sábado, 11 de junho de 2016

O colapso das ciências sociais/humanas

Arte de Daniel Araújo 

Publiquei, há cerca de oito anos, um pequeno texto no periódico português A Página da Educação, onde, entre outras questões, realçava alguns equívocos e ambiguidades que têm perpassado o campo das ciências sociais/humanas. Na época, entre colegas lusitanos, o texto rendeu alguma discussão, sobretudo porque foi escrito tendo em conta o contexto brasileiro. Seja como for, de 2008 para cá, as ambiguidades na esfera das ciências sociais/humanas brasileiras só fizeram se agravar. A esse respeito, podem ser citados, dentre outros, fatos como: 

1) A histérica reação de alguns acadêmicos brasileiros diante de protestos contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no recente encontro da Latin American Studies Association (LASA), realizado em Nova Iorque. O ex-presidente, propositadamente, vive um dilema de identidade: quando lhe convém, fala como político, liderando um partido; quando não, apresenta-se como cientista social, condição que efetivamente teve no passado, sendo que há muito deixou de produzir conforme os requisitos da pesquisa.  Cientistas sociais de toda a América Latina protestaram contra o fato de ele ser convidado a falar,  no encontro da LASA, a respeito da democracia no continente, quando, na verdade, direta ou indiretamente, ultimamente, o seu comportamento não tem sido em nada apaziguador para a estabilidade da democracia brasileira e de outros países da região. Foi motivo suficiente para acadêmicos brasileiros atirarem pedras na LASA, posicionando-se como  porta-vozes do ex-presidente, e não como analistas sociais. 

2) O faz de conta que tem marcado alguns eventos na área, com os seus propósitos tendo a ver com tudo, menos com a discussão séria  e com o caráter analítico que deve marcar os debates acadêmicos. 

3) Na presente crise política brasileira, abundam as demonstrações de colapso das ciências sociais/humanas brasileiras. Ora prevalece a omissão, na recusa de tratar da mesma; ora destacam-se as manifestações de mero senso comum, apresentadas como juízo científico por professores universitários na imprensa - mas não só na imprensa. Dicotomias e percepções dogmáticas vão sendo repisadas incessantemente, com abordagens não só cegas à realidade, mas intolerantes e desrespeitosas à diferença de pontos de vista e de análises. 

Em volta da segunda metade da década de 1980, a chamada Comissão Gulbenkian, sob a coordenação de Immanuel Wallerstein, produziu o Relatório denominado 'Para Abrir as Ciências Sociais'. Há aí consistentes indicações a serem tidas em conta por todas as ciências do social. A julgar pelo que temos visto no Brasil, elas estão fechadas e estilhaças num labirinto. Contudo, conforme a consagrada expressão, "a coruja de minerva só levanta voo ao cair do crepúsculo." Depositemos esperança nas novas gerações. E que a criatividade analítica, a imaginação, como disse Sartre, continue a ser como um braço extra, com o qual se pode agarrar coisas que, de outra forma, não estariam ao nosso alcance. O meu texto, no início referido, está aqui: http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=179&doc=12813&mid=2


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