segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Populismo, (auto)promoção pessoal e universidade: manifestações na direita e na esquerda

Analisando-se algumas posturas, pode-se dizer que a esquerda que se situa incondicionalmente na entourage do PT/lulismo continuará 'quebrando a cara' se não fizer a necessária autocrítica e tirar as devidas ilações dos fatos que a conduziram à presente situação. Chama a atenção, por exemplo, o quanto se continua a insistir em comportamentos populistas e no personalismo, às vezes adquirindo um grau de procura parva pela (auto)promoção pessoal. Parece até mesmo mais coisa que demanda atendimento psíquico. Em determinados casos, espaços da Educação Popular têm sido capturados por este desserviço. E "exoticamente" se aciona Paulo Freire como justificativa. Eleições universitárias, nesse métier, são um capítulo à parte, conforme já escreveu sobre isso, na UFPB, o Prof. Marconi Pequeno.  Sufocando a especificidade da universidade como instituição produtora de conhecimento e passando-se por cima do que deve ser a vida acadêmica, tudo começam  a ser feito efunção da pequenez dos cálculos eleitorais para o próximo pleito, tal qual ocorre nas desqualificadas disputas da politicagem tradicional. O 'populismo barato', que faz roçados tanto à direita como à esquerda, conforme bem mostra o artigo aí abaixo. A esquerda, contudo, deveria saber mais das coisas, aprofundar os seus argumentos e ser mais responsável. É o que se espera de quem quer mudar/transformar a sociedade. 

 

 Por Marcos Villas-Bôas  
(Doutor em Direito  pela PUC-SP; pesquisador na Harvard University e no MIT, Massachusetts Institute of Technology)

O termo “populismo”, como é natural nas línguas humanas, pode ser definido de diferentes formas. Na Ciência Política, alguns o definem como o programa político voltado para atrair a massa popular e criar uma vinculação direta com ela. Normalmente, trata-se de um líder carismático que busca/recebe uma visão de protetor do povo, valendo-se muito do discurso e do marketing/propaganda.
Com base nessa definição, não é à toa que muitos líderes da América Latina sejam associados ao populismo. Mesmo com programas diferentes.
Como eles são de esquerda, é natural que os opositores tratem o populismo como algo extremamente negativo, porém, como tudo na vida, ele tem aspectos positivos e negativos.
O pensamento brasileiro conservador, como lembra Jessé Souza, fez um papel muito eficiente, apesar de imoral e nocivo ao país, ao definir toda medida em favor dos mais fracos como populista e, assim, conferir uma pecha de negatividade a programas sociais, como o Bolsa Família, e a políticas, como a de aumentos reais sucessivos do salário mínimo praticados no governo do PT.  
O problema do populismo não está em proteger a massa trabalhadora, pois, desde que as medidas tenham mais benefícios do que custos, é fundamental ‘empoderar’ a classe mais fraca para que o país tenha aumento de consumidores e, principalmente, de produtores formais.
O problema é que muitas medidas tidas por sociais são ruins para o próprio social. Toda medida precisa passar por uma análise de ao menos três critérios: a) ser adequada a atingir o fim pretendido; b) ser a melhor disponível para atingir aquele fim; e c) gerar mais benefícios do que custos. Muitas políticas defendidas pela esquerda, como a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas e o não aumento do limite de idade para aposentadoria, não estão pautadas na melhor técnica e em dados concretos, mas num moralismo difuso que pode causar problemas.  
É pena também que os populistas da América Latina estejam, em regra, mais preocupados com o lado fácil, a simples realocação de uma pequena parte da renda dos ricos para os pobres, e não consigam ir muito além disso. Infelizmente, a crítica da direita no sentido de que os populistas dão o peixe e não ensinam a pescar é pertinente, apesar de que a direita, quando governou, não fez nenhum dos dois.
Como diz Ben Schneider[2], professor do MIT, fazer programa de transferência de pequenas rendas e aumentar salário mínimo são medidas fáceis. Basta assinar a lei e ter caixa para pagar. Difícil é ter um projeto de desenvolvimento para empoderar muitos milhões de pessoas carentes e fazê-las ingressar na economia formal.
Não se pode negar que é preciso, antes de tudo, fazê-las comer e lhes dar o mínimo de estabilidade financeira para que possam ascender moral e intelectualmente, que deve ser o objetivo maior de todos. Para tanto, o Estado deve também oferecer uma educação básica gratuita de muita qualidade em todas as partes do país, garantindo-a a qualquer um, independente de onde nasça, da sua cor, renda, etc.
Para uma verdadeira proteção dos menos favorecidos, é preciso ainda criar os meios para que eles tenham acesso aos modos de produção, sobretudo os mais avançados. Sem um projeto inovador de desenvolvimento, está comprovado que até mesmo os países desenvolvidos podem ter graves problemas de baixa demanda agregada e desemprego, não bastando um bom nível de educação.
A esquerda brasileira e os populistas, como diz Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro e professor de Harvard, no seu livro “O que a esquerda deve propor”[3], precisam ir além da solução da desigualdade por programas sociais e de transferência de renda, construindo soluções avançadas para que essas medidas sejam cada vez menos necessárias.
Ocorre, contudo, que isso não significa assumir o discurso da direita da América Latina, que não costuma trazer esses resultados e que é, frequentemente, populista também.
Se tomarmos o termo “populista” numa acepção apenas um pouco mais ampla, considerando todo aquele que desenha o seu programa político com olhos nos interesses de grupos específicos, nas pesquisas de intenções de votos e nas próximas eleições, praticamente todo político na América Latina é populista, é paternalista.
Apenas variam os alvos dos seus programas e, muitas vezes, um mesmo político de direita ou de esquerda toma medidas ruins que buscam agradar uma parcela pobre ou rica para obter apoio ou reduzir protestos[4]. Populistas pensam apenas em curto prazo, enquanto grandes estadistas pensam em curto, médio e longo prazo.  
Observa-se uma grave escassez de alternativas no mundo político e econômico, pois falta profundidade para propor medidas (ou conjuntos delas) complexas que consigam gerar reduções de desigualdade sem redução de eficiência e mantendo a saúde fiscal. Sem saber exatamente para onde ir, os políticos seguem as pressões das bases que lhes dão votos e/ou que sustentam financeiramente as campanhas, tomando medidas elementares que já são esperadas por elas.
Os políticos e a população precisam se basear em dados concretos e em teorias avançadas para avaliar a qualidade das medidas. Se olharmos o resultado da gestão de Fernando Haddad em São Paulo, ela revela inúmeros dados positivos, como uma sensível melhoria na mobilidade urbana, um dos principais objetivos do seu programa de governo.
O trânsito de São Paulo, de acordo com a pesquisa de congestionamentos da empresa TomTom, uma das mais respeitadas do mundo[5], passou do 7o pior do planeta ao 58o, revelando uma sensível evolução, que se deve a inúmeras medidas tomadas pela gestão Haddad, como obras que alteraram as vias, investimento em ciclovias, em faixas de ônibus, redução de velocidades em vias arteriais e maior fiscalização.
Muitas dessas medidas, que receberam duras críticas de parte da população e levaram a uma queda de popularidade de Haddad, melhoraram a vida das pessoas. Apesar de estar dando resultados concretos positivos a São Paulo em diversas áreas, até recentemente as pesquisas indicavam uma baixa popularidade do prefeito.
Por outro lado, o prefeito de Salvador/BA, ACM Neto, é o mais popular do país, se é que podemos confiar nas pesquisas, que já erraram feio muitas vezes. Se tomarmos o mesmo exemplo do trânsito, Salvador/BA assumiu a posição de São Paulo, tornando-se a cidade com o 7o pior trânsito do planeta, 2o pior do país, apenas atrás do Rio de Janeiro.
Os dados de Salvador/BA são péssimos. Os resultados da Prova Salvador, que começou a medir o ensino fundamental no município apenas em 2014[6], indicaram que a ampla maioria (mais de 85%) das crianças deixa o ensino fundamental sem conseguir interpretar um texto e realizar cálculos matemáticos simples.
Se os resultados em Salvador são ruins e em São Paulo são bons, por que o prefeito da primeira cidade vinha sendo o mais aprovado, enquanto que o prefeito da segunda o menos aprovado? Dentre outros fatores, a resposta é que o primeiro é populista e o segundo não.
Haddad tomou inúmeras medidas impopulares, mas pautadas no que há de mais avançado no mundo, enquanto que ACM Neto voltou à política do seu avô, com demoradas obras pela cidade, sobretudo em áreas bem frequentadas, e propaganda massiva em redes sociais e na TV Globo, que é de propriedade da sua família na Bahia (TV Bahia).
O populismo de direita vem se fortalecendo neste cenário propício, com crise econômica mundial, terrorismo e imigração crescentes. Donald Trump (Estados Unidos) e Marine Le Pen (França) são apenas dois dos vários exemplos que poderiam ser citados.  
O argentino Maurício Macri vem sendo endeusado por alguns, apesar de não ter explicado ainda a sua relação com uma offshore no exterior. O fato de ele ter sido mencionado no Panama Papers e denunciado pelo Ministério Público na Argentina é deixado de lado pelos seus fãs, quase sempre os mesmos que até outro dia bradavam contra a corrupção.
Macri tomou medidas positivas contra o intervencionismo estatal na Argentina, como a desindexação de preços e certa liberação do câmbio, o que também foi feito pelo segundo governo Dilma e foram as principais causas do aumento da inflação em 2015, que apenas vem arrefecendo nos últimos meses.
Macri o fez, todavia, de modo desastrado, sem gradualidade, tendo gerado um aumento de inflação gigantesco no seu país, prejudicando toda a população e, sobretudo, a mais necessitada. A inflação na Argentina chegou a 30% em 2015, enquanto que no Brasil ela ficou em 10,67%.  
Macri tomou medidas drásticas, pois é mais um populista. Usou a cartilha que agradaria aos seus apoiadores e à sua ideologia, mas sem dosar bem os efeitos. Agora, com uma enorme perda de popularidade e com protestos gigantescos nas ruas, realizou um aumento grande do salário mínimo, que soa como uma tentativa de acalmar os opositores, sendo, portanto, mais uma medida pensada com base no clamor popular, e não nos efeitos socioeconômicos complexos que daí advirão.
Com a inflação enorme que assola o país, realmente era preciso que houvesse um aumento no salário mínimo para aumentar o poder de compra, mas será que as contas do Estado e das empresas estão preparadas para o novo valor? Houve correlativo aumento de produtividade?
No Brasil, assim como Dilma havia feito em 2015, Temer realizou uma falsa reforma ministerial. Fundiu inúmeros ministérios, o que pode criar graves problemas na administração dos projetos que eles vinham tocando, mesmo apesar de a redução de despesas ser pequena.
Isso foi feito na primeira semana de governo Temer, sem qualquer planejamento para realocação de servidores, definição de quais comissionados permanecerão, quais serão cortados etc.
Tanto os cortes de Dilma como os de Temer nos ministérios sequer chegam próximos de corte de 1 bilhão em despesas e, como diz Ciro Gomes, se não “dá bi”, não é tão relevante assim. Emergencial é a alta taxa de juros, que, como visto, não foi a causa do aumento da inflação, assim como é urgente uma reforma no arcaico sistema de previdência, as duas maiores despesas da União Federal e que totalizam muitos bilhões de reais, aproximando-se de 20% do PIB do Brasil e ultrapassando 50% das despesas.
Temer montou um governo com liderança sem mulheres, negros, especialistas em questões sociais e, de quebra, extinguiu o Ministério da Cultura. Após ser amplamente criticado, voltou atrás para anunciar algumas mulheres no segundo escalão e decidiu retornar com o Ministério da Cultura, extinto alguns dias antes.
O novo Ministro de Relações Exteriores, José Serra, em vez de fazer diplomacia, após assumir o poder sob suspeitas e acusações de inúmeros países, resolveu revidar, especialmente sobre aqueles de esquerda, buscando agradar a uma parcela conservadora da população.
Quanto mais se procura agradar uma parcela específica com propostas supostamente mágicas e fora da realidade técnica, mais populista é o programa. Além do governo, no caso da direita, Jair Bolsonaro e outros do mesmo estilo são exemplos populistas clássicos que estão se aproveitando da polarização na sociedade para, sem qualquer projeto técnico, se aproveitar das paixões conservadoras e difundir uma ideologia que lhes apetecem.
O Brasil não chegará a nenhum lugar enquanto continuar elegendo políticos populistas. A imensa maioria deles é despreparada e não sabe o que fazer. Somando isso com um sistema político falido e com uma imprensa que ajuda imensamente no populismo de quem lhe interessa, os políticos buscam agradar os seus grupos, ainda que seja um grupo de ricos ou um grupo de religiosos extremistas.
A imprensa deveria exercer um papel importante de questionar os populismos e divulgar conhecimento avançado, mas, frequentemente, escolhe um populista para defender e apenas critica o outro lado, ajudando até mesmo a realizar golpes de Estado.
O populismo é um mal da América Latina, mas não somente dela. É uma mal de esquerda, mas também de direita. Pode até trazer medidas boas, mas elas costumam ser ruins. É preciso redefinir esse termo e prestar atenção nas suas consequências, pois o populismo vem causando há muito tempo uma porção de problemas na sociedade brasileira.
O país precisa de políticos muito preparados e corajosos, que ajam pelo bem da população como um todo. Não há mais espaço para supostos salvadores, mas apenas para indivíduos moral e intelectualmente diferenciados que tomem medidas de curto, médio e longo prazo pautadas nas melhores teorias e práticas do mundo e adaptadas minuciosamente para a realidade brasileira.

Notas 
[1] Agradeço a Daniel Almeida Filho e Giovana Egle pela leitura do texto e comentários.
[2] Vide aqui entrevista que este autor realizou com Ben Schneider recentemente: http://jornalggn.com.br/noticia/ben-schneider-do-mit-acredita-que-vai-se...
[4] Sobre populismo de direita, ver, por exemplo: http://www.goethe.de/ins/br/lp/kul/dub/med/pt13364894.htm

----------------------------------------
Fonte: http://jornalggn.com.br/