sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O desencontro de si: segurança na alteridade, (auto)engano e ilusão


'Drawing Hands' (1948), M. C. Escher
Drawing Hands, de M. C. Escher 


Por Miguel Esteves Cardoso
(Doutor em Filosofia Política; escritor) 

É impossível para alguém ser enganado que não seja por ele próprio
(Ralph Waldo Emerson) 

A confiança é um bem tão etéreo que não pode ser recuperado. Só pode ser conquistada e perdida. A confiança leva tempo a conquistar porque o coração que confia é um coração aberto, sem defesas, que pode ser destruído num instante.
O nosso tempo não é de confianças, porque é um tempo egocêntrico e sensacionalista em que cada um só fala de si e das coisas que sente. Ouço dizer que A ama B, que A está apaixonada por B, que A acha que o amor dela é correspondido. Mas A confia em B? A diz que não. E ri-se, ainda por cima.
Confiar em alguém e saber que essa pessoa confia em nós, poder contar com ela e saber que ela, com razão, pode contar conosco, está para a amizade e para o amor como a segurança está para a paz. Não há quem não saiba conquistar a confiança de alguém. É muito fácil. Basta ser verdadeiro, ser leal e ser inabalável. Basta ter a coragem de admitir o que toda a gente sabe: que ninguém é perfeito e que a única perfeição que está ao nosso alcance é a consistência.
Não há nenhuma grande entrega. Uma pessoa apenas tem de se dar a conhecer. Tem de ser com honestidade. Não somos obrigados a confessar os nossos defeitos, mas quando somos apanhados a mostrar um deles temos de sorrir e pedir desculpa por ser assim. A pessoa que engana é a pessoa que deixa de querer a confiança de quem enganou. E é essa indiferença que mais magoa a pessoa enganada.

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Fonte: https://www.publico.pt/2016/12/05/sociedade. Título original: 'Confiar'.