Celso Rocha de Barros
(Doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford)
Subestime
a greve geral de sexta-feira (28) quem quiser. Categorias importantes pararam e
grandes cidades brasileiras tiveram reduções significativas de movimento.
Isso
tudo aconteceu sem cobertura da TV na véspera e com cobertura da PM no dia. E
na mesma semana em que dois partidos que precisam de votos entre os potenciais
grevistas, PSB e Solidariedade, resolveram discutir a relação com Temer.
Sozinha,
a greve geral não deve reverter os votos já, digamos, transacionados para
aprovar as reformas. Mas talvez ela seja vista, daqui a algum tempo, como
início de uma nova fase na relação entre capital e trabalho no Brasil. Afinal,
o sistema político brasileiro deixou de funcionar como lugar de negociação de
conflitos redistributivos.
Em
uma democracia funcional, a reforma trabalhista da semana passada talvez fosse
aprovada. Há argumentos defensáveis para nos movermos em direção a um sistema
onde mais coisas sejam negociadas entre sindicatos e patrões, ao invés de
legisladas.
As
sociedades mais bem-ordenadas do mundo, os países escandinavos, têm normas
trabalhistas bastante flexíveis.
Mas
o que faz desses países as sociedades mais justas do mundo é que essa
flexibilização das relações de trabalho foi comprada bastante caro dos
trabalhadores.
Duas
coisas equilibram as negociações salariais no modelo escandinavo.
Em
primeiro lugar, um Estado de bem-estar social extremamente generoso, que custa
muito dinheiro em impostos, inclusive, vejam só que diferença cultural
interessante, impostos pagos pelos ricos. Não há perspectiva do Estado de
bem-estar social brasileiro se expandir no curto prazo.
Em
segundo lugar, centrais sindicais fortíssimas, que reúnem grande parte da
população e conseguem negociar acordos muito bons para os trabalhadores. Se os
defensores da reforma trabalhista brasileira vissem um sindicato escandinavo
pela frente, fugiriam chorando e pedindo que a Otan o bombardeasse.
Já
aqui no Brasil, a flexibilidade foi comprada com distribuição de cargos para
300 sujeitos com medo da polícia no Congresso brasileiro.
Resta
a greve, e não só a de sexta: o "negociado" que de agora em diante
vai prevalecer sobre o legislado será obtido sob ameaça de greve, ou será uma
farsa.
É
uma questão em aberto se o acirramento dessas negociações levará a um
sindicalismo forte e capaz de negociar responsavelmente em nível nacional ou à
multiplicação de corporativismos.
E
há um outro cenário possível, que é a degeneração completa da sociedade civil
brasileira, com a perda definitiva de poder de barganha dos trabalhadores.
Talvez tenhamos uma longa fase de capitalismo selvagem que pode, sim, gerar
crescimento, mas com um preço em democracia e civilidade.
Analisar
uma sociedade dessas com mais do que marxismo vulgar será desperdiçar conceito.
Aceito
colocar na mesa de negociação uma reforma trabalhista que valorize as
negociações diretas entre capital e trabalho, e, aliás, acho uma boa ideia ter
essa conversa.
Mas
antes quero saber quanta redistribuição de renda o empresariado está disposto a
oferecer em troca da flexibilização. Isto é a maneira civilizada de conduzir a
luta de classes, é como se faz nas sociedades bem-ordenadas.
Aqui,
ao invés disso, compra-se o "centrão". Nos últimos dois anos, a fraude
de classes foi o motor de nossa história.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros. Título original: ' Em países escandinavos, reforma trabalhista foi comprada cara aos trabalhadores'.