segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O espetáculo, o vazio e Pascal: o superficial preenchimento de quem não pensa

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Por Michel Aires de Souza

(Universidade de São Paulo – USP)


A consciência é o melhor livro de moral, e o que menos se consulta
(Blaise Pascal)

Que sentido, que valor imprimimos a nossa ação? Somos seres incapazes de contemplar ou tomar conhecimento do que cotidianamente fazemos de nossas vidas. Por que fazemos o que fazemos?  Por que levamos a vida que levamos?  Ora queremos um novo emprego; ora queremos um novo amor; ora queremos um novo carro; ora queremos uma nova casa. Os seres humanos sempre estão em busca de dinheiro, poder, notoriedade ou divertimentos. Logo que realizam um desejo, surge outro desejo. Nunca estão satisfeitos. Passam a vida buscando bens materiais ou bens simbólicos. São eternamente inquietos. São governados por um querer cego e irracional.  Numa primeira análise, somos levados a crer que o único objetivo da vida humana é destruir a própria solidão. Eles não conseguem ficar sozinhos, precisam sempre de agitação. Estão sempre em busca de algo.  Envolvem-se em tarefas arriscadas e difíceis; envolvem-se em projetos, conflitos ou conquista que, muitas vezes, lhes trazem infelicidade. Não suportam o silêncio ou  estar consigo mesmos. Precisam do barulho, do ruído e da agitação. São incapazes de desligar a televisão ou o rádio quando estão sozinhos em casa. Fogem da solidão como ‘o diabo foge da cruz’. Pascal, no século XVII, já havia pensado sobre esse problema. Para ele, as pessoas são agitadas, pois não conseguem ficar consigo mesmas, são incapazes de refletirem sobre sua condição humana.
Como sugeriu Platão, o nosso espírito é uma caverna, o que falta ao homem é eternidade.  Os indivíduos são seres vazios. Vivem na busca de preencher seu mundo interior com algum entretenimento ou com algum objeto.  Todo o seu sentido interno se expressa pelo sensível e pelo concreto. Buscam preencher sua interioridade com todo tipo de banalidades.
O que falta ao homem é consciência de sua facticidade.  Estamos lançados no mundo como um barco sem rumo. A imanência nas coisas nos tira a consciência de nossa condição finita e nos condena a banalidade da vida cotidiana. É somente a consciência de nossa condição finita, é somente a consciência do Nada, que nos permite transcender e reavaliarmos nossa própria vida e comportamento, dando sentido e significados ela.
Vivemos numa época de incerteza, de insegurança e de superficialidade. Temos dificuldade em entender a nossa própria experiência social e não conseguimos nos dar conta da relação que há entre nossas vidas e as forças que nos subjugam. Não percebemos que nossos dramas, conflitos, medos, frustrações são, em grande parte, causados pelos valores de nossa sociedade ou pelas estruturas sociais que nos governam. Por causa disso, não temos uma experiência bem definida das nossas próprias necessidades, não sabemos o que sentimos ou o que verdadeiramente queremos.  Todos os dias os indivíduos acordam cedo, vão para o trabalho, almoçam com os mesmos colegas, compartilham as mesmas experiências. Quando voltam do trabalho para casa, conversam sobre os mesmos assuntos, fazem as mesmas atividades e assistem os mesmos programas de televisão. Aos finais de semana,  buscam as mesmas agitações e divertimentos.  Eles são incapazes de perceber que possuem uma vida fragmentada.  Estão sempre em movimento, em busca de um desejo insuflado pela sociedade. Apegam-se a verdades, valores ou regras externas que não escolheram conscientemente. Como se o mundo tivesse um sentido ou um significado dado a priori. São seres despersonalizados pela cultura. Vivem numa Matrix, incapazes de separar a consciência da realidade. São incapazes de contemplar o seu mundo interior. São incapazes de reconhecer o Nada e darem sentido a suas próprias vidas. Como diz Montaigne, “meditar sobre a finitude é meditar sobre a liberdade”.