Por Vergílo Ferreira
A
consciência que te acompanha no que vais sendo é o puro registro disso que vais
sendo para o poderes ler, se quiseres, depois de já ter sido. Mas no instante
de seres o que és, o que és é apenas, por uma decisão anterior ao decidires. O
que és é-lo onde a tua realidade profunda em profundeza obscura se realizou. O
que és é-lo no absoluto de ti. A consciência testifica-nos apenas como o ser
privilegiado que sabe o que é por aquilo que vai sendo e pode assim
reconverter-se à posse iluminada disso que vai sendo. A consciência constata
mas não interfere senão para se não ser mais o que se foi, ou mais
rigorosamente, para se não querer ser o que se é - o que é ser-se ainda, embora
de outra maneira.
Porque se neste
instante me sobreponho, ao que sou, outra maneira de ser - a consciência que me
altera o primeiro modo de ser é a paralela iluminação do modo de ser segundo.
Decidi ainda antes de decidir, quando decidi não ser o que primeiramente
decidira. Assim no torvelinho dos atos que me presentificam e da consciência
desses atos, sempre o insondável de nós se abre para lá do que podemos sondar.
Sempre a realidade de nós é a realidade original que nas origens se gera. Sempre
a autenticidade de nós está a uma distância infinita das razões que a
justificam.
(In 'Invocação ao Meu Corpo')