Por Laura Carvalho
(Faculdade de Economia - USP)
Em entrevista à revista
"Época" sobre o debate suscitado por seus textos sobre a alta taxa de
juros brasileira, o economista André Lara Resende –um dos pais do Plano Real–
nos alertou para o que chamou de conservadorismo intelectual histórico.
"Rudiger Dornbusch, meu professor do MIT, sempre
questionou o que ele considerava minha insistência em dar atenção a argumentos
não convencionais sobre inflação", contou.
Noves fora os interesses que permeiam o tema dos juros e
a eventual patrulha apontada por Elio Gaspari, a
natureza dos diversos processos inflacionários, além de ter causado grandes
mudanças de paradigma, ainda parece ser um dos maiores entraves ao diálogo
entre economistas.
A estagflação dos anos 1970 nos EUA, por exemplo, levou
ao enfraquecimento temporário das teorias baseadas na chamada Curva de
Phillips, que estabelecem uma relação negativa entre taxa de desemprego e de
inflação. O monetarismo de Milton Friedman, que disse certa vez que "a
inflação é sempre e em toda parte um fenômeno monetário", ganhou espaço
naquele contexto.
Já em decadência há algumas décadas, o monetarismo em sua
versão extrema vive hoje um recorde de baixa popularidade: a expansão monetária
realizada pelos bancos centrais de países ricos após a crise de 2008, e as
baixas taxas de inflação que ainda vigoram por lá, se encarregaram de
enterrá-lo.
Na Teoria Fiscal do Nível de Preços resgatada por André
Lara, a inflação responde não à quantidade de moeda em circulação, mas ao
estoque de endividamento público. Se o governo gasta mais do que arrecada, a
taxa de inflação sobe, de modo a manter a dívida pública constante em termos
reais. Assim, uma elevação de juros que aumente a dívida pública poderia ter
efeitos inflacionários.
A elegância da teoria e a conexão –sempre interessante–
entre os efeitos das políticas fiscal e monetária não escondem a falta de
evidência empírica em seu favor. Afinal, os mesmos países que expandiram muito
o estoque de moeda no pós-crise sem nenhum efeito inflacionário passaram por um
forte aumento da dívida pública.
Nem toda inflação é igual ou causada pelos mesmos
fatores. Olhar para os dados e para as nossas particularidades é fundamental
para arejar o debate.
Após um período de alta inflação de serviços, devido à
queda do desemprego e ao crescimento acelerado dos salários –o custo mais
relevante para esses setores–, evoluímos para uma inflação puxada sobretudo
pelos preços administrados, que subiram mais de 18% em 2015. Sofremos também,
em algumas ocasiões, outros choques de custos: por exemplo, altas do dólar, que
encarecem insumos importados, e altas de preços de alimentos.
O traço comum é a forte inércia, que foi objeto nos anos
1980 de estudos do próprio André Lara e de demais economistas que ajudaram a
formular o Plano Real. Em um país que nunca se livrou totalmente da alta
memória inflacionária e da indexação de contratos, choques e elevações
localizadas de preço tendem a contaminar os demais preços e a persistir no
tempo.
O combate exclusivo via taxa de juros, que mesmo após o
fim do câmbio fixo, em 1999, continuou atuando sobretudo pelo canal de câmbio,
via atração de capital estrangeiro e valorização do real, parece de fato uma
escolha demasiado custosa. Nesse debate, medidas de desindexação de contratos,
de estímulo à produtividade e de redução da volatilidade no mercado cambial,
por exemplo, merecem um lugar ao sol.
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Fonte: Titulo original: 'http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/. Causas da inflação dão nó no debate econôico'.