domingo, 19 de fevereiro de 2017

Saudades de outro Brasil: lembrança de Darcy Ribeiro, seriedade na educação e o futuro que nos aguarda

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'Operários' (evidência da miscigenação do povo brasileiro), de Tarsila do Amaral


Corria o ano de 1982 quando o saudoso Professor e cientista social Darcy Ribeiro disse que, se não fossem construídas escolas, em vinte anos, faltaria dinheiro para construir presídios. Infelizmente, Darcy estava certo. E a crise carcerária que o país vive bem demonstra isso. Esse é um dos "dramas" do cientista social digno dessa designação: percebe para onde as coisas estão a caminhar, e sente-se numa situação de impotência para reverter o seu percurso, quando elas tomam 'mal caminho'. Atolamo-nos na tragédia, e hoje já há até quem defenda que se deve distribuir armas à população, ao invés de fornecer cadernos, lápis, computador, etc., à juventude. Garantir educação pública vinculada a um projeto nacional. Afirmações como essas dão também a exata noção de como Darcy estava certo ao dizer o que disse em 1982. De resto, multiplicam-se as manifestações do trágico: um plagiador indicado pelo Presidente da República para a mais alta corte de justiça do país, um Ministro da Educação que não sabe declinar o verbo haver, o Ministro da Cultura que não tem postura de Estado e (histérico e sem polidez para o cargo) agride um dos principais literatos do país numa solenidade em que este é o homenageado... Se vivo estivesse, Darcy estaria estarrecido com o que estamos a viver, e provavelmente se alarmaria com o grau de demagogia e de falta de seriedade que tem tomado conta dos processos educativos - desde as decisões governamentais, passando pela gestão, até determinados fotos/posturas em sala de aula. E o descalabro em torno da formação de professores. Em 1982, ele falava que, se a educação não fosse levada a sério, faltariam presídios no futuro. Hoje, se a tragédia que se abateu sobre o Brasil não for revertida, o que estará em risco será a própria sobrevivência do país, a sua unidade, a existência da ideia de povo brasileiro. Na última sexta-feira, foram contados os vinte anos do falecimento de Darcy. Nenhuma homenagem à sua memória, pouca ou nenhuma notícia a respeito - salvo um breve artigo do jornalista Bernardo Mello Franco. Sinal dos tempos. Segue aí abaixo a reprodução do artigo, precedido por um pequeno vídeo sobre a história desse incansável defensor da educação pública. 




Por Bernardo Mello Franco 

"Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios". A frase de Darcy Ribeiro voltou a ser lembrada no mês passado, quando o país viveu uma onda de massacres nas cadeias. Foi profetizada em 1982, quando o antropólogo se elegeu vice-governador do Rio na chapa de Leonel Brizola.
Muitos políticos usam a educação para fazer demagogia barata. Não era o caso de Darcy. Ele idealizou e construiu centenas de Cieps, escolas públicas de tempo integral. Ergueu duas universidades, incluindo a de Brasília, da qual foi o primeiro reitor.
Não deixou de ser chamado de professor nem quando chefiou a Casa Civil, no governo João Goulart. Em 1964, tentou liderar uma resistência brancaleônica ao golpe. Deixou o Planalto quando os militares já ocupavam o gabinete presidencial, de onde só sairiam 21 anos depois. "Aquela era minha hora de chumbo. Hora que eu preferia estar morto a sofrê-la: a hora do derrotado", conta, em suas memórias.
Darcy dizia ver duas opções na vida: se resignar ou se indignar. Escolheu a segunda, e culpava a indiferença da elite pelo atraso do país. "O Brasil tem um bolsão de gente que vem da escravidão, oprimido, marginalizado. Enquanto não incorporar este bolsão, o Brasil não existirá como gente civilizada", avisava.
O professor não se conformou nem com a doença. No fim da vida, arranjou uma cadeira de rodas e fugiu do hospital onde tratava um câncer. Queria voltar para sua casa de praia e terminar "O povo brasileiro", um tratado ambicioso sobre a mistura de raças que formou o país.
Com falsa modéstia, ele dizia que sua aventura não deu certo. "Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu". Na sexta-feira (17), o Brasil completou 20 anos sem Darcy.

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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/bernardomellofranco/. Título original: 'Vinte anos sem Darcy'