Zé Neto: 'o diálogo é uma condição fundante das relações humanas' |
Por José Francisco de Melo Neto
(Universidade Federal da Paraíba - UFPB)
Platão aparece, no momento histórico[1],
em que se formavam as bases do que se passou a denominar de Paidéia,
sinônimo de formação do homem grego que, para os dias de hoje, pode abarcar os
termos cultura, civilização, literatura, tradição e mesmo educação, em sentido
estrito. Paidéia, enfim, como expressão da construção da arete -
a capacidade de realizar e pensar a virtude do homem grego.
Inicialmente, esteve a arete (virtude)
vinculada à questão educativa. A sua evolução social, contudo, ampliou-se
buscando o caminho que a educação precisaria seguir para se chegar até a
própria arete. Uma formação
educativa que se voltaria não apenas à perspectiva de Homero[2] -
a educação para o Homem da polis -, da cidade, mas, também, à visão de Hesíodo
– uma educação ao Homem do campo, os agricultores.
No século IV a.C., o movimento
espiritual importante já iniciado com Sófocles, terá na Paidéia o sentido
estrito de educação, dominado pelos sofistas. O objetivo da educação dos
sofistas estava baseado na formação do espírito, contendo uma multiplicidade de
processos e métodos. Espírito como órgão humano capaz da apreensão do mundo das
coisas e de se referir a ele mesmo. O espírito, portanto, como um princípio
formal e marcado por este duplo aspecto. Para os sofistas, a educação do
espírito adquirirá dupla modalidade: a transmissão de um saber que tenha
dimensão enciclopédica, geral, e um outro a formação do espírito em seus
diversos campos. Esta dualidade de formação sobreviveu até os dias de hoje,
mas, uma outra perspectiva educativa foi formulada por Protágoras, sofista que,
instigado por Platão, apresentou outra possibilidade para a educação formal,
baseada não na estrutura do entendimento ou da linguagem, como as anteriores,
mas na totalidade das forças espirituais. Para ele, as forças modeladoras da
alma seriam a poesia, a música, além da gramática, da retórica e da dialética,
sendo que essa forma de educação se realizaria na política e na ética. Na busca
por uma educação universal, Protágoras a encontrará na educação política.
Contudo, terão os sofistas um forte
oponente às suas idéias, Platão, que a partir de Sócrates, o educador grego,
procura superar a perspectiva educativa sofista, aproximando-se dos mesmos e, sobretudo,
afastando-se também, tendo no método do logos (argumentação), o diálogo
- o caminho para se chegar a uma conduta reta.
Bem ao estilo socrático, os ‘diálogos’
de Platão parecem não chegar a resultados definitivos, mesmo que estejam
trazendo elementos educativos novos para cada discussão. Esse esperado final
não aparece. Platão não se preocupa em ter desfechos nesses ‘diálogos’ e casos
há em que se chega à aporia, a uma situação de impasse, uma dificuldade. Não é
o resultado final que está contando. Torna-se importante o exercício da argumentação.
O ‘diálogo’ vai se apresentando como
um caminho (método – meta + hodós) sempre aberto para uma sequência
de argumentação ou novas definições. E qual o método? Um procedimento sempre
dicotômico (dialético) ou de divisão em duas partes; em seguida, uma das partes
será tomada para nova definição, que novamente será dividida, dando
continuidade a este procedimento. Este método duplo conduz, de início, a uma
técnica de argumentação que procura desmontar os conhecimentos prévios, tidos
como verdadeiros e definitivos daquele que está sendo questionado pelo mestre,
através da ironia. O segundo momento – a maiêutica - decorrente
do primeiro, prepara o discípulo, por meio de perguntas, para que o mesmo traga
à luz a verdade que há dentro de si mesmo. Contudo, é pela anámnesis
(reminiscência) que se constitui a condição (subjetiva) desse trânsito,
exigindo o diálogo para a sua concretização. Maiêutica, portanto, como
um movimento dialógico para se chegar à verdade, um caminho do ‘eu’ para a
própria interioridade.
O conhecimento daí gerado, resultante
desse movimento de questões e respostas, não será um conhecimento de uma
simples opinião infundada, daquilo que se pensa ter certeza. Agora, há toda uma
argumentação em seu favor. Esta construção do caminho é o próprio método,
fazendo da filosofia uma atitude[3]
que não se satisfaz com o ato de colecionar afirmações categóricas ou
definitivas. Este é um caminho nada econômico, pois aumenta os desvios, e,
sobretudo, não teme a colocação de suas teses em dificuldades. Todavia, esta
forma socrática do diálogo, presente na obra de Platão, só se torna possível na
multiplicidade do mundo, mesmo que o ponto de chegada continue uma incógnita. O
diálogo que contempla o ensaio e o erro, contendo a experiência com várias
pessoas, se afirmando como de maior valor do que a de uma pessoa só.
O diálogo fora utilizado por todos os
socráticos, porém, com Platão se afirma outra dimensão desse gênero literário,
demonstrando a sua aplicação nos mais variados assuntos da vida grega. Por
outro lado, é aceitável que as suas tentativas de se chegar à virtude, por meio
do mesmo, mostre, tal qual Sócrates, que essa busca da essência da virtude
consiste do saber e do conhecimento e recai na consciência. Mostra, enfim,
a exaltação ao ímpeto de se conhecer e à fé no conhecimento, uma herança
deixada para todo o ocidente.
Este procedimento dialogal, portanto,
conduz a educação para as bases, necessariamente, de uma episteme
(ciência), distanciando-se do plano instável da doxa (opinião). Platão,
com a herança socrática, marca a direção da luta crítica (dialética) com as
formulações educativas de seu tempo e com a tradição histórica de seu povo –
com a sofística, a retórica, a matemática, legislação e Estado, astronomia,
medicina, poesia e música. Procura encontrar o caminho a essa meta ao
apresentar o problema da essência do saber e do conhecimento, além de
outras temáticas presentes, até hoje, no processo educativo humano, tais como:
a virtude, o amor, a justiça.
[1] Filósofo
grego, discípulo de Sócrates, nascido no século V a.C.
[2] Homero e
Hesíodo, poetas gregos, que viveram entre os séculos VIII e VII a.C. e marcaram
a educação e a formação humana, grega e ocidental.
[3] Pode-se sugerir
a prática que, conceitualmente derivada de práxis, refere-se à aplicação do que
foi pensado, às artes – recta ratio factibilium (correta razão do que é
materializado) -, e à prudência – recta ratio agibilium (correta razão
das ações).
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