ilegalidade. O servidor da EBSERH não é servidor da
UFPB. Ele pertence aos quadros de uma empresa estatal, vinculada ao MEC e pago
por ele. Formalmente, a UFPB não tem nenhuma ingerência administrativa nos
quadros da EBSERH, a não ser indicar seus dirigentes. O que só corrobora o fato
da EBSERH ter sido criada exatamente com esse objetivo: dar flexibilidade às
contratações, às compras de insumos e equipamentos, funcionar como uma empresa,
enfim. Além de tudo, e mais importante, nesse caso, os servidores da EBSERH são
regidos pela CLT, diferentes dos da UFPB, que são estatutários. Isso tem
grandes implicações políticas, não é mesmo? A atitude de um servidor celetista
será a mesma de um servidor estatutário diante do pedido de voto de um chefe?
Nós sabemos que não.
Tenho escutado em defesa
do voto do pessoal da Ebserh alguns argumentos que não se sustentam. O primeiro
deles é que são servidores concursados. É verdade. Mas, eu lembro que todo
professor substituto faz concurso, e, diferente do pessoal da EBSERH, assina
contrato com a universidade e é ela quem paga seu salário. Professor
substituto, em tempo algum, teve direito a voto. Por outro lado, chega-se às
raias do cinismo dizer, como eu escutei e li entre seus apoiadores, de que o
voto do pessoal da EBSERH serve para “empoderá-los”. Se é para “empoderar”
trabalhador na UFPB, eu sugiro que estendamos o direito a voto também ao
pessoal da limpeza e da segurança. Esses sim precisam de uma forcinha, de
“empoderamento”, às vezes até para receber seus salários em dia. E se é para
“empoderar” o pessoal da EBSERH, que comecemos por dar a eles o direito de
eleger o Superintendente do HU, aliás, como foi o compromisso assumido pela
Magnífica Reitora diante do Consuni e da Comissão, da qual fui nomeado
presidente, criada para debater com a comunidade universitária a adesão da UFPB
à EBSERH. Nesse caso, lá se vão quase três anos e o Superintendente do HU – seu
colega de departamento, como, aliás, são também o atual Diretor do CCS e o
Pró-Reitor da Prape... – continua a ocupar o cargo por mera indicação de vossa
parte. Empodereo-os, Magnífica!
Por fim, desejo
agradecer pela confiança de ter me nomeado seu assessor de gabinete por três
anos. Nas ocasiões em que fui convocado, procurei desempenhar minhas funções
emprestando o melhor de mim para o avanço da UFPB e para dar a esse reitorado
um rosto menos conservador, algo que eu percebi que seria desde o segundo ano.
Tentei lutar bravamente, até o cansaço. Fui muitas vezes derrotado. Eu lembro a
V. Mag. que, entre outras coisas, presidi a Comissão de Segurança que elaborou
um longo diagnóstico e apresentou propostas para tentar enfrentar as graves
dificuldades da UFPB nesse setor; também presidi Comissão que negociou o fim da
greve estudantil no Campus IV, que foi concluída com um acordo assinado por V.
Mag. e que pôs fim a um impasse, em grande parte produzido e estimulado por
seus assessores mais próximos; e a Comissão de Cultura, que por meses a fio se
reuniu para produzir um diagnóstico e propor uma política cultural
institucional para a UFPB, além de um grande seminário nacional sobre cultura
na universidade, e que também naufragou nos escaninhos de acordos políticos
espúrios. Fiz por algum tempo uma profícua interlocução com estudantes,
especialmente sobre assistência estudantil.
Assim sendo, encerro com
esta carta minha colaboração ao seu reitorado e solicito em caráter irrevogável
meu desligamento da função.
João Pessoa, 17 de
fevereiro de 2016
Atenciosamente,
Flávio Lúcio Rodrigues Vieira
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