Foto: Elizeu dos Santos, túnel Serra das Russas/PE |
Eterno Retorno é um conceito desenvolvido pelo filósofo Friedrich Nietzsche
(1844-1900), considerado por ele próprio um dos seus pensamentos mais impactantes. Foi durante um passeio, em 1881, que Nietzsche refletiu sobre os
sentidos das vivências em alternâncias que se “repetem”. Embora em várias de
suas obras encontremos pistas do que seria o Eterno Retorno, é na sua obra A
Gaia Ciência (1882), um dos mais belos livros antes de Nietzsche sofrer das
baixas de sua saúde, que ele nos brinda com a ideia mais nítida do que seria
esse conceito:
E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária
solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste,
terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada
de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de
indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na
mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as
árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da
existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!“
Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te
falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe
responderías: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento
adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te
triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma
vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir!
Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não
desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela? (aforismo
56).
Parece
que o Eterno Retorno defende a tese de que pólos se alternam nas vivências numa
eterna repetição. Criação e destruição, alegria e tristeza, saúde e doença, bem
e mal… tudo vai e tudo retorna. Porém, esses pólos não se opõem, mas são faces
de uma mesma realidade, isto é, um complementa o outro, são contínuos de um
jogo só. Alegria e tristeza são faces de uma única coisa experienciada com grau
diferente.
A
temporalidade não está presente no Eterno Retorno, a realidade para Nietzsche
não tem uma finalidade nem um objetivo a cumprir, e por isso as alternâncias de
prazer e desprazer se repetem durante a vida. – O Eterno Retorno não se reporta
a uma demarcação temporal cíclica e exata, mas às nuances de vivências que se
complementam e dão o colorido da vida.
O
devir não ocorre de um modo exatamente igual, mas são variações de sentidos já
vivenciados, faces de uma mesma realidade. A alegria e a tristeza que senti não
serão iguais no amanhã, mas voltarei a experimentar esses estados em suas
diferentes variações.
A
indagação que Nietzsche nos faz através do aforismo acima não se trata de uma
negação da vida, pelo contrário, nos remete a uma afirmação da vida. Não posso
crescer se não experimento declínio e vice-versa, são faces de uma mesma moeda
sem demarcação de tempo e exatidão, de tal modo, Nietzsche nos aponta que “os homens não têm de fugir à vida como os
pessimistas, mas como alegres convivas de um banquete que desejam suas
taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais”. Eis
aqui uma bela resposta de Nietzsche ao “pessimismo” de Schopenhauer.
Se
tudo retorna – o prazer e o desprazer, a dor e o deleite, a alegria e o
sofrimento – queremos mesmo viver à eternidade onde nada de novo irá acontecer
além de vivências com nuances variadas de uma mesma realidade? Não é fácil dar uma resposta a indagação que o
Eterno Retorno nos faz. Mas apenas você pode respondê-la, e ninguém
poderá fazer isso por você, uma resposta pronta e acabada não faz sentido, da
mesma forma que [determinadas visões de] “verdade” e a “mentira” não encontram
acomodação no pensamento de Nietzsche. Talvez decorra daí o sentido perturbador
do conceito.
Nietzsche
nos dá o Eterno Retorno como uma saída, que consiste em buscar a criação na
destruição; só nessa complementação [é] que podemos transcender e reafirmar a
vida em detrimento dos valores que envenenaram a humanidade e negaram a [própria]
vida.
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Informação autoral: Sítio 'Eterno Retorno' - http://www.eternoretorno.com/