Por L. Jean Lauand
(Conferência proferida na Universitat
Autònoma de Barcelona,
Dept. de Ciències de
l'Antiguitat i de l'Etat Mitjana)
"Obrigado", "Parabéns", "Perdoe-me", "Meu
caro", "Felicidades", "Meus pêsames" e diversas outras
formas de linguagem do relacionamento quotidiano - nas diversas línguas -
encerram em si profundas informações para o estudo filosófico do homem. Para
além do eventual formalismo vazio em que o uso diário tende a arremessá-las,
essas expressões - à primeira vista, tão inofensivas - incidem,
originariamente, sobre importantes dimensões da realidade humana.
A partir da discussão metodológico-temática sobre a linguagem e a antropologia
filosófica (guiados pelo clássico S. Tomás de Aquino), essas fórmulas de
convivência mostram-se autênticas mensagens cifradas, por vezes infinitamente
surpreendentes e sábias... Como diz Isidoro de Sevilha, sem a etimologia não se
conhece a realidade e com ela mais rapidamente atinamos com a força expressiva
das palavras (1).
Na verdade, as palavras têm um potencial expressivo muito maior do que nós -
tão familiar e quase automático é o uso que delas fazemos - possamos imaginar.
Daí a atenção do filósofo para os modos de dizer, os contextos, as sutilezas da
linguagem comum, em sua própria língua ou em outras.
Quando a filosofia se volta para a linguagem comum, não está praticando um
procedimento periférico, mas atingindo algo de muito essencial, pertencente ao
próprio núcleo da reflexão filosófica.
Tal apropriação, dizíamos, não é fácil nem imediata. Nossa tendência é antes a
de embotamento e esquecimento do profundo sentido originário que acabou por se
consubstanciar nesta ou naquela formulação. Pois, sempre vige aquela verdade
fundamental, ressaltada tanto pela antropologia ocidental quanto pela oriental:
o homem é, essencialmente, um ser que esquece!(2) E, assim, a
linguagem, a língua viva do povo, acaba por ser em muitos casos a depositária
das grandes experiências esquecidas. E se quisermos resgatar o sentido do
humano que elas encerram, devemos voltar-nos, criticamente, para esse
depósito... Não é de estranhar, pois, que num clássico como Tomás de Aquino encontremos
uma filosofia altamente comprometida com a linguagem. Nesse sentido, é oportuno
recordar alguns de seus princípios metodológicos.
1)
Nossas palavras, freqüentemente, só alcançam fragmentariamente - Tomás usa o
advérbio divisim - a realidade, que é complexa, que supera, de
muito, a capacidade intelectual humana. Aliás, é de Tomás a aguda observação de
que "filósofo algum jamais chegou a esgotar sequer a essência de uma
mosca". Ao contrário do Ser Transcendente, que expressa tudo num único
Verbo, "nós temos de expressar fragmentariamente os conhecimentos em
muitas e imperfeitas palavras"(3).
2)
Outro fenômeno interessante, também ele ligado à limitação de nosso
conhecimento/linguagem, é o que poderíamos denominar: efeito girassol,
assim explicado por Tomás: "Já que os princípios essenciais das coisas são
por nós ignorados, freqüentemente, para significar o essencial (que não
atingimos) nossas definições incidem sobre um aspecto acidental"(4).
Assim, por exemplo, todo o ser da planta que chamamos girassol é designado por
um fenômeno-gancho, acidental e periférico, no caso o do heliotropismo.
3)
Daí, também, que não escape ao Aquinate o fato de que, freqüentemente, é
diferente o gancho, o aspecto, o caminho pelo qual cada língua acessa uma
determinada realidade: o mesmo objeto que me protege contra a água (guarda-chuva)
produz uma sombrinha (umbrella). Daí, diz Tomás, que "línguas
diferentes expressem a mesma realidade de modo diverso"(5).
"Muito
obrigado" - os três níveis da gratidão
Dizíamos que a limitação do conhecimento humano reflete-se na linguagem: não
podemos expressar o que as coisas são, na medida em que não sabemos
completamente o que elas são. Além do mais, muitas vezes, uma palavra acentua
originariamente só um dentre os muitos aspectos que a realidade designada
oferece. E pode ocorrer que, com o passar do tempo, essa realidade mude, evolua
substancialmente a ponto de perder a conexão com o étimo da palavra, que
permanece a mesma. Isto não nos choca, pois, no uso quotidiano, as palavras vão
perdendo transparência: falamos em salada de frutas porque
envolve mistura e nem notamos que salada deriva de sal.
Do mesmo modo, o barbeiro, hoje em dia, quase já não faz barbas, mas cortes de
cabelo; como também o tintureiro já não tinge, mas só lava; o garrafeiro compra
jornais velhos e muito poucas garrafas; o chauffeur não
aquece, mas dirige o carro; e nem nos lembraríamos de associar funileiro a
funil.
Se essas incompatibilidades não nos causam estranheza é porque a linguagem
tornou-se opaca para nós: dizemos colar, colarinho, coleira, torcicolo e
tiracolo e não reparamos em que derivam de colo, pescoço (daí que seja
incompreensível, à primeira vista, a expressão "sentar no colo").
Essas considerações são importantes preliminares ao estudo da gratidão e das
formulações que ela recebe nas diversas línguas. Tomás ensina que a gratidão é
uma realidade humana complexa (e daí também o fato de que sua expressão verbal
seja, em cada língua, fragmentária: este ou aquele aspecto-gancho é o
acentuado): "A gratidão se compõe de diversos graus. O primeiro consiste
em reconhecer (ut recognoscat) o benefício recebido; o segundo, em
louvar e dar graças (ut gratias agat); o terceiro, em retribuir (ut
retribuat) de acordo com suas possibilidades e segundo as circunstâncias
mais oportunas de tempo e lugar" (II-II, 107, 2, c).
Este ensinamento, aparentemente tão simples, pode ser reencontrado nos
diferentes modos de que as diversas línguas se valem para agradecer: cada uma
acentuando um aspecto da multifacética realidade da gratidão. Algumas línguas
expressam a gratidão, tomando-a no primeiro nível: expressando mais nitidamente
o reconhecimento do agraciado. Aliás reconhecimento (como reconnaissance em
francês) é mesmo um sinônimo de gratidão. Neste sentido, é interessantíssimo
verificar a etimologia: na sabedoria da língua inglesa to thank (agradecer)
e to think (pensar) são, em sua origem, e não por acaso, a
mesma palavra. Ao definir a etimologia de thank o Oxford English
Dictionnary é claro: "The primary sense was therefore thought"(6).
E, do mesmo modo, em alemão, zu danken (agradecer)
é originariamente zu denken (pensar). Tudo isto, afinal, é
muito compreensível, pois, como todo mundo sabe, só está verdadeiramente
agradecido quem pensa no favor que recebeu como tal. Só é agradecido quem
pensa, pondera, considera a liberalidade do benfeitor. Quando isto não acontece,
surge a justíssima queixa: "Que falta de consideração!"(7).
Daí que S. Tomás - fazendo notar que o máximo negativo é a negação do grau
ínfimo positivo (a última à direita de quem sobe é a primeira à esquerda de
quem desce...) - afirme que a falta de reconhecimento, o ignorar é a suprema
ingratidão(8): "o doente que não se dá conta da doença não quer
se curar"(9).
A expressão árabe de agradecimento shukran, shukran jazylan situa-se
diretamente naquele segundo nível: o de louvor do benfeitor e do benefício
recebido. Já a formulação latina de gratidão, gratias ago, que se
projetou no italiano, no castelhano (grazie, gracias) e no francês (merci,
mercê)(10) é relativamente complexa. Tomás diz (I-II, 110, 1)
que seu núcleo, graçacomporta três dimensões: 1) obter graça, cair
na graça, no favor, no amor de alguém que, portanto, nos faz um benefício; 2)
graça indica também dom, algo não devido, gratuitamente dado, sem mérito por
parte do beneficiado; 3) a retribuição, "fazer graças", por parte do beneficiado.
No tratado De Malo (9,1), acrescenta-se um quarto significado
de gratias agere: o de louvor; quem considera que o bem recebido
procede de outro, deve louvar.
No amplo quadro que expusemos - o das expressões de gratidão em inglês, alemão,
francês, castelhano, italiano, latim e árabe - ressalta o caráter profundíssimo
de nossa forma: "obrigado"(11). A formulação portuguesa,
tão encantadora e singular, é a única a situarse, claramente, naquele mais
profundo nível de gratidão de que fala Tomás, o terceiro (que, naturalmente,
engloba os dois anteriores): o do vínculo (ob-ligatus), da obrigação, do
dever de retribuir. Podemos, agora, analisar a riqueza de sugestões que se
encerra também na forma japonesa de agradecimento(12). Arigatô remete
aos seguintes significados primitivos: "a existência é difícil",
"é difícil viver", "raridade", "excelência (excelência
da raridade)". Os dois últimos sentidos acima são compreensíveis: num
mundo em que a tendência geral é a de cada um pensar em si, e, quando muito,
regularem-se as relações humanas pela estrita e fria justiça, a excelência e a
raridade salientam-se como característica do favor. Mas, "dificuldade de
existir" e "dificuldade de viver", à primeira vista, nada teriam
que ver com o agradecimento. No entanto, S. Tomás ensina (II-II, 106, 6) que a
gratidão deve - ao menos na intenção - superar o favor recebido. E que há
dívidas por natureza insaldáveis: de um homem em relação a outro, seu benfeitor,
e sobretudo em relação ao Ser Transcendente: "Como poderei retribuir-lhe -
diz o Sl. 115 - por tudo o que Ele me tem dado?". Nessas situações de
dívida impagável - tão frequentes para a sensibilidade de quem é justo - o
homem agradecido sente-se embaraçado e faz tudo o que está a seu alcance (quid-quid
potest), tendendo a transbordar-se num excessum que se
sabe sempre insuficiente(13) (cfr. III, 85, 3 ad 2). Arigatô aponta
assim para o terceiro grau de gratidão, significando a consciência de quão
difícil se torna a existência (a partir do momento em que se recebeu tal favor,
imerecido e, portanto, se ficou no dever de retribuir, sempre impossível de
cumprir...).
Sinônimos?
Tomás é muito estrito no
uso da palavra "sinônimo": para ele, são sinônimas somente palavras
de significados absolutamente equivalentes, isto é, que não só indicam a mesma
realidade (res), mas também o mesmo aspecto, a mesma ratio.
Diz, por exemplo: "Embora essas palavras signifiquem a mesma realidade, não
são sinônimas porque não a enfocam sob o mesmo aspecto"(14).
Assim, para Tomás, duas (ou mais) palavras são sinônimas se (e somente se...)
em quaisquer contextos puderem ser comutadas sem real alteração de sentido: o
exemplo que dá, no Comentário às Sentenças, é tunica, vestis e indumentum.
O que quer que se afirme (ou negue) de tunica, será afirmado (ou
negado...) também de vestis(15). É como trocar
"meia-dúzia" por "seis"... Nós, hoje, com me-nos precisão,
admitimos como sinônimas justamente palavras que - embora com diferentes
títulos ou ênfases - apontam para a mesma realidade. Assim, de
"sinônimo", diz o Aurélio: "palavra que tem quase (sic)
a mesma significação que outra". Já o Larousse, explicita melhor:
"mots qui se présentent dans la langue avec des sens très proches et
qui se différencient entre eux par une nuance (trait particulier)". Já o Oxford distingue e registra
dois sentidos, o estrito e o lato: "Synonym - 1. Strictly, a word having the
same sense as another (in the same language); but more usually (grifo
nosso), either or any of two or more words (in the same language) having the
same general sense, but possessing each of them meanings which are not shared
by the other or others, or having different shades of meaning (grifo
nosso) or implications appropriate to different contexts: e.g. serpent, snake;
ship, vessel etc.".
Para Tomás, pelo contrário, como dizíamos, duas
palavras podem referir-se à mesma e única realidade e, no entanto, não serem
sinônimas: porque diferentes são suas rationes. É o caso, por
exemplo, dos diversos nomes pelos quais designamos a Deus ou seus atributos
(Criador, Onipotente, a Bondade, a Justiça etc.): todos incidem sobre a mesma
realidade, mas não são sinônimos(16). Seja como for, do ponto de
vista metodológico, são de especial interesse para o filósofo, dois pontos: 1)
a busca de contextos da linguagem comum em que uma palavra não pode - sem
alteração de sentido - ser substituída por nenhum "sinônimo": este é
um fecundo procedimento para atinar com a realidade antropológica significada
pelo vocábulo e 2) O segundo ponto a destacar é o fato de que cada
"sinônimo" tem sua ratio, aponta para um determinado
aspecto diferente da mesma e única realidade: tal como quando falamos em
"casa", "lar", "domicílio" ou
"residência". Em si, a realidade a que se referem estas palavras é a
mesma e única edificação - na Rua Tal, número tal -, mas ninguém diz
"domicílio, doce domicílio", nem a Prefeitura cobra impostos sobre
meu lar, etc.(17). Essa multiplicidade de formas de
linguagem para a mesma res tem importância na análise que
Tomás faz do amor.
"Meu caro"
A riqueza (e a precisão) de vocabulário vivo para
determinado assunto em uma língua denota o interesse vital dos falantes por
aquele tema. Nesse sentido, note-se, por exemplo, o incrível detalhamento a que
chegou o léxico futebolístico no Brasil, em que a resolução da linguagem chega
a distinguir: bicicleta, meia-bicicleta, puxeta e voleio! Do mesmo modo, S.
Tomás apresenta distinções entre diversos "sinônimos" de amor em
latim, interessantes do ponto de vista da antropologia filosófica. Assim, ao afirmar
(em I Sent. d.10, q.1, a. 5, ex) que o Espírito Santo é amor ou caritas ou dilectio do
Pai e do Filho, precisa que amor indica a simples inclinação
de afeto para o amado, enquanto dilectio ("como a própria
etimologia indica") pressupõe escolha e é, portanto, racional. Já caritas,
objeto de particular estudo neste tópico, enfatiza a veemência do amor (dilectio)
enquanto se tem o amado por inestimável preço ("inquantum dilectum sub
inaestimabili pretio habetur"), no mesmo sentido em que dizemos que as
coisas (o custo de vida, as compras) estão caras ("secundum quod res
multi pretii carae dicuntur").
Há aqui um fato surpreendente e muito sugestivo. Não é por acaso que, também em
outras línguas, se use a mesma e única palavra para dizer: "meu caro
amigo" e "o feijão está caro" ("my dear friend",
"beans are too dear"; "mon cher ami" e "haricots sont
trop cher"). Para o realismo medieval, não há nenhum choque em que a
palavra "caridade", escolhida para designar o amor de Deus (e o amor
ao próximo por Deus) seja a palavra, pré-cristã, ligada a dinheiro, preço:
caridade, o amor pelo amado, insiste Tomás, indica aquilo (uma coisa, um
objeto) que consideramos de inestimável preço, como caríssimo: "Caritas
dicitur, eo quod sub inaestimabili pretio, quasi carissimam rem, ponat amatum
caritas" (In III Sent. d.27, q.2, a.1, ag7). Assim, quando dizemos
"meu caro amigo" ou "caríssimo Fulano", estamos valendo-nos
de metáforas de preço (daí, também, a-preço, prezado, menos-prezo, des-prezo
etc.), de estima, de estimativa.
Nesta mesmíssima linha, situa-se a fórmula de cortesia árabe, ante um amigo que
diz que vai pedir algo: "Anta gally wa talibuka rakhiz"
("você é caro e seu pedido é barato"). E quando nos lembramos que
Cristo compara o Reino dos Céus a um tesouro que um homem encontra num campo ou
a um mercador que procura pedras preciosas e que a obtenção desse bem requer a
venda de todo o resto, não nos surpreenderá que "caridade" seja a palavra
para designar o bem apreciado.
Voltemo-nos agora para uma outra situação de nossa vida quotidiana, a de
felicitação, procurando resgatar o sentido originário dos votos de
congratulação. Seguindo o procedimento medieval, estaremos atentos à
etimologia.
"Parabéns"
Quando transcendemos o âmbito protocolar das
formalidades e da praxe, os votos de felicitação: "Parabéns!" (e seus
irmãos: o espanhol Enhorabuena!, o inglês Congratulations!,
o italiano Auguri!), vemos que eles trazem em si diferentes e complementares
indicações sobre o mistério do ser e o do coração humano. O que significam
exatamente essas formulações? O que realmente queremos dizer, quando dizemos
"parabéns" ou "congratulations" etc.? Todas
essas expressões trazem em si um profundo significado, por assim dizer,
"invisível a olho nu".
Comecemos pela fórmula castelhana: Enhorabuena!, literalmente
"em boa hora". Enhorabuena indica que um determinado
caminho (os anos de estudo que desembocaram numa formatura, o árduo trabalho de
montar uma empresa que se inaugura etc.) chega, nesta hora, em que se dão as
felicitações, a seu termo: esta é que é a hora boa, enhorabuena!
Precisamente o fato de ser a hora da conclusão é que a torna uma boa hora. A
sabedoria dos antigos fala da "hora de cada um", de horas boas e más.
Mas a hora boa, a hora melhor é a da conclusão, a da consumação, a do bom termo
do caminho, a hora do fim, que é melhor do que a do começo: "Melior est
finis quam principium" (Ecl. 7,8), diz a própria Sabedoria divina.
Já a formulação inglesa, também presente no alemão e em outras línguas, congratulations,
expressa a alegria compartilhada pelo bem do outro, com quem nos congratulamos,
isto é, nos co-alegramos. Essa comunhão na alegria é sugerida também pela forma
depoente dos verbos latinos gratulor e congratulor.
A forma depoente está a indicar que a ação descrita no verbo não é ativa nem
passiva: mas uma ação que, exercida pelo sujeito, repercute nele mesmo. Ou
seja, no caso, que a alegria que externamos ao felicitar tal pessoa é também, a
título próprio, muito nossa.
O árabe mabruk lembra o caráter de bênção daquele dom pelo
qual felicitamos alguém.
Com a encantadora forma nossa, "Parabéns!", estamos expressando
precisamente isto: que o bem conquistado, que a meta atingida seja usada
"para bens". Pois, qualquer bem obtido (o dom da vida, dinheiro ou a
conquista de um diploma) pode, como todo mundo sabe, ser empregado para o bem
ou para o mal.
O italiano, auguri, auguri tanti!, anuncia (ou enseja) que este bem
celebrado é só prenúncio, prefiguração, augúrio de outros ainda maiores que
estão por vir.
"Meus pêsames"
"Carregava uma
tristeza...", diz o antigo samba de Paulinho da Viola: a tristeza é -
evidentemente - um peso, os famosos pesares...! E para carregar o peso da dor,
da tristeza, nada melhor - ensina Santo Tomás - do que a ajuda dos amigos:
"porque a tristeza é como um fardo pesado que se torna mais leve para
carregar, quando compartilhado por muitos: daí que a presença dos amigos seja
tão apreciada nos momentos de dor"(18).
Compreende-se, assim, imediatamente, que a expressão de condolências
("doer-se com") seja pêsames, literalmente: pesa-me ("eu te
ajudo a carregar o peso desta tua tristeza").
“Perdoe-me"
"Perdonare" é uma forma tardia que
não se encontra em Tomás. A palavra correspondente e usual, por ele empregada,
é par-cere. No entanto, encontramos em S. Tomás as razões
filosóficas que justificam a grandiosa etimologia das formas modernas:
"perdoar", "perdão", "perdonar",
"pardon", "pardonner" etc.
O prefixo per acumula os sentidos de "por"
("através de") e de plenitude, grau máximo: como em perlavar (lavar
completamente) perfulgente (brilhantíssimo), per-feito, per-manganato
etc. E, assim, o perdão aparece como o superlativo da doação. O mesmo se dá com
as formas inglesa e alemã: for-give, vor-geben.
Como o Aquinate pensa o tema do perdão e como o relaciona com o máximo da
doação? Há aí influências bíblicas e litúrgicas. Na liturgia, Tomás
impressiona-se com a oração, por ele freqüentemente citada(19), da
missa do X domingo depois de Pentecostes (e, ainda hoje, preservada no XXVI
domingo do tempo comum), que diz: "Deus qui omnipotentiam tuam parcendo
maxime manifestas" ("Deus, que manifestais vossa onipotência,
principalmente perdoando..."). E afirma que o perdão de Deus é poder
superior ao de criar os céus e a terra (II-II, 113, 9, sc).
Por outro lado, ele lê na tradução latina da epístola aos efésios: "sede
benignos e 'doai-vos' uns aos outros, tal como Deus, em Cristo, vos
'doou'" (Ef 4,32)(20). E em II Cor 2:10 "A quem vós
'doeis' eu também 'dôo' e o que eu 'doei' etc."(21). Tomás não
tem dúvidas: o doar, por excelência, não é doar dinheiro ou tempo ou qualquer
outra coisa, mas sim perdoar(22).
E conclui, com sua habitual sobriedade, com sugestivos id est:
"Donate, id est parcite" (Super II ad Cor.
cp 12, lc 4) e "Donantes, id est parcentes" (Super
ad coloss. cp 3 lc 3) .
1. "Nisi enim nomen scieris, cognitio rerum
perit" (Et. I, 7,1) e
"Nam dum videris unde ortum est nomen, citius vim eis intellegis" (Et. I,
29,2).
2.
Veja-se, a propósito, o capítulo "Educação e Memória" in Lauand, Medievália,
São Paulo, Hottopos, 1996.
3.
"Quia enim nos non possumus omnes nostras conceptiones uno verbo
ex-primere, ideo oportet quod plura verba imperfecta formemus, per quae
divisim exprimamus omnia, quae in scientia nostra sunt (Super
Ev. Io. Cp 1, lc1).
4.
"Et quia essentialia principia sunt nobis ignota, frequenter ponimus in
defini-tionibus aliquid accidentale, ad significandum aliquid essentiale"
(In ISent. ds25 q 1, a 1, r 8).
5.
"Diversae linguae habent diversum modum loquendi" (I, 39, 3 ad 2).
6.
Cito pela edição em hipertexto-Cd-ROM: OED 2nd. ed. on CD-ROM,
1994.
7.
Já Sêneca - citado por S. Tomás, II-II, 106, 3 ad 4 - fala de que não pode
haver gratidão, senão pelo que ultrapassa o estritamente devido, "ultra
debitum". Ministerium tuum est ("Você não fez
mais que sua obrigação") e outras do mesmo teor são, como se vê, fórmulas
já bastante antigas.
8.
"Est gravissimum inter species ingratitudinis, cum scilicet homo
beneficium non recognoscit" (In II Sent. d.22 q.2 a.2 r.1).
9.
"Quia dum morbum non cognoscit, medicinam non quaerit", ibidem.
10. Merci é
derivado de merces (salário), que tomou no latim popular o
sentido de preço, do qual derivou o de "favor" e o de
"graça".
11.
Infelizmente, nestes últimos anos, no Brasil, "obrigado" vem sendo
substituído pelo insosso "valeu!".
12.
Devo à Profa. Chie Hirose as observações sobre a expressão Arigatô na
língua japonesa.
13.
Dessa insuficiência de quem sabe não dispor de moeda forte, nasce o recurso a
Deus, consignado na expressão "Deus lhe pague", que, naturalmente,
deixa subentendido que um pobre homem, como eu, não pode fazê-lo...
14.
"Quamvis nomina dicta eandem rem significent, non tamen sunt synonyma:
quia non significant rationem eandem" (CG I, 35, 1).
15.
"Sicut patet etiam in synonimis; tunica enim et vestis eamdem rem
significant, tamen nomina sunt diversa; et similiter indumentum. Unde affirmationes et
negationes quae pertinent ad rem, non possunt verificari, ut dicatur: tunica
est alba, indumentum non est album" (In I Sent. d. 34, q.1,
a.1, r.2)
16."Ostenditur etiam ex dictis quod,
quamvis nomina de Deo dicta eandem rem significent, non tamen sunt synonyma:
quia non significant rationem eandem" CG I, 35, 1. Ou
"Cum non secundum eandem rationem attribuantur, constat ea non esse
synonyma, quamvis rem omnino unam significent: non enim est eadem nominis
significatio, cum nomen per prius conceptionem intellectus quam rem intellectam
significet" CG I, 35, 2.
17.
Ainda que, naturalmente, há casos em que é legítima a substituição de uma
dessas palavras por outra, ou indiferente o uso desta ou daquela: afinal são
"sinônimas"!
18. "Quod tristitia est sicut onus grave
quod quanto plures transsumunt fit levius ad portandum et sic presentia amici
delectabilis" (Tabula libri Ethicorum, cpt).
19.
Por exemplo em II-II, 113 9, sc e In IV Sent. d.46, q.2, a.1,
cag1.
20.
"Estote autem invicem benigni misericordes donantes invicem sicut et
Deus in Christo donavit nobis".
21.
"Cui autem aliquid donatis et ego nam et ego quod donavi si quid donavi
propter vos in persona Christi".
22."Doar
aqui é usado no sentido de perdoar" Super II ad Cor. cp
12, lc 4.
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Fonte: http://www.hottopos.com/notand1/antropologia_e_formas_quotidiana.htm. Conferência proferida sob o título 'Antropologia e Formas quotidianas - a Filosofia de S. Tomás de Aquino Subjacente à nossa Linguagem do Dia-a-Dia'.