Por Daniel Aarão Reis
(Professor de História
Contemporânea da UFF/RJ)
Nós Podemos (We can)! Foi com este slogan
afirmativo e esperançoso que Barak Obama disputou e ganhou, em novembro de
2008, as eleições presidenciais nos EUA. O improvável mais uma vez acontecia na
História — um negro, casado com uma negra, mestiço de mãe branca e de pai
africano e muçulmano, ascendia ao governo do país mais poderoso do planeta.
Oito anos depois, é possível elaborar um balanço
objetivo do que se pôde fazer?
Os adeptos de Obama enfatizam aspectos positivos:
na política internacional, os EUA saíram do atoleiro do Iraque, livraram-se de
Bin Laden, concluíram um acordo nuclear com o Irã, normalizaram relações com
Cuba. E melhoraram as relações do país com o resto do mundo. No plano interno,
o momento mais difícil da crise econômica foi superado. A economia registra
índices positivos de crescimento, caiu o desemprego que, em 2008, estava em
7,8%, em alta, para 4,9%, em baixa. Foi aprovado um programa de saúde pública —
o Obamacare —, capaz de atender 20 milhões de pessoas — a grande maioria de
adultos pobres e/ou negros. Triplicou a produção de energia limpa (eólica e
solar), num contexto de avanços consideráveis da consciência ecológica na
sociedade. Na esfera jurídica, houve a legalização do casamento gay e duas
mulheres foram nomeadas para a Suprema Corte, uma delas, Sonia Sotomayor, de
origem latina, coisa inédita. E seria preciso considerar as circunstâncias
adversas: da terrível crise econômica em 2008 à implacável oposição dos
republicanos.
Um balanço positivo?
Così è se vi pare — Assim é se lhe parece, dizia L.
Pirandello.
Numa perspectiva crítica, o quadro é algo mais
nuançado.
Os EUA continuam envolvidos em várias guerras. No
Afeganistão a presença norte-americana aumentou. Na Síria, o fracasso é
evidente. A base de Guantánamo em Cuba não foi fechada, conforme promessa
expressa. Os bombardeamentos com drones cresceram em cerca de 700%, suscitando
milhares de mortes, inclusive de civis. As alianças com ditaduras (Egito) e
regimes retrógrados (Arábia Saudita) sequer foram questionadas, para não falar
na conciliação aberta com os governos de Israel que ignoram alegremente as
resoluções internacionais concernentes ao conflito com os palestinos (colônias
ilegais na Cisjordânia e estatuto de Jerusalém). A recuperação econômica deve
ser mais bem ponderada, pois aumentaram de forma brutal as desigualdades
sociais e explodiram os lucros extraordinários das grandes corporações, que
continuam — sobretudo os grandes bancos — livres e soltos, vorazes,
desregulamentados. Os próprios números do desemprego devem ser relativizados,
pois as estatísticas ignoram, como sempre, os que desistiram de procurar
trabalho e os 6 milhões que vivem — por falta de alternativas — de ocupações de
meio tempo. No capítulo da Justiça, houve muita injustiça: nenhum torturador
denunciado ou julgado, embora a tortura tenha sido utilizada com frequência nas
guerras abertas e nas outras — secretas e nem tão secretas. Também não foi para
a cadeia nenhum criminoso de “colarinho branco”, o que é surpreendente,
considerando-se a devastação provocada, nos EUA e em toda a parte — pela
especulação financeira e pela crise mundial daí resultante. Entretanto, Obama
tem sido severíssimo com E. Snowden, que teve a coragem de denunciar o
gigantesco sistema de espionagem que ele nada fez para controlar. As execuções
perpetradas por policiais e os atentados contra os negros aumentaram de tal
maneira que se constituiu no país um movimento pela defesa de vidas — Black
lives matter. Não é um paradoxo que isto tenha ocorrido sob a presidência — de
oito anos — de um político negro, líder de um partido que tem a defesa das
minorias como um dos pontos importantes de seu programa?
É certo registrar que a oposição no Congresso fez
dura a vida de Obama. Mas o crescimento republicano — e de sua ala extrema, o
Tea Party — é praga lançada por uma divindade má? Ou é resultado de uma
política conciliatória que acumula fracassos políticos? Obama elegeu-se em 2008
e se reelegeu em 2012, mas na renovação do Parlamento sofreu derrotas
contundentes em 2010 e 2014. Nada fez para reformar o sistema político
americano e esta aberração antidemocrática chamada Colégio Eleitoral, que, em
pleno século XXI, desrespeita o sufrágio universal em proveito de algumas
centenas de iluminados. O fiasco maior da vitória do lamentável Donald Trump
não foi um mero acaso, mas o epílogo de uma política mole e inconsistente.
“Fiz o que era certo ser feito”, disse Obama no
último encontro com jornalistas. A autoindulgência não é boa conselheira. Já
passou da hora para que se compreenda que a conciliação com os desmandos
provocados pela globalização e pela desregulamentação financeiras só alimenta
direitas e nacionalismos sectários e, no limite, gera crises e guerras de
dimensões imprevisíveis.
------------------------------------
Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/os-limites-da-conciliacao-20695462. Título original: 'Os limites da conciliação'.