terça-feira, 1 de março de 2016

A educação e a importância do diálogo


Zé Neto: 'o diálogo é uma condição fundante das
relações humanas' 


Por José Francisco de Melo Neto 
(Universidade Federal da Paraíba - UFPB)

Platão aparece, no momento histórico[1], em que se formavam as bases do que se passou a denominar de Paidéia, sinônimo de formação do homem grego que, para os dias de hoje, pode abarcar os termos cultura, civilização, literatura, tradição e mesmo educação, em sentido estrito. Paidéia, enfim, como expressão da construção da arete - a capacidade de realizar e pensar a virtude do homem grego.
Inicialmente, esteve a arete (virtude) vinculada à questão educativa. A sua evolução social, contudo, ampliou-se buscando o caminho que a educação precisaria seguir para se chegar até a própria arete.  Uma formação educativa que se voltaria não apenas à perspectiva de Homero[2] - a educação para o Homem da polis -, da cidade, mas, também, à visão de Hesíodo – uma educação ao Homem do campo, os agricultores.
No século IV a.C., o movimento espiritual importante já iniciado com Sófocles, terá na Paidéia o sentido estrito de educação, dominado pelos sofistas. O objetivo da educação dos sofistas estava baseado na formação do espírito, contendo uma multiplicidade de processos e métodos. Espírito como órgão humano capaz da apreensão do mundo das coisas e de se referir a ele mesmo. O espírito, portanto, como um princípio formal e marcado por este duplo aspecto. Para os sofistas, a educação do espírito adquirirá dupla modalidade: a transmissão de um saber que tenha dimensão enciclopédica, geral, e um outro a formação do espírito em seus diversos campos. Esta dualidade de formação sobreviveu até os dias de hoje, mas, uma outra perspectiva educativa foi formulada por Protágoras, sofista que, instigado por Platão, apresentou outra possibilidade para a educação formal, baseada não na estrutura do entendimento ou da linguagem, como as anteriores, mas na totalidade das forças espirituais. Para ele, as forças modeladoras da alma seriam a poesia, a música, além da gramática, da retórica e da dialética, sendo que essa forma de educação se realizaria na política e na ética. Na busca por uma educação universal, Protágoras a encontrará na educação política.
Contudo, terão os sofistas um forte oponente às suas idéias, Platão, que a partir de Sócrates, o educador grego, procura superar a perspectiva educativa sofista,  aproximando-se dos mesmos e, sobretudo, afastando-se também, tendo no método do logos (argumentação), o diálogo - o caminho para se chegar a uma conduta reta.
Bem ao estilo socrático, os ‘diálogos’ de Platão parecem não chegar a resultados definitivos, mesmo que estejam trazendo elementos educativos novos para cada discussão. Esse esperado final não aparece. Platão não se preocupa em ter desfechos nesses ‘diálogos’ e casos há em que se chega à aporia, a uma situação de impasse, uma dificuldade. Não é o resultado final que está contando. Torna-se importante o exercício da argumentação.
O ‘diálogo’ vai se apresentando como um caminho (método – meta + hodós) sempre aberto para uma sequência de argumentação ou novas definições. E qual o método? Um procedimento sempre dicotômico (dialético) ou de divisão em duas partes; em seguida, uma das partes será tomada para nova definição, que novamente será dividida, dando continuidade a este procedimento. Este método duplo conduz, de início, a uma técnica de argumentação que procura desmontar os conhecimentos prévios, tidos como verdadeiros e definitivos daquele que está sendo questionado pelo mestre, através da ironia. O segundo momento – a maiêutica - decorrente do primeiro, prepara o discípulo, por meio de perguntas, para que o mesmo traga à luz a verdade que há dentro de si mesmo. Contudo, é pela anámnesis (reminiscência) que se constitui a condição (subjetiva) desse trânsito, exigindo o diálogo para a sua concretização. Maiêutica, portanto, como um movimento dialógico para se chegar à verdade, um caminho do ‘eu’ para a própria interioridade.
O conhecimento daí gerado, resultante desse movimento de questões e respostas, não será um conhecimento de uma simples opinião infundada, daquilo que se pensa ter certeza. Agora, há toda uma argumentação em seu favor. Esta construção do caminho é o próprio método, fazendo da filosofia uma atitude[3] que não se satisfaz com o ato de colecionar afirmações categóricas ou definitivas. Este é um caminho nada econômico, pois aumenta os desvios, e, sobretudo, não teme a colocação de suas teses em dificuldades. Todavia, esta forma socrática do diálogo, presente na obra de Platão, só se torna possível na multiplicidade do mundo, mesmo que o ponto de chegada continue uma incógnita. O diálogo que contempla o ensaio e o erro, contendo a experiência com várias pessoas, se afirmando como de maior valor do que a de uma pessoa só.
O diálogo fora utilizado por todos os socráticos, porém, com Platão se afirma outra dimensão desse gênero literário, demonstrando a sua aplicação nos mais variados assuntos da vida grega. Por outro lado, é aceitável que as suas tentativas de se chegar à virtude, por meio do mesmo, mostre, tal qual Sócrates, que essa busca da essência da virtude consiste do saber e do conhecimento e recai na consciência. Mostra, enfim, a exaltação ao ímpeto de se conhecer e à fé no conhecimento, uma herança deixada para todo o ocidente.
Este procedimento dialogal, portanto, conduz a educação para as bases, necessariamente, de uma episteme (ciência), distanciando-se do plano instável da doxa (opinião). Platão, com a herança socrática, marca a direção da luta crítica (dialética) com as formulações educativas de seu tempo e com a tradição histórica de seu povo – com a sofística, a retórica, a matemática, legislação e Estado, astronomia, medicina, poesia e música. Procura encontrar o caminho a essa meta ao apresentar o problema da essência do saber e do conhecimento, além de outras temáticas presentes, até hoje, no processo educativo humano, tais como: a virtude, o amor, a justiça.




[1] Filósofo grego, discípulo de Sócrates, nascido no século V a.C.
[2] Homero e Hesíodo, poetas gregos, que viveram entre os séculos VIII e VII a.C. e marcaram a educação e a formação humana, grega e ocidental.
[3] Pode-se sugerir a prática que, conceitualmente derivada de práxis, refere-se à aplicação do que foi pensado, às artes – recta ratio factibilium (correta razão do que é materializado) -, e à prudência – recta ratio agibilium (correta razão das ações)

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