Por Laura Carvalho
(Faculdade de Economia - USP)
Em entrevista ao
apresentador Ratinho veiculada pelo SBT na sexta-feira (28), o presidente
Michel Temer declarou que, tal como as donas de casa, "os governos
precisam passar a ter marido" para evitar a quebra fiscal. "Por
exemplo, reitero, o teto de gastos públicos. Você não pode gastar mais do que
arrecada. É fazer como se faz na sua casa", completou.
As
diferenças entre as finanças de uma família e do governo federal são muitas.
Primeiro,
os gastos públicos geradores de emprego e renda afetam toda a dinâmica do
sistema econômico, contribuindo para aumentar a arrecadação de impostos.
Os
resultados das políticas de austeridade em diversos países da periferia
europeia podem servir de exemplo: ao agravar a recessão e a frustração de
receitas do governo, os cortes no Orçamento acabaram ampliando o deficit fiscal
inicial.
As
condições em que famílias e governo federal financiam uma eventual diferença
entre gastos e arrecadação tampouco são as mesmas. A maior parte das famílias
brasileiras tem pouco acesso a crédito.
Já
o governo federal, apesar dos juros altos para padrões internacionais —mesmo se
levados em conta o patamar de nossa dívida e nossa taxa de inflação—, não
encontrou nenhuma dificuldade em vender seus títulos públicos no mercado desde
o início da crise.
Além
disso, ao contrário das famílias, os governos têm a capacidade de elevar seus
impostos e aumentar sua própria base de arrecadação.
Se
taxar sobretudo aqueles que consomem uma parcela relativamente pequena de sua
renda (os mais ricos) e ampliar a renda dos que consomem relativamente mais (os
mais pobres), o governo pode dar um estímulo à economia sem desequilibrar o
Orçamento.
Soma-se
a isso o fato de que, no Brasil, os que estão no topo da distribuição de renda
pagam impostos baixíssimos para padrões internacionais e os que estão na base
consomem essencialmente tudo aquilo que ganham.
Por
fim, assim como a família que tem a opção de endividar-se para comprar uma casa
ou educar seus filhos, os investimentos públicos também podem trazer retorno no
longo prazo.
Gastos
com a melhoria da infraestrutura do país, por exemplo, não apenas geram
empregos agora mas também elevam a produtividade e a competitividade das
empresas no futuro.
Assim,
a comparação do Orçamento da União com o orçamento doméstico para convencer a
população de que é necessário cortar gastos e investimentos públicos em meio à
crise econômica —um artifício recorrente no discurso de políticos mundo afora—
já é ruim. Mas parece não ser ruim o suficiente para Michel Temer, que achou
por bem acrescentar à metáfora a sua dose habitual de machismo. E do pior tipo:
o elitista.
Os
dados de 2015 da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra Domicílios) do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que 40,5% dos
domicílios brasileiros são chefiados por mulheres. No Nordeste, esse percentual
é ainda mais alto -de 42,9%.
Considerando
que as mulheres têm, em média, um rendimento menor — diferença esta que
certamente afeta a resposta dada à pergunta da Pnad sobre quem chefia os
domicílios com cônjuge —, é seguro dizer que a estúpida metáfora de Temer não deve ajudá-lo a diminuir a
alta rejeição ao seu governo revelada na mais recente pesquisa do Datafolha.
Se
de maridos não precisamos, de trastes ainda menos.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/. Título original: 'Do que governos menos precisam é de marido'.