Por Laura Carvalho
(Profa. do Departamento de Economia da FEA – USP)
Em meio à tempestade, parece
ter sido construído um consenso entre alguns setores do empresariado, do
mercado financeiro e do Congresso de que a queda da presidente Dilma Rousseff é
o melhor caminho para chegarmos a águas mais calmas. Com Michel Temer na
Presidência, a tão desejada estabilidade criaria as bases para a resolução das
atuais crises política e econômica nos próximos anos.
As condições econômicas
favoráveis que caracterizaram a segunda metade dos anos 2000 permitiram ao
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva compatibilizar a manutenção da alta
parcela da renda destinada ao 1% mais rico da população com a elevação do nível
de emprego formal e dos salários e a redução da disparidade entre o salário
mínimo e o salário médio da economia.
O ganha-ganha garantiu ao
ex-presidente a sua base de sustentação política, abrindo espaço para que uma
parte maior do Orçamento público fosse destinada a programas sociais, aos
gastos com saúde e educação e aos investimentos em infraestrutura.
Desde 2011, a desaceleração
econômica trouxe de volta um acirramento dos conflitos distributivos sobre a
renda e o Orçamento público. A inflação de serviços, que crescia com os
salários de trabalha- dores menos qualificados, deixou de ser compensada pelo
menor custo dos produtos e insumos importados –que era fruto da valorização
cambial– e passou a causar maior descontentamento.
As sucessivas tentativas de
resolver tais conflitos priorizando o lado mais influente da barganha, ora pela
via da concessão cada vez mais ampla de desonerações fiscais aos empresários
entre 2012 e 2014, ora pela via da elevação do desemprego, redução de salários
e ameaça aos direitos constitucionais, desde 2015, mostraram-se fracassadas na
estabilização da economia e na construção de uma base de sustentação política
para o governo Dilma.
Ignorando tais evidências,
Temer apresentou no fim de outubro um esboço de seu programa de governo no
documento intitulado "Uma Ponte para o Futuro", que foi elaborado por
uma fundação do PMDB com a colaboração do ex-ministro Delfim Netto. O texto,
entre outros itens, afasta a hipótese da elevação de impostos como caminho para
o ajuste das contas públicas, sugerindo, ao contrário, acabar com vinculações
constitucionais para os gastos com saúde e educação e com a indexação de
benefícios previdenciários ao salário mínimo.
"Nossa crise é grave e
tem muitas causas. Para superá-la, será necessário um amplo esforço
legislativo, que remova distorções acumuladas e propicie as bases para um
funcionamento virtuoso do Estado. Isso significará enfrentar interesses
organizados e fortes, quase sempre bem representados na arena política",
propõe.
Pelo teor do programa, os
interesses organizados e fortes que serão enfrentados em um eventual governo
Temer não são os dos financiadores de campanhas eleitorais, que já capitaneiam
seu barco, mas sim os dos trabalhadores e movimentos sociais –apoiadores ou
críticos ao governo– que foram às ruas na sexta-feira (18).
Não há registro histórico de
um governo que, mesmo contando com a legitimidade conferida pelo voto, tenha
conseguido, em meio a condições econômicas tão desfavoráveis e agravadas por
essas escolhas, garantir a estabilidade e a paz social por essa via sem o uso
de repressão crescente. Esses navegantes parecem, entretanto, decididos a
pescar em águas turvas.
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