Aprender a ver - habituar os olhos à
calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a
adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os
lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos
que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar
denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder
não “querer”, o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade
descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se
todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento - quase tudo o que a
rudeza afilosófica designa com o nome de “vício” é apenas essa incapacidade
fisiológica de não reagir. Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a
ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie
deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil - afasta-se dele a mão.
O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo fato pequeno,
o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se para dentro das coisas, é mau gosto.
(Professor do Departamento
de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da
UFRJ; Coordenador do Grupo de Pesquisa
OTAL - Observatório do Trabalho na América Latina)
Desde 2013, o Brasil vive um quadro de crise política
institucional dos mais profundos. A iminente queda de Michel Temer constitui-se
como apenas mais um capítulo dessa novela. Para discutirmos as denúncias contra
o presidente da República e termos mais dados para análise, sem cairmos em
previsões infundadas, é necessário clarear algumas constatações históricas
fundamentais da política brasileira:
1) a Rede Globo é ainda hoje o principal meio de formação de opinião dos
brasileiros sobre política;
2) historicamente, ela representou os interesses majoritários dos capitalistas
do país;
3) desconhecemos evidência de recuo de uma proposta dela com relação à retirada
de um presidente da República do seu cargo, seja através de golpe militar
explícito, de golpe institucional ou de impeachment.
Se admitimos que essas assertivas são verdadeiras, Michel Temer cairá em breve.
Se isso não acontecer, significará que a Rede Globo não representa mais os
interesses majoritários do grande capital, nem dos principais políticos no país
e seu império midiático está prestes a ruir.
Nesse sentido, é sempre importante fundamentarmos nossas hipóteses com base na
história política brasileira. Nos últimos 65 anos, a Rede Globo ocupou o espaço
de um dos principais atores políticos, sempre participando com grande poder de
decisão em momentos-chaves. Vejamos.
O jornal O Globo, quando ainda não havia sido constituída a poderosa Rede
Globo, foi um dos principais atores na desestabilização do governo de Getúlio
Vargas em 1954. Quando Vargas aceitou a proposta de João Goulart, então
escolhido para o Ministério do Trabalho, de dobrar o salário mínimo, foi gerada
uma convulsão nas elites empresariais do país. O Jornal O Globo, como porta-voz
desse setor, publicou várias denúncias contra o presidente da República,
acusando-o de mandar assassinar seu principal inimigo político, Carlos Lacerda.
Nesse mesmo ano, Getúlio Vargas cometeu o suicídio, alegando em
carta-testamento que forças ocultas o impediam de governar. Depois da morte de
Vargas, o jornal O Globo foi atacado por milhares de manifestantes no Rio de
Janeiro.
Dez anos mais tarde, entre 1961 e 64, o herdeiro de Vargas, João Goulart,
assumiu a presidência da República. Mais uma vez, o Jornal O Globo se opôs
veementemente ao seu governo e ajudou a preparar o golpe militar-civil que o
retiraria do poder em 31 de março de 1964, por meio de uma quartelada.
Durante os vinte anos da ditadura militar-civil foi construída a Rede Globo, um
grande império midiático, chegando a vários pontos do país e incluindo o seu
meio de comunicação mais importante: a televisão. Ela serviu de apoio
político-ideológico do governo dos generais e se mostrou como a maior formadora
de opinião no Brasil, difusora de informações, verdadeiras ou não, mas sua
principal prática foi esconder, e muito bem, as torturas, os assassinatos, as
perseguições, a corrupção, as falcatruas realizadas nesse período sombrio da
história brasileira. A Rede Globo exacerbou a autocensura jornalística, isto é,
antes da censura dos militares, o jornal só informava aquilo que agradaria ao
regime.
Com o fim do regime militar, teve início a luta pelas “Diretas Já” e a Globo
impediu que as imagens dos governados nas ruas fossem exibidas na TV e nos seus
jornais e rádios. A censura era seletiva: atentava exatamente contra os
movimentos populares. Nada de reivindicações poderia aparecer no seu império.
Quando era inevitável, tinha que aparecer como algo negativo. Essa foi e é a
lógica.
Depois do apoio incondicional à ditadura militar-civil e a tentativa de
esconder a campanha pelas “Diretas Já”, em 1984, a Rede Globo voltou sua
atuação intensa contra a criação de direitos sociais na Constituição de 1988,
atendendo às demandas das associações empresariais (FIESP, FIRJAN, CNI). Assim,
os trabalhadores, hoje, possuem menos direitos do que poderiam usufruir, em
função da ajuda da empresa de Roberto Marinho.
No ano seguinte, em 1989, na primeira campanha eleitoral pós-ditadura
militar-civil, a Globo apoiou totalmente o candidato Fernando Collor de Mello,
fazendo-o vencedor, mas sobretudo impedindo a vitória de seu principal inimigo
político, herdeiro de Vargas e de Goulart, Leonel Brizola, e também do
operário, Lula da Silva. Para tanto, o jornalismo global trabalhou intensamente
para desmerecer as candidaturas de seus inimigos e para vender Collor de Melo
como um salvador da pátria. Por consequência, a Rede Globo apoiava o
neoliberalismo no país.
Como a vitória de Collor havia sido por uma margem de votos muito pequena e
ainda vinha exercendo um governo bastante impopular com confisco da poupança da
população, diminuição dos lucros dos empresários etc., a Globo defendeu
abertamente o seu processo de impeachment. O objetivo era apaziguar o país, as
lutas sociais e resgatar sua supremacia nas comunicações depois de ajudar a eleger
um candidato extremamente antipopular. A manipulação da informação por parte da
Globo era percebida por grande parte da população e o apoio ao impeachment
também significava retomada da credibilidade. Em 1992, os militantes petistas
pediam as pessoas para assistirem a Globo!
Em 1994, a Globo apoiou incondicionalmente a candidatura de Fernando Henrique
Cardoso para a presidência e protegeu seu governo de uma tal maneira que não
era possível sair nenhuma crítica. Inclusive, em episódio incidentalmente gravado
por ela mesma, em uma entrevista com o então ministro da economia Rubens
Ricúpero, transmitida apenas para quem possuía antena parabólica, que havia
admitido que não tinha escrúpulos pois se prestava a fazer campanha aberta para
FHC como ministro e dizendo ainda: “o que é bom, a gente fatura, o que é ruim a
gente esconde”. Isso em plena campanha eleitoral. A Rede Globo não mostrou
nenhuma linha, em nenhum dos seus meios de comunicação, jornais, rádios, e TV,
sobre o assunto.
A Globo blindou o governo de FHC tal como blindou a ditadura militar-civil. Sob
o governo do PSDB, o Brasil viveu uma das piores crises econômicas de sua
história, com um dos maiores índices de desemprego e de queda do PIB, mas nada
disso era discutido, sequer apresentado nos meios de comunicação do império
midiático.
Apesar de tudo, os governados não são idiotas e perceberam que a crise
econômica era muito intensa, fruto das medidas neoliberais adotadas pelos
tucanos. Em função disso, ocorre o crescimento de votos nulos desde os anos
1990, com sua exacerbação depois dos protestos de 2013. Assim, em 1998, FHC foi
eleito com menos votos que a soma de votos em branco, nulos e abstenções. Uma
verdadeira vergonha.
Em 2002, Lula da Silva recebeu o apoio da Rede Globo e venceu as eleições. O PT
não era mais uma ameaça nem para os capitalistas nem para sua porta-voz
principal. Ao contrário, alguns setores acreditavam que uma política de
neodesenvolvimentismo, com fácil financiamento do BNDES e com intervenção do
Estado, injetando dinheiro em determinados setores, poderia alavancar a
economia. E assim aconteceu com a Odebrecht, com JBS, com os bancos e outros
setores. Isto não é uma contradição no capitalismo. Vários estudos mostram como
as grandes empresas dos países imperialistas cresceram com a ajuda deslavada do
Estado. A própria Globo foi favorecida com dinheiro público durante a ditadura
militar para instituir seu império. Durante o governo Vargas, a criação das
estatais tinha por objetivo favorecer o desenvolvimento do chamado capital nacional
através de vendas de produtos a preço de custo para as empresas. Sob o governo
de FHC, o BNDES cumpriu função equivalente no processo de privatização das
estatais, pois emprestava dinheiro para determinados grupos comprarem as
empresas antes públicas e depois passaram a cobrar pelos serviços prestados.
Outros processos semelhantes a esses foram as concessões para explorações de
rodovias. O Estado investia, deixava a estrada pronta com o dinheiro público e
depois concedia a uma empresa a exploração dos pedágios. Um verdadeiro escárnio
com o dinheiro público e a inteligência da população.
Portanto, atribuir esses problemas apenas aos governos petistas é tentar impor
uma visão seletiva que não colabora para entendermos amplamente o processo. A
crítica, portanto, correta e real deve ser feita a todo o sistema que pelo
menos desde a ditadura militar-civil favorece aos grandes capitalistas com
dinheiro dos governados, depois de muito suor, de muito trabalho explorado e
extraído para alavancar determinadas empresas em conluio com políticos no
poder.
Por fim, a Globo atuou com toda sua força para retirar a presidente Dilma
Rousseff da presidência em 2015/16, que por incrível que possa parecer vinha
realizando as reformas exigidas pelos grandes capitalistas, todavia em ritmo
mais lento do que aquele implementado pelo governo atual.
Embora Michel Temer viesse encaminhando uma reforma absolutamente reacionária e
conservadora, a Rede Globo fez campanha, assumindo inclusive, em editorial do
dia 19 de maio do jornal O Globo, que só restava ao presidente da República a
renúncia.
É importante entender que Michel Temer vinha sendo apoiado amplamente pelo
PMDB, PSDB, DEM e outros partidos menores. A base aliada estava bastante
sólida, ampla e unida no conservadorismo que há muito tempo não estava tão
organizado no Brasil. Tudo indicava que a reforma da previdência e trabalhista
passaria com bastante folga no Congresso. Por que, então, defender a retirada
de Temer? Por que desestabilizar ainda mais o país que já está em crise
econômica?
Se vale a pena aprendermos com as experiências do passado, poderíamos dizer que
o governo federal possuiu uma notória e grande rejeição popular. Assim, pode
ser que a Globo queira se livrar da pecha de quem colocou o Temer no poder,
venha resgatar sua credibilidade como a emissora que também retirou o mesmo do
poder. Curioso é que seria a repetição daquilo que aconteceu exatamente com
Collor de Mello.
Em tempos de poder crescente das redes sociais (Facebook, WhatsApp e outras)
com uma circulação imensa de ideias, o poder dos grandes conglomerados de mídia
está claramente em declínio, se eles perdem a credibilidade ficam fadados a
total desconstrução de seus impérios.
Outra hipótese diz respeito a desestabilizar o país, descredenciando todos os políticos
para que a própria população queira/aceite um outro golpe militar-civil. Com
Donald Trump no poder nos EUA, a conjuntura torna-se absolutamente favorável
para esse tipo de golpe. Um golpe no Brasil, seria o cenário ideal para que se
realizasse um golpe também na Venezuela e virasse de vez a visão política no
continente com um alinhamento natural ao governo autoritário e conservador dos
EUA. Ademais, um golpe militar-civil no Brasil acabaria com todas as denúncias
da operação “lava-jato” e dos procuradores que estão colocando na cadeia alguns
políticos. O Congresso seria fechado, mas todos os políticos que lá estão se
livrariam dos processos de corrupção de que fazem parte.
Além do mais, os militares já possuem um candidato “forte, nacionalista, impetuoso,
autoritário, conservador e que se apresenta como corajoso para destruir todas
as enormes mazelas da política e da sociedade brasileiras”. O golpe militar
pode servir para colocar um deputado federal, militar da reserva, no poder
Executivo. Trata-se de Bolsonaro.
Esse candidato está em plena campanha eleitoral, visitando quase que
diariamente todos os quartéis do país. Ele ainda possui uma enorme rede de
think tanks que divulgam suas ações pelas redes sociais, sendo amplamente
compartilhada por militares, seus familiares e amigos.
No pré-1964, a Globo apoiou o “quanto pior, melhor”, justamente para garantir o
caminho dos militares ao poder Executivo. Algo similar aconteceu com o
lançamento da candidatura de Fernando Collor em 1989. Como os políticos estão
muito desgastados, Collor apareceu como o candidato da antipolítica. Bolsonaro
é também apresentado dessa maneira, nem parece que ele é um político
profissional há muito tempo.
Por consequência, a Rede Globo mostra as falhas de todos os candidatos, mas
blindando exatamente Bolsonaro, tal como fez com FHC, com Collor e a ditadura
militar. Enquanto aponta as críticas de todos os candidatos e não fala de um
deles, é óbvio que o está favorecendo. Enquanto todos se desgastam, a
candidatura mais perigosa de todas vai sendo construída subliminarmente. O SBT
apresentou no último domingo, dia 21 de maio de 2017, um programa inteiro sobre
a candidatura de Bolsonaro, como um herói brasileiro, para tirar o país do que
ele chama de bagunça.
Em resumo, com base na história política brasileira, não podemos descartar a
preparação de um golpe militar-civil por parte da Globo e de seus oligopólios
de comunicação de massa aliados, nem o lançamento da candidatura de Bolsonaro
como salvador da pátria. Esses são os piores cenários para a política
brasileira, pois estaríamos sem liberdade de expressão e, portanto, nem esse
artigo poderia circular.
Por fim, com todas as denúncias apresentadas, as suspeitas populares de que os
políticos estão meramente a serviço dos interesses de alguns
empresários/banqueiros escolhidos, se confirmou. Os depoimentos ratificam que o
dinheiro público, que deveria servir a sua população que contribui, é
amplamente utilizado para favorecimento recíproco de políticos e empresários
por meio de corrupção e falcatruas. Aquela sensação de corrupção ampla e ativa
nos meios políticos e empresariais está agora mais que confirmada. Percebemos
também que com esse sistema, do jeito que está organizado, o voto dos
governados de pouco adianta, pois os políticos precisam de aliança com aqueles
que possuem dinheiro para suas campanhas eleitorais, sejam eles, empresários,
banqueiro, narcotraficantes ou qualquer outro, para comprar jornalistas,
juízes, televisões, rádios, apoios nas favelas e periferias.
Esse sistema oligárquico-representativo requer que o candidato faça de tudo
para se eleger, inclusive, prostituir suas ideias. Para ele, o importante é
ganhar a eleição. Trata-se daquela velha máxima: “os fins justificam os meios”,
que não deu certo em lugar nenhum. Assim, ele se vende para chegar e manter-se
no poder, mesmo que tivesse uma ideologia crítica a isso tudo.
Portanto, não adianta votar nesse ou naquele político. É necessário mudar todo
o sistema de organização política da sociedade, sem a qual, continuaremos a
transformar algumas pessoas, até com boas intenções, em verdadeiros canalhas
corruptos. É necessário jogar todo o sistema político-eleitoral existente no
país abaixo e construir um modelo marcado pelo total controle da população
sobre todos os rumos das verbas públicas, de seus direitos, enfim o
autogoverno. Único que é verdadeiramente oposto a todo tipo de ditadura. Um
autogoverno que viabilize a democratização dos meios de comunicação e que acabe
com os oligopólios de comunicação de massa para se garantir a verdadeira
liberdade de expressão.
Se queremos acabar sinceramente com o uso de dinheiro público para financiar
empresas e o dinheiro das empresas para financiar políticos inescrupulosos, se
queremos acabar com o compra e venda de votos no Congresso Nacional, com os
cargos do Estado virando moeda política, só existe um jeito: governo (Kratos ou
cracia) do povo (demos) ou democracia no seu sentido etimológico. Esse modelo
só será concretizado quando qualquer pessoa do povo puder exercer influência
sobre os rumos do dinheiro público que é construído pelo seu trabalho. Quando
sua voz for ouvida pelos demais, quando suas considerações forem levadas em
conta, e isso não acontece com um regime representativo no qual um eleito não
possui nenhuma obrigação de atender aos interesses dos governados, mas apenas
de responder aos financiadores de sua campanha eleitoral. Enfim, estamos vendo
no Brasil a total falência do regime representativo e ainda estão tentando nos
impor um regime ainda mais ditatorial, quando a melhor solução é a real
democracia, que significa autogoverno popular.
A
elevação do modo de protesto popular violento em Brasília, do vandalismo para o
ataque típico de revolta civil, não foi um aviso.
Os
avisos estão dados desde o colar de incidentes começados ainda no governo
Dilma. Os ataques aos ministérios foram já o primeiro ato.
Quem
até aqui não quis ver –nos governos e no Congresso, na imprensa/TV, no
empresariado que influi na política– está confrontado pelos fatos: a situação
interna do país mudou.
Iniciou-se
um processo que, embora não irreversível, é propenso a avançar, sob o incentivo
ignorante das classes privilegiadas, aqui sempre empedernidas e vorazes.
Só
esses predicados podem levar à crença de que é possível impor, a um só tempo e
impunemente, desemprego, ostentação de roubalheiras premiadas do dinheiro
público, salários atrasados, cassação de direitos trabalhistas, redução dos
miseráveis recursos e serviços da saúde, ainda piores condições de
aposentadoria para quem de fato trabalha ou trabalhou, corte dos investimentos
públicos e, pairando sobre ou sob esse conjunto idealizado pela classe
dominante, uma composição imoral de governo.
As
ações diretas do povo não seguem regras. Obedecem à lógica das suas
contingências.
Nessa
lógica está, hoje em dia, o alto grau de indignação e de violência –praticada e
potencial– nas cidades difusamente armadas e mais suscetíveis a próximos
capítulos da nova etapa de escalada. Caso notório de Rio e São Paulo, mas não
só.
Brasília
é mais vulnerável a ocorrências ditas de praça pública, na arrogância dos seus
prédios e no convite das suas vidraças, não porém em armas à mão. São Paulo,
território primordial para a comercialização de droga em dimensões nacionais, e
Rio, território com enclaves bandidos, exemplificam melhor o risco que a
Capital projeta sobre o país.
Michel
Temer e seus parlamentares pretenderam mais uma atitude indecente. Na calada,
não da noite, mas da bagunça mental que se generalizou, quiseram fazer na
Câmara e no Senado aprovações que levariam o empresariado influente e
imprensa/TV a ampará-los, em retribuição e por querer mais.
Em
consequência, o Palácio do Jaburu, apesar de proteção especial, passa a ter
horas, talvez noites e dias, de suspense e temor. A Câmara e o Senado deixam de
saber quando poderão funcionar não ou, como ontem.
Forças
Armadas são postas a reprimir, não bandidos, mas a gente comum. Alguma dúvida
de que tirar Michel Temer é a única hipótese das chefias políticas e seu empresariado
para atenuar as tensões do país? Mas no povo a ideia também única, que se
constata por toda parte, é de que o país está entregue a ladrões. E ele em
pessoa é uma vítima de todos os ladrões.
É
apenas lógica e induzida a elevação do modo de enfrentamento popular.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/. Título original: 'O Jaburu, apesar de proteção, passa a viver sob suspense e temor'.
Uma vida demasiado repleta
de agitação é uma vida esgotante que continuamente exige estimulantes mais
fortes para provocar as emoções que acabam por ser consideradas parte
essencial do prazer. Uma pessoa habituada à demasiada agitação é comparável à
que tem um desejo mórbido de pimenta e acaba por ser incapaz de lhe apreciar o
sabor numa quantidade que sufocaria qualquer outra pessoa. Há sempre um certo
aborrecimento quando se evita em demasia a agitação, mas, por sua vez, a agitação
demasiada não só enfraquece a saúde como embota o gosto para toda a espécie de
prazeres, substituindo titilações por profundas satisfações orgânicas,
habilidade por inteligência e impressões fugidias por beleza. Não pretendo
exagerar os perigos da agitação. Uma certa quantidade talvez seja saudável,
mas, como em quase todas as outras coisas, o problema é de ordem quantitativa.
Uma dose demasiado pequena pode gerar desejos mórbidos e o abuso pode produzir
o esgotamento. Certa capacidade para suportar o aborrecimento é pois essencial
a uma vida feliz e isso era uma das coisas que deviam ser ensinadas aos
jovens.
Há mais de
400 anos fundava-se a chamada “ciência moderna”. O nome pomposo nada mais
significa que um método para conhecer as coisas que buscava se afastar das
formas medievais de construção das verdades. Na “ciência moderna” o intelecto
humano tomava parte, mas não sozinho. Era necessário que o intelecto tivesse
“amarras”, “ferramentas” no que se sustentar. Reconhecia-se que a mente pouco
consegue diferenciar imaginação de realidade. O autoconvencimento é, enfim,
entendido como o maior problema do ato de “conhecer”. Crianças, por exemplo,
levam alguns anos para perceberem que são diferentes do mundo externo. A bem da
verdade, nos dias de hoje, uma quantidade impressionante de pessoas parece não
ter atingido ainda esta percepção. Continuam acreditando que o mundo é tanto
quanto sua crença diz que é. Sem ferramentas apropriadas, a realidade é somente
o que a mim parece. Nada mais.
Esta perigosa crença não é nem medieval. Na Idade
Média, existia um componente moral muito forte no conhecimento. Este
componente, entretanto, era delimitado e definido por pessoas que tinham um
conhecimento muito mais apurado do que a média da população. Hoje, estamos
desconstruindo o conhecimento baseado na teoria do “eu acho”. Eu me convenço
das coisas buscando o menor caminho entre a realidade e o que “eu acho”.
Normalmente este menor caminho são memes, falsas informações e a negação da
própria realidade.
Se eu me convenço de que A é corrupto, eu vou à
realidade buscar apenas as informações que corroborem com a minha tese. Por
menores e mais estranhas que sejam. Não há a preocupação de questionar-se, não
há o interesse em exercitar uma humildade sadia: “Será que o mundo, as coisas,
são, realmente, como eu penso que são?” O caminho para “provar” a minha verdade
é assim:
Se A é corrupto, então A enriqueceu. Mas as
evidências mostram que A não enriqueceu.
O racional seria, diante de uma resposta negativa
para uma pergunta que eu faço ao mundo, eu questiono minha teoria. Talvez,
apenas talvez, A não seja corrupto. É isto que se faz há 400 anos. É isto que o
mundo, e o Brasil parece ter esquecido.
Diante da dor de perceber que a realidade não é
como eu quero que seja, eu nego a realidade. De forma irracional e ilógica
mesmo.
Se A é corrupto, e eu não consigo provar que A
enriqueceu, então A esconde o fruto de sua corrupção. Logo A deve provar que
não esconde.
Veja que o delírio irracional não submete A à prova
da riqueza – que já foi descartada no primeiro questionamento. Não se trata de
perguntar a A se ele tem riqueza. Trata-se de exigir que ele prove que não está
escondendo. Mas como fazer prova negativa? Como eu provo que não escondo? Como
eu provo que não sei? Como eu provo que não tive? Se ao fazer a prova eu apenas
fortaleço a irracionalidade de quem me acusa?
Se desnudarmos A e nada encontrarmos, tanto mais
claro fica que A está escondendo, já que eu não encontrei em A o que tenho
certeza. O efeito da ocultação de A é o mesmo efeito de A não ter o que eu acho
que A tem.
A, portanto, não tem; e pode não ter por realmente
não ter, ou pode não ter por estar ocultando. A razão me diz para seguir o
primeiro: se eu não acho em A o que penso que ele tem, meu pensamento está
errado. A irracionalidade trilha o segundo caminho. Se eu não acho em A o que
eu penso que ele tem, A é um ocultador magistral.
Dizendo de outra forma, se o mundo não é exata e
tão somente o que eu penso que ele seja, errado está o mundo. Esta
irracionalidade bebe de um narcisismo intelectual que acredita que eu conheço o
mundo e o faço de forma inquestionável. Para me manter neste caminho eu tenho
que negar tudo e todos que, de alguma forma, conhecem e enxergam diferente. Eu
tenho que retirar deles o direito mesmo de conhecer ou, ao menos, sua vontade
de questionar.
O Brasil vive esta distopia. Em todos os campos,
foram criados mecanismos de irracionalidade que se apoiam no sentimento
psicológico do egocentrismo narcisista. “Eu sou tal que conheço”, a despeito
dos outros, das evidências e das teorias em contrário. “Eu tenho esta
capacidade inata de conhecer perfeitamente”.
Isto estanca o sentimento de inferioridade de quem
efetivamente não conhece, através da desqualificação daquele que conhece. Isto
é chamado de anti-intelectualismo. Como quem não conhece é, normalmente, maior
em número do que quem conhece, o argumento da maioria entra em jogo. Tudo vira
opinião, e se toda opinião tem o mesmo valor o número de opiniões define a
realidade.
Conhecer passa a ser um defeito se for crítico. É
preciso calar os críticos. É preciso conter os que conhecem, negar-lhes
legitimidade. “Conhecem? Não! Usam um “falso conhecer” com o objetivo
(político) “de me convencer de que o meu conhecimento é errado”. Quando o
conhecer é submisso, então ele é benéfico, ele é bom. Quando o conhecer serve
para reforçar o que “eu já penso sobre a realidade”, este conhecer “reforça o
meu ego”, chancela o que “eu digo sobre o mundo”. Logo, ele é um conhecimento
cheio de virtudes.
Não é à toa que os primeiros atos do governo Temer
foram atacar a ciência, a educação e os professores. Todos. O conhecimento
virou uma mercadoria de pouco valor, e que pode ser substituída por qualquer
outra, ao gosto de quem detém o poder econômico. A educação virou um trabalho
dos mais desimportantes, quase marginalizado. Seus profissionais estão sendo
tratados como mão de obra descartável.
O efeito disto é que um congresso pode se dar
anistia de dívidas e, ao mesmo tempo, prejudicar milhões de trabalhadores,
porque a mídia diz “que isto será bom para você”.
O efeito disto é que um tribunal superior pode
dizer qualquer coisa diferente da Constituição porque, afinal, o tribunal
diz-se acima do pacto político que criou a própria Constituição.
O efeito disto é que um indivíduo gravado, filmado,
rastreado cometendo crimes, tem a “cara de pau” de vir a público dizer que é
tudo falso. Que aquela realidade inexiste. Que é tudo política.
O ponto de partida é entender a lógica do
caos. Não há um comando estabelecido, nem um script pré-definido. Existem
atores mais ou menos relevantes, respondendo a impulsos, sem que ninguém tenha
controle sobre a resultante final.
Os protagonistas principais vão se adaptando
as circunstâncias, de maneira a preservar seus interesses, saltando de uma onda
para outra, pulando obstáculos de maneira a não perder a liderança.
Desse modo, fatos novos que mudam a atitude
de um dos personagens, imediatamente obrigam a um rearranjo dos demais atores.
Peça 1 – o papel de Rodrigo Janot
O novo movimento foi deflagrado pelo
Procuradoria Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, com a delação da JBS.
Há um conjunto de fatores mal explicados. Há
tempos a JBS está sob investigação. Marcelo Miller, do grupo da Lava Jato
ligado a Rodrigo Janot, anuncia sua saída do Ministério Público Federal (MPF)
no dia 6 de março passado (https://goo.gl/uDZZ4h). Era homem da
estrita confiança de Janot, trabalhando em sua assessoria pessoal para a área
criminal.
O grampo de Joesley Batista em Michel Temer foi no
dia 7 de março (https://goo.gl/uDZZ4h).
O que significa que a preparação da operação controlada – e a decisão de Miler
de deixar o MPF e assessorar a JBS – ocorreu no mesmo período.
Deixemos de lado, por enquanto, a
participação de pessoas ligadas à Lava Jato, ou próximas dos principais
protagonistas, no milionário mercado dos honorários para assessorar delações. E
mesmo a suspeita de que o procurador Ângelo Goulart Villela, preso na operação,
tenha sido uma espécie de boi de piranha. Não há nenhuma prova maior a
respeito. Fica apenas o registro da suspeita.
O ponto central é que a operação resolvia
dois problemas simultaneamente. Do lado da JBS, a possibilidade de limpar a
área no Brasil e acertar o acordo de leniência com o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, conseguindo se transformar em empresa norte-americana.
Do lado de Janot, a possibilidade de, pela
primeira vez, assumir o protagonismo na Lava Jato, em um momento em que, no
final de mandato, estava enfraquecido perante a categoria e o Ministério
Público Federal (MPF) arriscado a perder a prerrogativa de eleger o PGR.
Peça 2 – o papel da Globo
Dois pontos chamam a atenção no desempenho da
Globo.
O primeiro, o sigilo absoluto sobre a
operação – e mesmo sobre a própria posição da Globo – provocando uma
desorganização ampla no disciplinadíssimo esquadrão de comentaristas da
emissora.
Os desempenhos da Mirian Leitão e de Ricardo Noblat
foram bastante elucidativos. O primeiro movimento de Mirian foi uma defesa do
governo, dando voz ao insuspeito Eliseu Padilha. Quando O Globo deu a
freada de arrumação – o editorial pedindo o impeachment -, imediatamente Mirian
soltou uma nota em seu blog dizendo que, à luz dos últimos acontecimentos, o
governo Temer estava no chão. Mais ágil que eles foi Luciano Hulk, retirando do
Twitter as fotos de amizade eterna com Aécio.
O segundo ponto foi o rapidíssimo alinhamento
da Globo com a tese do impeachment. Nenhuma surpresa. Até então, era a
principal madrinha da posse de Temer. A divulgação dos malfeitos de Temer e
quadrilha tem o condão de ressuscitar a tese das diretas. A estratégia adotada,
então, foi cavalgar a onda do impeachment, sair na frente pedindo o
impeachment, vender o peixe da isenção jornalística – assim como a Lava Jato do
PGR (não confundir com a Lava Jato de Curitiba) – e vender a boia da salvação
de um novo governo garantindo as tais reformas. Que, com Temer, mostravam
poucos sinais de serem aprovadas.
Peça 3 – o desmanche da frente do golpe
Aí entram em cena dois integrantes fortes do
cartel da mídia, a Folha e o Estadão.
Ambos enfrentam crises financeiras agudas e
dependem fundamentalmente do pacote de bondades montado por Eliseu Padilha e
quadrilha. São doses maciças de publicidade e patrocínios para eventos, da
Petrobras e de outras estatais, escondendo o nome dos patrocinadores.
Não vai dar certo. Ambos não têm controle
sobre Tribunal de Contas e outros órgãos para passarem isentos por essa
extravagância – de patrocínios em off.
Por outro lado, não teriam fôlego para
recompor o pacote de publicidade governamental caso a crise da sucessão seja
prolongada. E não poderiam correr o risco de uma sucessão que optasse por não
reafirmar as juras de amor desinteressado com a quadrilha de Temer.
Peça 4 – os próximos lances
Aqui, se entra no imponderável. A Globo é o
único dos veículos que ensaia lances estratégicos. Mas, como bom estrategista
brasileiro, só consegue imaginar um lance na frente.
Ao mesmo tempo, o PSDB parece ter se dado
conta dos riscos de uma nova aventura do impeachment. Seu único elo com o poder
é Temer. Com a destruição das principais lideranças do partido, sem o anteparo
dos cargos no governo Temer, haveria uma revoada imediata sabe-se lá para onde.
A aposta em Henrique Meirelles é furada.
Desde 2.010 repousa nas gavetas indevassáveis da PGR um inquérito contra
Meirelles por crime tributário (https://goo.gl/z5BVWz). Ele faz parte da
geração de filhos de Anápolis, que inclui, entre outros, a família Batista e
Carlinhos Cachoeira.
Aliás, outra dica de pauta: as imbricações entre o
bicho e a expansão inicial da JBS. O comendador Arcanjo – outro dos campeões do
bicho de Goiás – foi um dos financiadores dos maiores sojicultores do estado,
através de lavagem de dinheiro. Nas conversas de Joesley com Temer, ambos
acertam formas de pressionar Meirelles embora, até agora, não haja nenhum
indício maior de que as pressões tenham sido
bem-sucedidas.
Um outro agente inseguro é o próprio mercado.
No tambor do revólver da Lava Jato há a delação de Antônio Palocci que pode
pegar grandes bancos, elucidar episódios pouco esclarecidos do CARF e alguns
episódios pesados, de como o Pactual comprou o silêncio da imprensa.
Outro, a economia como um todo, exposta mais
vez a esses jogos de poder. O estrago que vier pela frente será debitado,
agora, ao exercício indiscriminado de poder pela Globo.
Por outro lado, os grampos de Joesley apenas
registraram o que está ocorrendo à luz do dia no governo e no Congresso, um
assalto despudorado, desesperado, do qual o melhor exemplo é Aécio Neves arrostando
perigos para arrancar os derradeiros R$ 2 milhões da JBS.
Como resistir à enxurrada de lama das demais
delações? Independentemente da motivação das denúncias, não dá mais para varrer
debaixo do tapete o que apareceu.
A sobrevida de Temer dependerá exclusivamente
da maior ou menor rapidez dos diversos personagens em reconstruir alianças e
definir interesses. E, principalmente, em convergir para um nome, caso
emplaquem eleições indiretas.
A recomposição política brasileira passará,
em algum ponto do futuro, por um amplo pacto em torno das eleições diretas, a
única maneira de reconstruir a coesão social.
Não há saída possível fora de uma
reconstrução do centro. Mas, seguramente, a crise ainda não produziu o grau de
amadurecimento necessário.
Haverá ainda um bom período de caos, antes de
se produzir a nova ordem.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-dos-zumbis-da-politica-e-as-diretas. Título original: 'Xadrez dos zumbis da política e as diretas'.
A emoção é
um programa de ações, portanto, é uma coisa que se desenrola com ações
sucessivas. É uma espécie de concerto de ações. Não tem nada a ver com o que se
passa na mente.
É despertada pela mente,
mas acontece com ações que ocorrem dentro do corpo, nos músculos, coração,
pulmões, nas reações endócrinas. Sentimentos são, por
definição, a experiência mental que nós temos do que se passa no corpo. É o
mundo que se segue (à emoção). Mesmo que se dê muito rapidamente, em matéria de
segundos, primeiro são ações, e pode-se ver sem nenhum microscópio. Você pode
me ver tendo uma emoção, não vê tudo, mas vê uma parte. Pode ver o que se passa
na minha cara, a pele pode mudar, os movimentos que eu faço, etc., enquanto o
sentimento você não pode ver.
O sentimento eu tenho e
você não sabe se eu tenho ou não tenho. E se você tiver um sentimento de
profunda tristeza, mas se me quiser enganar, e quiser comportar-se como se
estivesse alegre, vai me enganar mesmo, porque eu não posso saber o que está
dentro da sua cabeça.
Isso é uma diferença
fundamental. É a diferença entre aquilo que é mental e aquilo que é
comportamental. É uma reação inata, o sistema de reações é inato e desencadeado
por um determinado processo, geralmente um processo intelectual, uma coisa que
se percebe, se ouve, que se vê, etc., e depois acontece dentro do corpo dessa
forma complexa. Essa é a grande diferença. E como é evidente, é mais fácil
perceber o que se passa objetivamente do que perceber uma coisa que se passa
dentro da mente de outrem.
Existe grande
inter-relação entre o cérebro e a sociedade que construímos. Para ele, nossa
consciência se molda a partir do ambiente, mas a pessoa social também é
determinada pela biologia e por fenômenos que podem ser estudados pela
neurobiologia. Assim, é possível abordar temas como religião, justiça e
política. Apesar de sermos, em grande parte biologia, não somos só biologia,
mas também frutos da civilização, o que cria espaço para a
individualização.
As emoções são programadas
pela educação que recebemos e pela biologia, tanto que podemos encontrar
precursores em outros seres com vida social, embora sem a mesma complexidade.
Já os sentimentos permitem, por exemplo, aprender e prever situações
vantajosas, fundamental para a capacidade de planejar, além de abrir as portas
da imaginação, do conhecimento, da consciência e de uma cultura
complexa.
Emoções geram sentimentos,
atos racionais, e estes são utilizados para a aprendizagem.
Dos fatos que estão a chocar o Brasil, capitaneados por Michel Temer e a linha de frente que derrubou Dilma Rousseff, um dos mais repugnantes é o que, em conversa gravada em que pede propina de R$ 2 milhões, Aécio Neves, ao se referir ao emissário que vai coletar o valor, diz: "Tem que ser um que a gente mate ele antes de fazer delação." Já eram diversas as denúncias e insinuações contra o presidente nacional do PSBD a respeito do seu envolvimento com ilícitos e atividades criminosas. A referida declaração parece soar sintomática. Diante da gravidade dos fatos, Francisco Prehn Zavascki, filho do ex-ministro do STF Teori Zavascki e responsável pela Lava Jato no Supremo (morto em um "misterioso acidente", ainda não explicado), fez um desabafo emocionado sobre o "mistério" que cobre de dúvidas a morte de seu pai, e que, passado já um bom tempo do fatídico, continua sem explicação por investigações conclusivas. Segue aí abaixo a repercussão do desabafo no portal gaúcho RBS. De tudo isso, uma das ilações a ser tirada é que estamos a viver numa república de moralistas sem moral, e que ainda se acham no direito de opinar, com "gaguejo subimperialsita", sobre a situação política em outros países da América Latina.
Por
Silvana Pires
Em
um post publicado no Facebook nesta quarta-feira (17), apagado logo depois, o
filho do ex-ministro do STF Teori Zavascki, Francisco
Prehn Zavascki, acusa o PMDB de tentar barrar a Operação Lava-Jato a qualquer
custo.
"Derrubaram a Dilma e assumiu o Temer.
Do que eles são capazes? Será que só pagar pelo silêncio alheio? Ou será que
derrubar avião também está valendo?”, postou.
Francisco
afirma que Teori,morto
num acidente aéreo em Paratiem
19 de janeiro de 2017, sabia o quanto cada um estava afundando no mar de
corrupção e não era por acaso que o pai estava aflito com o ano de 2017.
"Aflito ao ponto de me confidenciar que
havia consultado informalmente as Forças Armadas e que tinha obtido a resposta
de que iriam sustentar o Supremo até o fim!", escreveu.
No texto, Francisco também lembrou o dia do
velório do pai, quando o presidente Michel Temer viajou até Porto Alegre
acompanhado, entre outros, do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), do
presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do senador José
Serra (PSDB-SP).
"Que gente sínica [sic]. Não tem coisa
que me embrulha mais o estômago do que lembrar que, no dia do velório do meu
pai, diante de tanta dor, ainda tive que cumprimentar os membros daquele que
foi apelidado naquele mesmo dia de o ‘cortejo dos delatados’”.
Francisco pediu desculpas pelo desabafo e
concluiu dizendo: “Não tenho como não pensar que não mandaram matar o meu
pai!”.
Leia abaixo a transcrição na íntegra do post:
O
PMDB está no poder desde sempre e, como todos sabemos, estava com o PT
aproveitando tudo de bom que o Governo pode dar... até que veio a Lava
jato.
A ordem sempre foi a de
parar a Operação (isto está gravado nas palavras dos seus líderes). Todavia, ao
que parece, até para isso o PT era incompetente e, ao que tenho notícia, de
fato, o PT nunca tentou nada para barrar a Lava Jato (ao menos o pai sempre me
disse que nunca tinham tentando nada), o que sempre gerou fortes críticas de
membros do PMDB.
O problema é que as
investigações começaram a ficar mais e mais perto e os líderes do PMDB viram
como única saída, realmente, brecar a Operação a qualquer custo. Para isso,
precisava do poder. Derrubaram a Dilma e assumiu o Temer. Do que eles são
capazes? Será que só pagar pelo silêncio alheio? Ou será que derrubar avião
também está valendo?
O pai sabia de tudo isso.
Sabia quanto cada um estava afundando nesse mar de corrupção. Não é por acaso
que o pai estava tão afilho [sic] com o ano de 2017.
Aflito ao ponto de me
confidenciar que havia consultado informalmente as Forças Armadas e que tinha
obtido a resposta de que iriam sustentar o Supremo até o fim!
Que gente sínica [sic]. Não
tem coisa que me embrulha mais o estômago do que lembrar que, no dia do velório
do meu pai, diante de tanta dor, ainda tive que cumprimentar os membros daquele
que foi apelidado naquele mesmo dia de o “cortejo dos delatados”.
Impeachment já!
Desculpem o desabafo, mas
não tenho como não pensar que não mandaram matar o meu pai!
Em 1993—muito antes de seu sumiço voluntário—Belchior estava praticamente fora domainstream
da chamada MPB. Pouca gente ouvia seus discos mais recentes e suas
canções já não chegavam ao rádio. O pouco lembrado “Bahiuno”, lançado naquele
ano, é uma obra reveladora da personalidade e do que pensava o compositor
cearense. É, ao mesmo tempo, uma impressionante reflexão sobre sua geração e
sobre os sonhos e descaminhos daqueles que compartilharam utopias nos anos [19]60
e [19]70.
Alguns
versos do disco são assombrosamente atuais. Segure aí o seguinte trecho de
“Lamento do marginal bem sucedido”: “Ah! Enquanto essas senhoras e esses
senhores viram o jogo contra nós/e põem o mundo a seu favor - que horror!/
Conversação de marginais sobre terra devastada em meio a nossa guerra civil/desde Cabral o Brasil é Brasil”.
Outros
versos ilustram o sentimento de desconforto de quem havia exaltado as novidades
vindas nos ventos libertários dos anos [19]70 e agora se deparava com as
reviravoltas dos anos [19]90. “Baby/Enquanto um velho mestre de blues
radioativa nas ondas sonoras do carro/ tome um fósforo e, ao gosto dos anjos,
acenda o último cigarro/Que aquele bêbado lhe deu/E blues lamente comigo os
tempos cínicos e cruéis/para o caubói delicado que você diz que sou eu”.
Mesmo
lamentoso, o cowboy delicado de bigode grosso, voz grave e sorriso largo nunca
foi um ressentido. Pelo menos é o que atestam os testemunhos de pessoas
que o conheceram ao longo da vida, inclusive nos momentos mais duros. Era um
artista nato, febril, quase louco na forma como submergia na criação.
Difícil
precisar em que momento o “marginal bem sucedido” foi se distanciando do
público. Apesar do isolamento, Belchior teria conservado hábitos como
escrever, compor e pintar, até o final. Talvez apenas porque não pudesse parar.
Como cantara muitos anos antes, em “Divina Comédia Humana”: “Eu canto, enquanto
houver/espaço, tempo, corpo/ e algum modo de dizer não”.
Foi
um intransigente e cantou sua rebeldia: “Ao pastor de minha igreja reza/que essa ovelha negra jamais vai ficar branquinha/Não vendi a alma ao diabo/O
diabo viu mau negócio nisso de comprar a minha”. E, sozinho, traçou seu caminho
no mundo, atravessado por influências eruditas e populares. Viveu, mesmo
sem aderir a projetos políticos, os idealismos arrebatadores de sua época:
“Conta aos amigos doutores que abandonei a escola pra cantar em cabaré/ Baiões,
Bárbaros, baihunos, com a mesma dura ternura que aprendi na estrada e em Che”
“Amar
e mudar as coisas me interessa mais” foi talvez um dos mais emblemáticos versos
do compositor cearense. Desses que se pixam nos muros até hoje. Bebeu de tudo e
com todos. Conheceu de perto os hippies, o movimento estudantil de esquerda, as
ideias do Maio de 68, a revolução do corpo. Tendo vivido profunda experiência
católica na juventude, transformou-se em um anarquista declarado, como
afirmou em entrevista ao Pasquim de 1982: “Por exemplo: eu achava que
cabia aos estudantes pensar as alternativas para uma mobilização política que
não fosse capitalista ou socialista. Queria uma experiência anarquista, no
sentido mais rígido da palavra, uma experiência desordenadora. Imaginava que
podíamos aproveitar a oportunidade do movimento estudantil pra ser algo mais
que caudatário do movimento político institucional”.
As
canções de Belchior revolveram as angústias, os dilemas, os ideais e as
expectativas de uma época. Foi a tarefa que assumiu – árdua tarefa –, como
declarou em [19]76 à jornalista Ana Maria Baiana: “Minha música está muito em
cima dos fatos, eu quero dar assim um balanço da minha geração, dos anos [19]60.
Não quero apontar caminhos, soluções, mas dar uma geral em tudo o que
aconteceu, voltado para o futuro, para o que vai vir. O que já está vindo,
aliás”
Claro
que o futuro mostrou-se muito diferente do que se esperava. Em [19]93, na
canção “Baihuno”, Belchior fotografaria outras duas transformações que marcaram
o fim—ou talvez uma interrupção momentânea—dos ideais cultivados pela sua
geração. “Cai o Muro de Berlim—cai sobre ti, sobre mim/ Nova Ordem
Mundial/ Camisa-de-força-de-vênus/ Ah! quem compraria, ao menos, o velho gozo
animal?”. O fim do socialismo como força política global alternativa, a AIDS se
impondo como energia repressiva, o prazer vendido como mercadoria.
Talvez
Belchior sentisse mesmo tudo desabar, mas seguia. Alguns versos adiante,
pareciam intuir o caminho que tomaria 14 anos depois: “Já que o tempo fez-te a
graça de visitares o Norte, leva notícias de mim/O cara caiu na vida, vendo
seu mundo tão certo, assim tão perto do fim”.
Em
seus melhores momentos, Belchior era uma antena captando mudanças, um cronista
da História em movimento. Antirreacionário por excelência, não reagia
negativamente às mudanças, limitava-se a observá-las, transformando o
estranhamento em canções-comentário. Toda sua obra parece beber na seminal “The
times they are a-changing”, na qual Bob Dylan advertia os reacionários e
acomodados: “É melhor você começar a nadar, senão afundará feito uma pedra/
Pois os tempos estão mudando”.
Em
1977, um ano após lançar a obra-prima “Alucinação”, Belchior declarou à Ana
Maria Baiana que seu projeto de carreira já estava todo definido em detalhes na
sua cabeça e que não faria concessões. “É preciso muita lucidez para não ceder,
ficar com a cabeça no lugar. Eu, por exemplo, tinha uma série de fatores
considerados negativos pela indústria do disco: a voz que era estranha, o fato
de abordar temas, como dizer, ásperos, e o fato de não ser exatamente um cantor
galã. Eu podia ter amaciado meus temas, feito jogadas. Mas não fiz.”
Aparentemente,
ele já divisava as armadilhas que envolviam o contraditório posto de pop star rebelde: “Sei que agora corro
outro risco, o de ficar preso a uma fórmula, ser, como você disse, uma espécie
de contestador oficial’”.
“Tenho
falado à minha garota/ Meu bem, difícil é saber o que acontecerá/Mas eu
agradeço ao tempo/O inimigo eu já conheço/ Sei seu nome, sei seu rosto,
residência e endereço/A voz resiste/A fala insiste/Você me ouvirá” (“Não
leve flores”)
Origens
Alguns anos antes de se lançar como compositor, Antônio Carlos
Gomes Belchior Fontenelle Fernandes foi seminarista. No monastério da Ordem
Menor dos Capuchinhos, em Guaramiranga (CE), ele era mais conhecido como o Frei
Sobral. Ali, como mostra o capítulo já divulgado da aguardada biografia do
cantor, urdida pelo jornalista Jotabê Medeiros, o jovem religioso aprofundou
sua paixão pela literatura, conheceu preceitos filosóficos marcantes em sua
trajetória e entrou em contato com um modo de introspecção profunda, um cultivo
da solidão como virtude. Além de rigoroso nas penitências, jejuns e demais
provações religiosas, Belchior divertia os outros seminaristas com suas
emboladas e repentes. Virtuoso, diz-se que podia passar até três horas
improvisando versos seguidamente. Era um talento incontrolável.
A
vida regrada de seminarista duraria três anos. Ao fim dos quais Belchior
percebeu que não era a fé, mas, sim, o gosto pelo estudo, que o atraíra para a
vida monástica. Ao Pasquim, ele falou sobre a experiência:
“Nesse
tempo (vivido no mosteiro), completei o curso de Filosofia, o que foi muito
importante, tendo aprendido latim, pois podendo ler os textos no original me
desvencilhei de todo o entulho religioso que até ali tinha atravancado minha
cabeça. Ainda hoje leio os textos religiosos tradicionais - Bíblia, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho - em latim”.
Pouco
depois de largar os capuchinhos, foi para Fortaleza estudar Medicina, mas,
logo, trocou o projeto de virar doutor pela música. Agitou espetáculos,
realizou programas de TV, juntou-se a uma turma de jovens compositores. Entre
eles, ilustres cearenses como Ednardo, Fagner, Rodger e Teti.
Anos
depois, uma parte da turma abraçou a ideia de um disco em conjunto. O grupo se
autointitulou “Pessoal do Ceará”. Belchior não embarcou no projeto. “Não faz
muito sentido pra mim, esse determinismo geográfico”, justificou-se. “Não
preciso enfatizar minhas raízes, enfatizar meu cearensismo. Eu faço coisas
cearenses em qualquer circunstância, porque tenho o Ceará dentro de mim”
Belchior
se considerava marcado a ferro e fogo “pela exposição ao universo sonoro do
nordeste, que é uma coisa fortíssima”. As influências regionais, porém, se
confundiam com uma miscelânea de outras: “A nordestinidade é uma coisa que só
pode ser vista do sul. A típica música nordestina também. Eu não tinha nenhuma
preocupação seletiva. Eu ouvia tudo, como todo o povo de Sobral ouvia”.
Sobre
sua formação musical na infância, ele contou ao Pasquim: “Meu avô, um coronel
do sertão, tocava sax e flauta. Minha mãe cantava no coro de igreja. Foi
ouvindo eles, as músicas de violeiros, o serviço de alto-falante, que comecei a
gostar de música. O alto-falante era uma maravilha, sonorizava toda a amplidão
do sertão”
Após
passar pelo Rio, onde venceu o Festival Universitário da Canção, em [19]71, foi
para São Paulo. Lá tocou em “quase todos os lugares onde é possível cantar:
escolas, praças, fábricas, hospitais, prisões, circos, caminhões. Até em
teatros”. Era uma espécie de vagabundo iluminado de Kerouac e, ao mesmo tempo, um operário incansável da
canção.
Os
tropicalistas eram vistos por ele como precursores, quase como irmãos mais
velhos que deviam ser superados. A pretensão de Belchior não era pequena: “Nós
(os músicos cearenses) fomos influenciados por eles (os tropicalistas), pelas
propostas deles. E por isso mesmo não se pode ficar parado. É preciso
continuar, ir adiante no que os baianos fizeram”.
Em 1988, ele chegou a declarar ao repórter Thales de Menezes que,
sentindo sua missão na música quase concluída, estava investindo em outro
projeto artístico. Tratava-se, tão somente, de uma colossal coleção de 3 mil
desenhos ilustrando “A Divina Comédia”, de Dante, a maior das suas muitas
obsessões literárias.
O Último Capítulo
Por mais que os depoimentos sobre os últimos anos do compositor
venham aparecendo aqui e ali, não é possível entender—e talvez nunca será—o que se passou na sua cabeça.
Belchior teria se lançado ao famoso “dropout” (se jogar, largar tudo) dos
hippies e demais libertários dos [19]60 e [19]70?
O
trovador solitário deixou para trás a família, imóveis, bens e projetos não
terminados (onde teriam ido parar os desenhos da Divina Comédia?).
Sua sombra na vida nova foi o outro Belchior, o astro. Aquele que
nunca o deixaria fugir em paz, viver anônimo. Pelos relatos que vão surgindo,
sua vida itinerante logo virou uma bola de neve, uma teia de aranha. O mundo
cobrou a conta. A imprensa o encontrou.
Chegado ao hedonismo, Belchior nunca foi investidor ou poupador.
Sobre acumular dinheiro, ele havia dito ao Pasquim, em [19]82:
“As
pessoas que falam em guardar dinheiro não sabem ou se esquecem de que existem
os charutos perfumados, as mulheres bonitas, os bons vinhos, de que é
importante a gente ver o Oriente, a Europa, e de que a acumulação do dinheiro,
além de ser chato, não tem mais significado numa sociedade contemporânea de
serviços e de comunicação eletrônica veloz”.
O
compositor não esteve só em sua última jornada, mas ao lado de Edna, uma
jornalista que conheceu em 2005. Alguns amigos antigos do cantor acreditam que
ela o dominava, acusam-na até de ter feito nele uma espécie de “lavagem
cerebral”. Outros, que conviveram com o casal nos últimos anos, o achavam
dependente dela. Seria difícil e até injusto, porém, estabelecer qualquer tipo
de parecer ou julgamento sobre a relação.
Em
Santa Cruz do Sul, destino final da viagem, onde viveu de favor na casa de
amigos entre 2013 e 2017, o cantor teria passado a maior parte do tempo
recluso. De acordo com aqueles com quem conviveu, atravessava os dias fazendo
aquilo que vinha fazendo há muitos anos: escrevendo, lendo e pintando. Alheio
ao redemoinho da vida, não se preocupava com mais nada: vivia tranquilo e bem
humorado, apesar da falta de garantias.
Belchior
conseguiu o que desejava quando decidiu largar tudo e quase todos, ou caiu numa
armadilha? É melhor ficar com a dúvida do que atribuir à história ares de
tragédia e ao seu autor a marca da loucura. Belchior foi apenas um inesquecível
rapaz latino-americano do seu tempo, que terminou (assim como começou) sem
dinheiro no banco e, aparentemente, com o mesmo coração selvagem.
Para
finalizar, mais um trecho da entrevista ao Pasquim:
Ricky - Você continua apenas um rapaz
latino-americano?
Belchior - Claro, sou um brasileiro comum.
Ricky - Só que agora com dinheiro no banco.
Belchior - Não é bem isso. Eu não confiaria nos
bancos a esse ponto. Ainda tenho uma formação brechtiana.
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Fonte: O Palma. Título original: 'Belchior, Retrato da Alma'.