Madres de Plaza de Mayo - Buenos Aires |
Por Nildo Ouriques
(Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade
Federal de Santa Catarina)
Não sou leitor disciplinado do Mário
Benedetti ainda que sempre cultivei pelo escritor uruguaio gratuita e precoce
simpatia. No entanto, gosto de seu ensaio, especialmente aqueles voltados para
entender a rebelde realidade da América Latina. Benedetti, quem foi
alfabetizado em alemão e conhece profundamente a cultura européia, carrega
magistralmente imensa originalidade latino-americana em tudo o que escreveu.
Ademais, nunca cultivou as convenientes ambiguidades de Jorge Luis Borges, para
ficar apenas no exemplo mais exuberante.
Foi no escrito Dos muertos que
no acaban de morir, título tomado da canção de Viglietti inspirado no poema
do peruano César Vallejo, onde Benedetti elucidou para a eternidade a relação
entre política e verdade quando nós, latino-americanos, nos defrontamos com os
presidentes estadunidenses e a política imperialista.
O texto foi lido em 1978 numa homenagem
a dois parlamentares uruguaios (Zulmar Michelini e Héctor Gutierrez Ruiz)
sequestrados e assassinados em Buenos Aires dois anos antes e apareceu num
livro quase esquecido, intitulado El recurso del supremo patriarca.
O genial escritor uruguaio elucida os
"ciclos da CIA", especialmente útil para todos aqueles que defendem a
democracia e rechaçam, ainda que de maneira cosmética, a violência na política.
É também muito importante para verificar como, de fato, funciona o sistema
democrático estadunidense e especialmente válido para entender o terrorismo de
estado, a modalidade terrorista mais letal que a Humanidade já conheceu.
Nesta semana o presidente dos Estados
Unidos, Barak Obama, visitou Cuba e Argentina. Aqui no país vizinho, Obama
confessou o "apoio dos Estados Unidos" à sangrenta ditadura
(1976-1983), período onde desapareceram e foram assassinados milhares de
argentinos (talvez mais de 30 mil). A assessora de segurança e política externa
do presidente estadunidense, Susan Rice, disse ao jornal espanhol El
País que, "para expressar nosso comprometimento com os direitos
humanos, o presidente visitará o Parque da Memória, a fim de homenagear a
memória das vítimas da guerra suja da Argentina. Além dos 4.000 documentos
sobre esse período obscuro que os EUA já liberaram, o presidente Obama, a
pedido do Governo argentino, anunciará um esforço para abrir documentos
adicionais, incluindo, pela primeira vez, documentos militares e de
inteligência. Acreditamos - disse a funcionária gringa - que essa viagem será
uma demonstração histórica da aproximação entre nação e a América Latina".
A "generosidade" de Obama me
recordou Benedetti e os "ciclos da CIA".
Abaixo, sem talento literário, traduzo
o trecho de Benedetti que dispensa comentário adicional.
"A história contemporânea ensina
que os porta-vozes oficiais norte-americanos nunca reconhecem de
imediato os excessos da CIA. Ainda mais: negam enfaticamente sua
própria intervenção, como se quisessem dar a entender que a CIA atua por sua
própria conta, sem consultar sequer a Casa Branca. Com frequência, transcorrem
vários anos antes que algum sagaz jornalista do Washington Post ou
do New York Times publique a previsível e sensacional série de
artigos, denunciando a participação da Agencia Central de Inteligência em tal
ou qual atentado (exitoso ou falido) ou em tal ou qual golpe de estado
(geralmente exitoso). Somente então aparecem os menos previsíveis senadores da
oposição (democratas, se o governo é republicano; republicanos, se o
governo é democrata) que, ecoando as denuncias jornalísticas, promovem
exaustiva investigação que, obviamente, vai demonstrar com pelos e sinais, e
também com gravações e fotografias, a culpabilidade da famosa Agencia. Uma vez
alcançado esse ponto de ebulição, é fácil concluir no horóscopo o capítulo
seguinte: aparecerão como por encanto comentaristas internacionais, jornalistas
de nota, locutores de radio e televisão, prêmios Nobel, escritores com bolsa,
ex-presidentes, ex-secretários da OEA, todos os quais lançaram sua voz para
elogiar até as lágrimas a vigência do direito no sistema democrático dos
Estados Unidos, capaz de detectar suas próprias transgressões, suas arapucas,
suas mentiras e crimes, e, como se fosse pouco, nomeando os culpados por seus
nomes e apelidos. Com semelhante toque final, e ainda que nenhuma dessas
esplendorosas virtudes sirva para que os assassinados ressuscitem, o terreno
fica pronto para começar a preparar a próxima eliminação de dirigentes de
esquerda, a próxima queda de um avião de passageiros, o próximo atentado às
embaixadas do Terceiro Mundo, e, assim sucessivamente. Como é lógico, quando
algum destes planificados novos golpes da CIA se produza, aparecerá o porta-voz
de sempre, ou seu substituto, para negar enfaticamente a
participação de seu governo, e somente três anos depois um jornalista hábil
descobrirá finalmente que foi a CIA a inspiradora do crime, e aparecerão
senadores da oposição, etc., etc. O ciclo se cumpre e feliz
páscoa."
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