Por Ivonaldo Leite
Vamos ao básico procurando elevar o nível da
discussão, pois, em determinados momentos, as circunstâncias requerem que
(re)lembremos o elementar. Entendamo-nos.
Derivado do latim universitas, por sua
vez resultante do latim clássico universus, o substantivo
universidade designa a instituição que tem as funções educativas mais
abrangentes, isto é, em conformidade com a sua raiz etimológica, mais
universais. Funções educativas em dupla perspectiva: por um lado, formar
cognitiva e socialmente as pessoas que a frequentam; e por outro lado, como
espaço do ‘conhecimento esclarecido’ (científico), ser um exemplo de conduta
ética e cívica para o universo do lugar onde ela está situada.
Por isso, as eleições que ocorrem no interior da
universidade revestem-se de uma relevância decorrente de, pelo menos, três
razões.
A primeira razão refere-se ao fato de que, nas
contendas eleitorais universitárias, estão em causa disputas em torno de
projetos político-administrativos que refletem concepções de universidade.
Assim sendo, está em questão tanto a escolha da melhor forma de conduzir a
instituição como também, em última instância, o modo de se conceber a sua
relação com a esfera social e política mais geral.
A segunda razão concerne ao significado que a
realização de eleições universitárias tem para a construção da cultura
democrática. Para servidores docentes e técnicos, é um momento ímpar para
exercitar o diálogo e a convivência com a diversidade, expressa entre posições
contrárias (é uma ocasião, assim, inclusive, no caso docente, para que seja
praticado o que geralmente é difundido de maneira teórica). Para os
estudantes, além do exercício da convivência com a diversidade, as eleições
universitárias são também um momento de aprendizagem que, pelo processo de
formação em que eles se encontram, transcende o ambiente acadêmico momentâneo
(da disputa) e tem incidência sobre a sua compreensão de vida
cidadã.
Last but
not least, a terceira razão. Ela
diz respeito ao potencial exemplo, para a sociedade, que as eleições na
universidade podem representar. Isto é, os pleitos universitários constituem
uma oportunidade para que seja evidenciado um padrão político-educativo
alternativo ao modus operandi da política partidária
tradicional, na qual geralmente as eleições são marcadas pela disputa entre
obscuras superestruturas financeiras, pela troca de favores, pela alienação de
consciências mediante a compra de votos, pela propaganda enganosa através de
propostas que não passam de peças de ficção, pelos discursos rasteiros que
resvalam para o terreno pessoal, pelo grito da intolerância para abafar a fala
do outro, pelas brigas entre eleitores a cabos eleitorais, pelo desrespeito
puro e simples, etc. Em hipótese alguma, parâmetros como esses devem balizar as
disputas das eleições na universidade, afinal esta ocupa o lugar de instância
máxima da educação formal na sociedade.
Contudo, infelizmente, nos últimos tempos, temos
presenciado o rebaixamento do nível nas eleições universitárias, degradando a
qualidade da interlocução entre candidatos e colocando em risco o próprio mister da
Educação Superior: o debate acadêmico. A título de ilustração empírica, tomemos
como amostra o presente processo eleitoral na Universidade Federal da Paraíba,
devendo ser assinalado, no entanto, que o caso não é apanágio da UFPB.
Não é razoável que os debates, onde concepções e
propostas sobre a universidade devem ser apresentadas (e se tenha ambiente para
discuti-las), sejam transformados num palco de enfrentamento entre torcidas,
onde os gritos e os insultos inviabilizam a argumentação e o exercício da
racionalidade (isso numa universidade!). Não é de bom tom que professores
apoiadores de uma chapa, aos olhos dos alunos, virem as costas em bloco
para a mesa do debate porque um candidato adversário vai falar - quanta
descortesia, desrespeito à diversidade e dificuldade de conviver com um aspecto
básico da democracia que é a divergência (isso numa universidade!). Não é
condizente com o contexto universitário praticamente não se poder concluir um
debate entre candidatos a reitor, com o último postulante a falar tendo a sua
intervenção prejudicada pelo tumulto formado no auditório. Ser ouvido e não
querer ouvir é uma expressão da rejeição ao diálogo e do autoritarismo (isso
numa universidade!).
E assim vai sendo perdida a oportunidade de se
discutir o futuro de uma instituição com a dimensão da UFPB e a sua relevância
para o estado da Paraíba: um orçamento de cerca de um bilhão e trezentos
milhões de reais (R$ 1.268.179.016,00); possuidora de 16 Centros de Ensino;
ofertando 138 cursos de graduação; registrando 44 mil alunos matriculados,
distribuídos na graduação presencial, a distância e na pós-graduação.
Temas urgentes passam ao largo da discussão. Alguns
deles: 1) A internacionalização e a busca da equalização entre o global e o
local, mediante os programas de intercâmbio/de mobilidade e os protocolos de
cooperação; 2) a relação universidade, sociedade e mercado, efetivada através
do ensino, da pesquisa e da extensão. De modo geral, nesse tema, é possível
vislumbrar posições como: a) defesa da completa subordinação da vida
universitária à ‘lógica input-output’ do mercado; b) defesa de uma
regulação mitigada da relação entre universidade e mercado; c) defesa de uma
regulação que conserve a autonomia da instituição. A depender da forma como se
enfrente essa questão, temos consequências diferentes, como, por exemplo, as
que recaem sobre a área de ciências humanas, ou soft sciences,
podendo estas serem ‘esvaziadas’, em função da ideia de utilidade valorizada
pela herança positivista das hard sciences. 3) O acesso e a
permanência discente na universidade, o que implica em discutir as modalidades
e a gestão da assistência estudantil; 4) os problemas de infraestrutura, sendo
necessário que se tenha uma posição concreta e sem tergiversações sobre as
obras paralisadas.
Essa diminuta amostra bem oferece uma visão dos desafios
que a UFPB tem diante de si. Não será balançando chocalho, batendo bumbo,
recorrendo às práticas da politicagem tradicional, utilizando um linguajar
incompatível com a instituição universitária e tumultuando os debates à eleição
reitoral, etc., que chegaremos aos procedimentos adequados
para enfrentar os referidos desafios. No máximo, apequenar-se-á o seu valor
perante a sociedade através da difusão da estupidez.
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