Um rápido "exercício de lucidez" logo evidencia que este é um período de fim de ano, por comparação histórica aos anteriores, marcadamente desalentador. Um mundo cada vez mais confuso, quase a avisar que se avizinham tormentas e catástrofes. Faz lembrar as palavras de Walter Benjamin sobre o quadro de Paul Klee relativo à alegoria do anjo da história: "onde diante de nós aparece um encadeamento de acontecimentos, ele [o anjo] vê uma catástrofe única, que vai empilhando incessantemente escombros sobre escombros, lançando-os diante de seus pés." No quadro de confusão geral no mundo, a situação brasileira é um capítulo à parte, oscilando entre o cômico e, infelizmente, o trágico. Em tempos assim, ter dispositivos 'intrapsíquicos de defesa pessoal' contra a aridez das circunstâncias pode fazer a diferença. Trata-se de recuperar a tradição do pensamento clássico a respeito da reflexão sobre os modos de aplacar o sofrimento e os caminhos da 'boa vida', conforme Aristóteles (isso não tem a ver, claro, com a indústria bibliográfica contemporânea da autoajuda). O texto aí abaixo, de algum modo, incursiona na referida perspectiva, com foco no significado e nas premissas da maturidade.
A Idade Madura - Camille Claudel |
Por Flávio Gikovate
(Médico-psiquiatra, psicoterapeuta e escritor – in memoriam)
Penso que a maturidade emocional se caracteriza pelo atingimento
de um estado evolutivo no qual nos tornamos mais competentes para lidar com as
dificuldades da vida e por isso mesmo com maior disponibilidade para usufruir
de seus aspectos lúdicos e agradáveis.
Talvez
a principal característica da pessoa madura esteja relacionada com o
desenvolvimento de uma boa tolerância às inevitáveis frustrações e
contrariedades a que todos nós estamos sujeitos. Tolerar bem frustrações não
significa não sofrer com elas e muito menos não tratar de evitá-las. A boa
tolerância às dores da vida implica
certa docilidade, capacidade de absorver os golpes e mais ou menos rapidamente
se livrar da tristeza ou ressentimento que possa ter sido causado por aquilo
que nos contrariou.
Pessoas
maduras também se aborrecem com as frustrações, mas não “descarregam” sua raiva
sobre terceiros que nada têm a ver com o que lhe ocorreu. Freud dizia que a maturidade se caracterizava pela substituição da
raiva pela tristeza, e penso que ele tinha razão. Acrescento mais um
ingrediente, qual seja, o de que devemos tratar de nos livrar da tristeza o
mais depressa possível.
A
maturidade emocional tem muito a ver com o que, hoje em dia, se chama de
inteligência emocional (I.E.): competência para se relacionar com pessoas em
todos os ambientes, habilidade para evitar conflitos desnecessários e até mesmo
tentar harmonizar interesses e agir sempre em prol da construção de um clima
positivo e agradável nos ambientes que [se] frequenta. Assim, a pessoa mais
amadurecida busca também a evolução moral, condição que a leva a agir de modo
equânime, atribuindo a si e aos outros direitos e deveres iguais.
Pessoas
com boa maturidade também agem com certa estabilidade de humor, de modo que não
são criaturas “de lua”, aquelas que nunca se pode saber com antecipação em que
estado de humor estarão. É claro que a estabilidade de humor não significa
estar sempre alegre e feliz; o humor das pessoas mais equilibradas é
proporcional ao que está lhes acontecendo, sendo que os momentos de tristeza
são vividos com dignidade e de forma nobre.
As
pessoas mais tolerantes a frustrações, moralmente mais bem desenvolvidas e de
humor estável, são capazes de despertar a confiança daqueles que com elas
convivem. Assim, tornam-se bons parceiros sentimentais, bons amigos, sócios,
colegas de trabalho…
A
maturidade acaba vindo acompanhada de uma série de boas propriedades, e elas
são motivo de satisfação dos que foram capazes de avançar na direção de
conquistá-la. É claro que o processo de evolução é interminável e jamais
deveríamos nos considerar como um “produto acabado”; estar sempre progredindo
tende a determinar um estado de alma positivo.
Outra
característica da maturidade é o senso de responsabilidade sobre si mesmo,
assim como o desenvolvimento de uma sólida disciplina: isso significa controle
racional sobre emoções, especialmente a preguiça. Uma razão forte também exerce
controle e administra a inveja, os ciúmes, assim como a raiva e a
agressividade. Controlar não significa reprimir e muito menos sempre deixar de
agir de acordo com as emoções; significa apenas que elas passam pelo crivo da
razão e só se tornam ação quando por ela avalizadas. Esse é mais um motivo para
que sejam criaturas confiáveis, uma vez que exercem adequado domínio sobre si
mesmas.
Os
mais evoluídos emocionalmente tentem a ser mais ousados e a buscar com
determinação a realização de seus projetos. Têm menos medo dos eventuais – e
inevitáveis – fracassos, pois se consideram suficientemente fortes para superar
a dor derivada dos revezes. Ao contrário, aprendem com seus tombos, reconhecem
onde erraram e seguem em frente. Costumam ter melhores resultados do que
aqueles mais acanhados.
Finalmente, para que possamos viver com serenidade e alegria, temos
que aceitar uma propriedade essencial da nossa condição: somos governados pelo
que chamo de “princípio da incerteza”; ou seja, não sabemos responder as
questões essenciais que caracterizam nossa existência: qual o sentido da vida,
de onde viemos, para onde vamos, por quanto tempo estaremos aqui, etc. É sobre
esse solo de areia movediça que temos que construir nosso castelo e fazê-lo com
persistência mesmo sabendo que ele pode ruir a qualquer momento.
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Fonte: http://flaviogikovate.com.br/