Por
Mario Sergio Conti
O
Itamaraty fica num dos prédios mais bonitos do Brasil. Traçado, salões,
escadas, pisos, mobiliário, quadros, esculturas, murais, jardins, painéis e
lustres formam um conjunto ímpar, que harmoniza pensamento e natureza,
funcionalidade e arte.
Percorrê-lo
numa tarde silenciosa, no entanto, provoca um travo de angústia. A sensação de
malogro se mescla ao alumbramento: o prédio não é a síntese da potência
nacional, e sim o seu epitáfio. O choque entre o Brasil sonhado e o presente é
aterrador, e não há futuro à vista.
Desenhado
por Niemeyer, o seu cálculo estrutural é do poeta Joaquim Cardozo. Ele deu vida
ao saguão sem colunas mais amplo do mundo, o qual foge do monumental,
amoldando-se à perspectiva humana.
Passa-se
do exterior ao interior sem perceber. A transição é atenuada por nenúfares e
vitórias-régias de Burle Marx. A escada em caracol brota do subsolo e, solta no
ar, sobe para o jardim suspenso. A preocupação com o meio ambiente, pioneira,
marca a construção.
No
auditório, poltronas de jacarandá coexistem com círculos futuristas na parede,
revestidos com plástico-bolha. A consonância entre natureza e trabalho
prossegue no mural geométrico de Sérgio Camargo e no mobiliário em madeira de
lei de Sergio Rodrigues.
A
melhor arte se faz presente: esculturas de Brecheret e Mary Vieira, mural de
Volpi, telas de Weissmann e Iberê Camargo, além de trabalhos de Rugendas e
Debret. História e arrojo se complementam. O prédio nada tem de pitoresco
(atributo inclusive de nossa melhor literatura).
Concebido
nos anos [19]50, o Itamaraty foi inaugurado em 1970. Houve outras iniciativas
nesse período de o Brasil se dotar de uma cultura, construir uma sociedade
aberta. Seminário Marx e Poesia Concreta; Cinema Novo e Reformas de Base; Bossa
Nova e Centros Populares de Cultura.
De
maneira tateante, mas progressistas e abertas ao novo, essas iniciativas
moldaram aspirações nacionais. E todas elas foram derrotadas pela Casa de
Odebrecht. A família ilustre corrompeu a ditadura, a Nova República, o Brasil
Novo, o neoliberalismo, o petismo, deu R$ 10 milhões a Temer. Criou um sistema
de mando à sua imagem e semelhança.
Nos
folhetos de propaganda, a Casa de Odebrecht se vangloria da origem germânica e
oculta ancestrais africanos. Fala em sustentabilidade, ética e ecologia, e
compra privilégios com vil metal. Nunca prezou a nação e a democracia,
dedicando-se à pilhagem de um povo do qual tem nojo.
Exagero?
Releia-se o e-mail que Isabela mandou ao marido, Marcelo Odebrecht, protestando
contra a presença de uma sindicalista na sua casa: "Se sujar minha toalha
de linho ou pedir marmitex, vou pirar. Saudações sindicais? Não mereço".
Uma
das dez famílias mais ricas do Brasil, a Casa de Odebrecht foi adulada desde
sempre pelos seus pares. Por isso, desfruta de reconhecimento mesmo agora,
quando o Departamento de Justiça americano diz que ela perpetrou o "maior
caso de suborno da história". O sujeito odeia Lula ou Temer, mas não
Emílio Odebrecht.
Quando
a encardida Casa de Odebrecht suplantou o prédio de Niemeyer? Que fim levaram
as aspirações nacionais? Qual seria o lugar dos Odebrecht e similares num país
justo? São indagações que perpassam o pensamento numa tarde no Itamaraty.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/mariosergioconti/. Título original: ' A Casa Odebrecht nunca prezou a nação e a democracia'.