O governo federal parece disposto a generalizar o quadro de falência de estados como o Rio Grande do Sul para o restante do país. Funcionários públicos estaduais sem receberem os seus vencimentos e o caos na saúde, educação e segurança, ao que tudo indica, são fatos que nada dizem aos mandatários de Brasília. Aí abaixo, um texto curto, mas certeiro de André Singer a respeito. Como disse Drummond, querem "pôr fogo em tudo."
André Singer
(Cientista político –
USP)
Apesar
de algum possível alívio a ser trazido pela liberação das contas inativas do
FGTS, no conjunto da obra o bando peemedebista que se apossou do poder
demonstra surpreendente audácia. Quanto maiores os sinais de perigo, mais
atiçam o fogo que crepita sob a cadeira presidencial.
Na
quinta-feira (22), Michel Temer declarou que aproveitava a "baixa
popularidade para tomar medidas impopulares". Talvez tenha achado astuta a
tirada suicida do publicitário Nizan Guanaes e
decidiu acolhê-la mesmo depois que a Folha mostrou
a efetiva disparada da reprovação a seu nome(11/12).
À
frente de um ilegítimo mandato semiparlamentarista, seria de se esperar que o
chefe de governo tivesse ouvido com mais atenção o recado emitido pela Câmara
dos Deputados na terça-feira (20). Ao aprovar, por 296 a 12, proposta que
aliviava a situação dos Estados, a Casa mostrou o risco de quebrar as unidades
da federação em nome de uma austeridade extrema. Os nobres deputados podem até
se distanciar da opinião pública, como ficou claro no gorado projeto de anistia
ao Caixa 2, mas dificilmente contrariam o humor popular.
Ao
recusar o cancelamento de reajustes já acordados com servidores e o aumento da
contribuição previdenciária de funcionários, os parlamentares buscaram amenizar
a indignação dos bem organizados sindicatos do setor público. Caso contrário,
os grêmios poderão funcionar como catalisadores da crescente rejeição popular
ao ajuste fiscal.
A
frustração com a falta de recursos nos hospitais e escolas estatais poderá
engrossar os confrontos violentos, que ocorrem quase que dia a dia no Rio de
Janeiro e em Porto Alegre.
Contudo,
em vez de acenar com algum alívio aos cofres regionais, ao menos enquanto o PIB
patina, Temer duplicou a aposta, reafirmando que as contrapartidas vetadas pela
Câmara serão repostas na negociação individual de cada governador com o Ministério
da Fazenda. Não satisfeito, o presidente ainda mandou apresentar, embora sob a
forma de projeto de lei, a reforma trabalhista que tende a tornar letra morta a
CLT.
Talvez
a clique planaltina tenha se impressionado com a facilidade para passar o teto
dos gastos. Ocorre que a população ainda não entendeu o significado do
congelamento orçamentário. Já a reação provocada pela reforma da Previdência,
cuja natureza parece ter sido rapidamente apreendida, deve ter apimentado
bastante o caldo de raiva que se forma contra a atual gestão.
Quem
sabe, por outro lado, os peemedebistas queiram provar aos colegas tucanos que
sacrificam, desde logo, qualquer possibilidade de disputar a Presidência da
República em 2018. Para isso, como dizia Drummond, arriscam "pôr fogo em
tudo", inclusive em si mesmos.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 24/12/2016. Título original: 'Pemedebistas ameaçam pôr fogo em tudo'.