domingo, 27 de março de 2016

Eleições universitárias: rebaixamento do nível e debate acadêmico em risco



Por Ivonaldo Leite

Vamos ao básico procurando elevar o nível da discussão, pois, em determinados momentos, as circunstâncias requerem que (re)lembremos o elementar. Entendamo-nos.
Derivado do latim universitas, por sua vez resultante do latim clássico universus, o substantivo universidade designa a instituição que tem as funções educativas mais abrangentes, isto é, em conformidade com a sua raiz etimológica,  mais universais. Funções educativas em dupla perspectiva: por um lado, formar cognitiva e socialmente as pessoas que a frequentam; e por outro lado, como espaço do ‘conhecimento esclarecido’ (científico), ser um exemplo de conduta ética e cívica para o universo do lugar onde ela está situada.
Por isso, as eleições que ocorrem no interior da universidade revestem-se de uma relevância decorrente de, pelo menos, três razões.  
A primeira razão refere-se ao fato de que, nas contendas eleitorais universitárias, estão em causa disputas em torno de projetos político-administrativos que refletem concepções de universidade. Assim sendo, está em questão tanto a escolha da melhor forma de conduzir a instituição como também, em última instância, o modo de se conceber a sua relação com a esfera social e política mais geral.
A segunda razão concerne ao significado que a realização de eleições universitárias tem para a construção da cultura democrática. Para servidores docentes e técnicos, é um momento ímpar para exercitar o diálogo e a convivência com a diversidade, expressa entre posições contrárias (é uma ocasião, assim, inclusive, no caso docente, para que seja praticado o que geralmente é difundido de maneira teórica).  Para os estudantes, além do exercício da convivência com a diversidade, as eleições universitárias são também um momento de aprendizagem que, pelo processo de formação em que eles se encontram, transcende o ambiente acadêmico momentâneo (da disputa) e tem incidência sobre a sua compreensão de vida cidadã.  
Last but not least, a terceira razão. Ela diz respeito ao potencial exemplo, para a sociedade, que as eleições na universidade podem representar. Isto é, os pleitos universitários constituem uma oportunidade para que seja evidenciado um padrão político-educativo alternativo ao modus operandi da política partidária tradicional, na qual geralmente as eleições são marcadas pela disputa entre obscuras superestruturas financeiras, pela troca de favores, pela alienação de consciências mediante a compra de votos, pela propaganda enganosa através de propostas que não passam de peças de ficção, pelos discursos rasteiros que resvalam para o terreno pessoal, pelo grito da intolerância para abafar a fala do outro, pelas brigas entre eleitores a cabos eleitorais, pelo desrespeito puro e simples, etc. Em hipótese alguma, parâmetros como esses devem balizar as disputas das eleições na universidade, afinal esta ocupa o lugar de instância máxima da educação formal na sociedade.
Contudo, infelizmente, nos últimos tempos, temos presenciado o rebaixamento do nível nas eleições universitárias, degradando a qualidade da interlocução entre candidatos e colocando em risco o próprio mister da Educação Superior: o debate acadêmico. A título de ilustração empírica, tomemos como amostra o presente processo eleitoral na Universidade Federal da Paraíba, devendo ser assinalado, no entanto, que o caso não é apanágio da UFPB.
Não é razoável que os debates, onde concepções e propostas sobre a universidade devem ser apresentadas (e se tenha ambiente para discuti-las), sejam transformados num palco de enfrentamento entre torcidas, onde os gritos e os insultos inviabilizam a argumentação e o exercício da racionalidade (isso numa universidade!). Não é de bom tom que professores apoiadores de uma chapa, aos olhos dos alunos,  virem as costas em bloco para a mesa do debate  porque um candidato adversário vai falar - quanta descortesia, desrespeito à diversidade e dificuldade de conviver com um aspecto básico da democracia que é a divergência (isso numa universidade!). Não é condizente com o contexto universitário praticamente não se poder concluir um debate entre candidatos a reitor, com o último postulante a falar tendo a sua intervenção prejudicada pelo tumulto formado no auditório. Ser ouvido e não querer ouvir é uma expressão da rejeição ao diálogo e do autoritarismo (isso numa universidade!).
E assim vai sendo perdida a oportunidade de se discutir o futuro de uma instituição com a dimensão da UFPB e a sua relevância para o estado da Paraíba: um orçamento de cerca de um bilhão e trezentos milhões de reais (R$ 1.268.179.016,00); possuidora de 16 Centros de Ensino; ofertando 138 cursos de graduação; registrando 44 mil alunos matriculados, distribuídos na graduação presencial, a distância e na pós-graduação.  
Temas urgentes passam ao largo da discussão. Alguns deles: 1) A internacionalização e a busca da equalização entre o global e o local, mediante os programas de intercâmbio/de mobilidade e os protocolos de cooperação; 2) a relação universidade, sociedade e mercado, efetivada através do ensino, da pesquisa e da extensão. De modo geral, nesse tema, é possível vislumbrar posições como: a) defesa da completa subordinação da vida universitária à ‘lógica input-output’ do mercado; b) defesa de uma regulação mitigada da relação entre universidade e mercado; c) defesa de uma regulação que conserve a autonomia da instituição. A depender da forma como se enfrente essa questão, temos consequências diferentes, como, por exemplo, as que recaem sobre a área de ciências humanas, ou soft sciences, podendo estas serem ‘esvaziadas’, em função da ideia de utilidade valorizada pela herança positivista das hard sciences. 3) O acesso e a permanência discente na universidade, o que implica em discutir as modalidades e a gestão da assistência estudantil; 4) os problemas de infraestrutura, sendo necessário que se tenha uma posição concreta e sem tergiversações sobre as obras paralisadas.  
Essa diminuta amostra bem oferece uma visão dos desafios que a UFPB tem diante de si. Não será balançando chocalho, batendo bumbo, recorrendo às práticas da politicagem tradicional, utilizando um linguajar incompatível com a instituição universitária e tumultuando os debates à eleição reitoral, etc., que chegaremos aos procedimentos adequados para enfrentar os referidos desafios. No máximo, apequenar-se-á o seu valor perante a sociedade através da difusão da estupidez.

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