Recebo de um amigo do sul do país uma
mensagem, meio a brincar/meio a sério,
começando de forma indagativa: ‘Exílio, América do Sul - onde vamos
trabalhar? Santiago, Buenos Aires ou Montevidéu?’ Mutatis mutandis, manifestações como esta dão a dimensão do nível
ao qual chegou a crise brasileira. Deu mais alguns passos em direção ao abismo.
Quem tem um certo grau aprofundado de conhecimento de história política, sabe
que é, digamos, um preocupante ‘ponto fora da curva’ o fato de um grupo
protofascista de manifestantes invadir o parlamento, promover quebra-quebra, tomar de
assalto o plenário e defender a implantação de uma ditadura. Foi o que ocorreu
na Câmara dos Deputados na passada semana. Veículos da mídia corporativa, meio
que envergonhados com o ocorrido (por terem dado vazão a atos de ódio durante
as manifestações pró-impeachment),
procuram relativizar o acontecido, alegando que foi uma ação praticada por um
grupelho. Tal discurso traz à memória um
episódio recentemente lembrando pelo competente jornalista Vandeck Santiago
envolvendo o lendário governador pernambucano Miguel Arraes e o
presidente chileno Salvador Allende. Deposto pelo golpe civil-militar de 1964,
Arraes exilou-se na Argélia. Em 1972, viajou ao Chile e encontrou-se com
Allende. Disse-lhe que a sua impressão, baseada no que tinha visto no Brasil, era que um golpe de Estado estava a caminho no Chile. Allende afirmou que ele não se preocupasse, porque
no Chile só havia uns poucos fascistas. Arraes retrucou: 'Os fascistas, em
qualquer lugar, sempre são poucos. Eles só são
lançados à frente pelos conservadores quando alguém tem que sujar as mãos de
sangue, porque os conservadores não têm essa coragem'. No ano
seguinte, Allende foi deposto. Morreu lutando contra os fascistas, que, àquela
altura, já eram muitos.
Na invasão da Câmara dos Deputados, uma manifestante destacou-se por dois fatos: o primeiro, a exibição da ignorância ao tomar a bandeira do Japão como sendo a representação do comunismo; o segundo, menos divulgado, a satisfação em mostrar a mão ensanguentada em decorrência do quebra-quebra realizado. Só mesmo um misto entre paixão e ideologia para fazer com que determinadas pessoas não percebam a gravidade da marcha que o Brasil está a fazer. A ideologia, no caso, como visão inversa (e perversa) do real; a paixão política como cegueira, tributária do sentido etimológico-conceitual do que se entende mesmo como paixão: passividade, alienação, ‘emocionalismo desregulado’, resultando em... sofrimento (daí que Platão, diferenciando amor e paixão, remeta esta para o ‘mundo das sombras’/do falso e coloque o amor na esfera do ‘mundo essencial’).
De resto, é uma completa afronta à democracia a política medieval de retaliação a adversários (ou até mesmo apenas críticos) que o governo federal vem promovendo. O tratamento dispensado ao estado da Paraíba é um exemplo nesse sentido. Está se chegando ao ponto de negar audiência ao governador. Ora, o país é uma federação, e a restrição a convênios e repasses financeiros, por parte da união, têm impactos diretos sobre os serviços prestados pelos estados à população, bem como sobre os salários do funcionalismo estadual, sobretudo em estados, como a Paraíba, cuja capacidade orçamentária não tem a dimensão equivalente à estrutura de outras unidades federativas. “Quatro patas bom, duas patas ruim” – a atual conjuntura brasileira nos lembra da atualidade de George Orwell. Entre revolução dos bichos, totalitarismo e repressão. Novilíngua.
Santigao do Chile, Montevidéu, Buenos Aires. Fico a pensar se o meu amigo que falou sobre pegar o passaporte e partir para o exílio na América do Sul não está a ser realmente preditivo.
Na invasão da Câmara dos Deputados, uma manifestante destacou-se por dois fatos: o primeiro, a exibição da ignorância ao tomar a bandeira do Japão como sendo a representação do comunismo; o segundo, menos divulgado, a satisfação em mostrar a mão ensanguentada em decorrência do quebra-quebra realizado. Só mesmo um misto entre paixão e ideologia para fazer com que determinadas pessoas não percebam a gravidade da marcha que o Brasil está a fazer. A ideologia, no caso, como visão inversa (e perversa) do real; a paixão política como cegueira, tributária do sentido etimológico-conceitual do que se entende mesmo como paixão: passividade, alienação, ‘emocionalismo desregulado’, resultando em... sofrimento (daí que Platão, diferenciando amor e paixão, remeta esta para o ‘mundo das sombras’/do falso e coloque o amor na esfera do ‘mundo essencial’).
De resto, é uma completa afronta à democracia a política medieval de retaliação a adversários (ou até mesmo apenas críticos) que o governo federal vem promovendo. O tratamento dispensado ao estado da Paraíba é um exemplo nesse sentido. Está se chegando ao ponto de negar audiência ao governador. Ora, o país é uma federação, e a restrição a convênios e repasses financeiros, por parte da união, têm impactos diretos sobre os serviços prestados pelos estados à população, bem como sobre os salários do funcionalismo estadual, sobretudo em estados, como a Paraíba, cuja capacidade orçamentária não tem a dimensão equivalente à estrutura de outras unidades federativas. “Quatro patas bom, duas patas ruim” – a atual conjuntura brasileira nos lembra da atualidade de George Orwell. Entre revolução dos bichos, totalitarismo e repressão. Novilíngua.
Santigao do Chile, Montevidéu, Buenos Aires. Fico a pensar se o meu amigo que falou sobre pegar o passaporte e partir para o exílio na América do Sul não está a ser realmente preditivo.