Na senda do que Breton proclamou sobre o surrealismo como o último vislumbre da esquina romântica do mundo, andam, os surrealistas, convictos de que a cauda do cometa ainda brilha. No seu modo contido, entendem que a perspectiva surrealista-romântica é um jeito de estar na vida. La satisfaction et l'amour de la vie ne sont pas publiques, mais un plaisir personel. Breton, Breton. Leont Eitel, Leont Etiel. Prossegue o surrealismo-romantismo. É o que diz o texto aí abaixo.
Os cariocas Rafael Sperling (esq.) e Augusto Guimaraens Cavalcanti em livraria no Rio Adicionar (Foto: Luciana Whitaker/Folhapress) |
Por Ciro Pessoa
Desde que o poeta e escritor francês André Breton (1896-1966) escreveu o Primeiro Manifesto Surrealista, há quase noventa anos, muitos relógios derretidos passaram pelo microgargalo da ampulheta de areia venusiana.
O próprio significado de surrealismo, que, a princípio, era "automatismo psíquico puro pelo qual se pretende exprimir, quer verbalmente, que por escrito, quer de outra maneira qualquer, o funcionamento real do pensamento (...)" foi ganhando conotações diferentes e hoje em dia designa algo diferente, absurdo, exótico ou pitoresco.
No Brasil, até os anos 1960, o surrealismo jamais chegou a se configurar como um movimento, seja na literatura ou nas artes em geral. "Antes disto, o que tivemos, foram casos isolados, como a poesia de Jorge de Lima, Murilo Mendes, Manoel de Barros e, principalmente, a prosa de Campos de Carvalho", diz o escritor, poeta e ensaísta Claudio Willer.
De lá para cá, contudo, autores como Roberto Piva, Sergio Lima, Afonso Henriques Neto e Willer começaram a formar a primeira teia de escritores surrealistas do país.
E é nela que se enredam três novíssimos autores brasileiros, de maneiras distintas, dando continuidade ao sopro lançado por Breton.
São eles os cariocas Rafael Sperling ("Festa na Usina Nuclear", Oito e Meio, 2011), Augusto Guimaraens Cavalcanti ("Fui à Bulgária Procurar por Campos de Carvalho", 7Letras, 2012) e o poeta piauiense Demetrios Galvão ("Insólito", Corsário, 2011).
Em comum, os três têm a faixa de idade (entre 28 e 33 anos), a aversão pelo hiper-realismo sociológico que domina as artes brasileiras, a intenção de criar uma linguagem solta com vista para o inusitado, livros publicados de dois anos para cá e um entendimento dos preceitos surrealistas.
"Acho que o que escrevo é surreal mais no sentido popular ou coloquial da palavra --que tem mais a ver com o nonsense, o grotesco e o absurdo--, do que por se relacionar diretamente com os surrealistas franceses do início do século 20", responde Rafael Sperling àqueles que querem classificá-lo como um autor surrealista "fundamentalista".
Para Augusto Guimaraens Cavalcanti, estamos numa época propícia para o surrealismo, "não porque o mundo tenha virado surrealista --ele sempre o foi--; no entanto, atualmente buscamos novos modelos de apreensão da realidade".
Autor de um romance baseado na novela "O Púcaro Búlgaro" do escritor uberabense Campos de Carvalho --"o mais insólito e contestador dos escritores brasileiros"--, Cavalcanti baseia-se em dois métodos surrealistas para deflagrar sua prosa iconoclasta e viajante: a colagem e "a busca de um estranhamento no cotidiano mais familiar".
O poeta Demetrios Galvão, começou a se embrenhar na estética surrealista quando um amigo lhe deu o telefone de Roberto Piva numa feira literária em Fortaleza, em 2002.
"Comecei a ligar para ele aos domingos e a conversar sobre poesia, vivências, autores, leituras etc. Esse contato me esclareceu muita coisa e me ajudou a compreender melhor o surrealismo", revela Galvão.
Nascido, criado e morando em Teresina ("é uma cidade árida e sufocante, é preciso ser tático para se dar a volta nela"), Galvão vê na poesia surrealista uma tecnologia que "estica o mundo e fabrica outras possibilidades para experiência sensorial e social".
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1272961-jovens-autores-se-enredam-por-um-novo-surrealismo.shtml
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