Segue aí um texto que vale a pena ser lido. É da caneta de Vandeck Santiago, um profissional que dignifica a atividade jornalística.
Por Vandeck Santiago
Os políticos se parecem nos
defeitos. Eles se diferenciam é nas virtudes. Getúlio Vargas nomeou um amigo para um cargo cobiçado. Tinha tanta confiança nele que lhe recomendou diretamente:
- Quando quiserem lhe corromper, me avise.
Algum tempo depois recebeu mensagem do amigo: “Presidente, por favor me demita
urgente. Os homens estão chegando no meu preço”.
O caso faz parte do folclore político nacional, e, se aconteceu exatamente
assim, aparentemente teve um final feliz. Mas imaginemos que o desfecho fosse
diferente - já pensaram o estrago capaz de ser feito por um amigo do
presidente, em um cargo estratégico?…
Agora vejamos outro caso, dos dias atuais, e relato histórico. Está no segundo
volume do livro de memórias de Fernando Henrique Cardoso (Diários da
Presidência - 1997-1998), lançado semana passada. Revela a pressão conjunta de
três líderes políticos do PMDB para nomear o diretor não de uma grande estatal,
ou de algum ministério político importante: “[Um político próximo ao presidente]
foi procurado pelo Michel Temer, pelo Jáder Barbalho e pelo Geddel, que querem
mudar o diretor do departamento de presídios do Ministério da Justiça”.
A pressão surpreendeu o presidente, que escreveu: “Me pareceu um tanto estranho
que três dos principais líderes do PMDB queiram mudar um posto tão baixo e no
qual existem licitações. Não quero me antecipar com maledicências, mas me deu
uma ponta de preocupação”. Mais adiante ele cita outro caso semelhante: “O
Geddel e o PMDB fizerem uma espécie de imposição: ou se nomeava o diretor do
DNER [Departamento Nacional de Estradas de Rodagem] de Minas ou não me dariam
os votos. A coisa de sempre”.
Estes acontecimentos são de 17 de junho de 1997. Façamos as contas e
atualizemos as biografias: 19 anos depois, os três citados por FHC continuam
atuando com destaque na política nacional. Michel Temer é presidente interino
da República; Geddel Vieira Lima é ministro do governo dele, e Jáder Barbalho é
senador (PA) e um filho dele é ministro do mesmo governo. Não chegaram ao poder
neste momento; já estavam lá na administração petista.
Separadas por mais de quatro décadas, as duas histórias são ilustrativas do
ambiente na política. Dizem respeito a Getúlio e FHC, mas todo presidente (ou
governador, ou prefeito) tem histórias semelhantes para contar. Não é que todo
político calce 40; mas é inegável como se parecem nos defeitos. Quanto mais
defeitos tiverem, mais danos são capazes de causar. Entre si, eles sabem quem é
quem - mas todos convivem como personagens da mesma história, ocupando os
mesmos espaços, e em um ambiente no qual os defeitos são separados das virtudes
por uma pequena ponte. Muitas vezes migram de um lado para outro movidos pelas
imposições que a política lhes faz.
A forma como a política está estruturada hoje favorece pressões e atos como
aqueles testemunhados por Getúlio e FHC. Vai do micro (como a mobilização de
caciques para colocar em cargos aparentemente inexpressivos pessoas de sua
confiança) até o macro. É impossível, hoje, qualquer governo ter apoio
majoritário no Congresso sem brindar aliados com obras públicas e cargos, diz
um especialista no assunto, o norte-americano Barry Ames, professor de Ciência
Política da Universidade de Pittsburgh (EUA) e pesquisador das nossas
instituições desde o período da ditadura militar.
Da forma como está montado, o sistema político do Brasil depende da corrupção
para funcionar, diz ele, que é autor de Os entraves da democracia no Brasil
(FGV, 2003). É um engano também pensar que a corrupção hoje é menor do que
antes, afirma o cientista político. “Acho que a escala da corrupção envolvendo
a Petrobras é certamente maior do que era em 2000. Mas minha aposta é que a
quantidade roubada no período militar era ainda maior que a roubada hoje”, diz
ele, em entrevista à BBC. “A grande diferença é que, numa democracia, os
jornais e outros tipos de mídia estão muito engajados em expor a corrupção”. Na
opinião de Barry Ames, pelo menos três medidas são necessárias para tentar
solucionar o problema: acabar com o oligopólio na área da construção civil
(“que facilita conluios entre governo e empreiteiras”, conforme a matéria da
BBC); reduzir o número de partidos no Legislativo (que dificultam as coalizões)
e criar um sistema com menos distritos eleitorais (assim os eleitores poderiam
fiscalizar melhor os eleitos).
O fato é que, se não aproveitarmos o momento para modificações profundas no
sistema, os políticos semelhantes nos defeitos estarão sempre batendo à porta
dos presidentes, e entrando, e na maioria das vezes conseguindo o que querem.
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Fonte: Diario de Pernambuco, edição do dia 31/05/2016.
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