Chile, 1973. Gonzalo Infante e Pedro Machuca são dois garotos de onze que vivem em Santiago em realidades sociais diferentes: o primeiro num 'bairro nobre' e o segundo num 'poblado' degradado (favela) instalado a pouca distancia da casa de Gonzalo. As vidas de ambos se cruzam quando um colégio religioso coloca em funcionamento um programa de integração social, conforme o espírito que o país vivia na época. Desfazer os muros invisíveis da desigualdade que separam mundos. Era o Chile de Salvador Allende, de Pablo Neruda. Mas era também o Chile da insuflação fascista, que organizava manifestações, que fez madames descobrirem a cozinha em busca de panelas para bater, a insuflação fascista que - com a colaboração de empresários - boicotava/desorganizava a distribuição de alimentos no país, para que faltasse comida, e a formação de longas filas passasse a ideia de caos. A insuflação que organizava grupos violentos e que tramou com a CIA a instauração de uma das ditaduras mais sanguinárias da América Latina. Esse é o cenário em que se passa o filme Machuca, dirigido por Andrés Wood - fora do padrão da indústria cinematográfica, e então relegado ao ostracismo. Trata de fatos e sinceridade. Quando a lealdade da amizade, aspecto significativo em duas crianças, coloca-se acima dos muros da desigualdade social e das diferenças políticas. De resto, o filme retrata o ambiente em Santiago na época: as manifestações, os ecos pelo governo da Unidade Popular ('Allende, a Pátria não se rende') e, por fim, o bombardeamento do Palácio Presidencial, tendo-se a morte do Presidente Salvador Allende. O que veio a seguir já sabemos, mas talvez um episódio simbolize de forma lapidar o caráter da ditadura de Pinochet: o assassinato do professor, poeta e cantor Victor Jara, que, antes da morte, teve as suas mãos esmagadas a coronhadas/decepadas, como demonstração de que, no país, não mais se aceitaria que violão fosse tocado com músicas críticas. Machuca aborda o crepúsculo de um período histórico chileno, mas é um filme para toda a América Latina. Os nossos 'Cem Anos de Solidão', conforme foram ditos por Gabriel García Márquez. O filme é ainda uma merecida homenagem à memória do padre e educador Gerardo Whelan, diretor da escola retratada na película (Saint George), onde efetivamente se levava a cabo um projeto de integração social entre classes e grupos diversos. e que foi brutalmente escorraçado do educandário pela ditadura pinochetista. Sobreviveu a sua obra, pressupondo uma 'pedagogia do trabalho'. Aí abaixo um breve realce de uma cena emblemática.