O amanhecer em Cabo Branco - João Pessoa |
Por
Leont Etiel
Era um mês que principiava lentamente, e em que, embora no começo, trazia
em si a surpresa de um cansaço visionário. Há situações da vida que se revelam
assim: a surpresa está onde não há hipótese para ela, por isso surpresa, grandes,
outras pequenas e médias. O fato é que as surpresas não boas têm mais
propriamente os nomes de decepção e frustração, ao passo que as agradáveis
abrem frestas no tempo para oxigenar a existência e fazer a eternidade de
momentos chamados de felicidade.
O tempo de outono recuava
dando lugar às chuvas frias de um inverno com ventos fortes e ásperos que
estiolavam a calma de folhas ternas das árvores, estas confiante demais,
indefesas, perante o ciclo convencional da natureza. Pássaros, assustados,
voavam por sobre o parapeito da janela, onde
habitualmente pousavam na busca de
comida, ao mesmo tempo em que cantavam observando o oceano. Um mês que
principiava lentamente com chuva. Os bem-te-vis tinham a sua ousadia desafiada
pelo cair da água, sendo jogados para um lado e para outro, desviados do seu
ordinário trajeto e do seu alvo, e protestavam, com o canto, contra o clima inconstante.
Era um dia de um mês que
principiava, daqueles em que, muitas pessoas que convivem em proximidade, são
obrigadas a disfarçar a insatisfação, a conter palavras, por trás do silêncio
ou de um sorriso pela metade, forçado. O que vai nos pensamentos está em outro
local, mas o corpo se faz presente é ali, naquele momento, naquela situação que
se apresenta, que se está a viver, e então, como forma de testemunho da
presença do corpo na situação em pensamento ausente, palavras são trocadas em
monólogos, seguidos estes de sorrisos sem riso interior. E assim se vão os dias.
Tratava-se de um ano com um
mês que principiava, num dia em que se fica, sob o cinzento do nublado, a
pensar na postura das pessoas que dizem não ter tempo para pensar. E então
pensamos em dobro. Porque nada impede uma segunda camada de pensamento e de
conjecturas por trás da vivencia da existência ordinária, dos acontecimentos
corriqueiros, do comportamento das gentes com as quais se convive, da rotina
cotidiana, enfim.
De modo geral, cada um tem
certas regiões desconhecidas e não mapeadas que, quando descobertas, fervilham,
inquietam-se, caem em dúvidas, e ao mesmo tempo desencadeiam um impulso de luz
incandescente. Trazem coisas, trazem situações, trazem os seus nomes.
Stat rosa pristina nomine,
nomina nuda tenemus. Eco dos ecos: ‘a rosa antiga permanece no nome,
nada temos além do nome’. Era um dia de um mês que principiava, daqueles que
dizem que as coisas deixam atrás de si um nome.
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